A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) reforçou na quarta-feira (23), em audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), que a manifestação de interesse por parte da autarquia em glebas públicas federais não torna a área uma terra indígena ou reserva indígena. Para isso, são necessários estudos multidisciplinares de natureza etno-histórica, antropológica, ambiental e cartográfica na área pública pretendida. Caso os requisitos sejam preenchidos para se tornar terra indígena, inicia-se o procedimento de demarcação com base no Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, nas leis e normas brasileiras vigentes.

Etapas do processo de demarcação de terras indígenas – Imagem postada em: FUNAI

O procedimento de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas inclui as etapas de identificação e delimitação, declaração, demarcação física, homologação e registro, como detalhou na audiência a diretora de Proteção Territorial e servidora do quadro da Funai há mais de 20 anos, Janete Carvalho. Ela também tranquilizou a população local ao afirmar que ninguém será retirado de suas casas, como tem sido propagado de maneira equivocada no estado.

A audiência pública contou com a participação de representantes do Governo Federal, do governo estadual, de prefeituras e de produtores rurais, dentre outras representações da sociedade civil. Também esteve presente o deputado federal Airton Faleiro (PA). O objetivo foi debater o tema “Impactos jurídicos e sociais das ações judiciais da Funai para declaração de terras indígenas no estado do Pará”. Isto porque, há uma lista de glebas públicas federais, nas quais a Funai manifestou interesse, que circula nas redes sociais como se já fossem terras indígenas. A divulgação dessa lista com informações improcedentes sobre um possível processo de desintrusão vem causando pânico na sociedade local.

A Funai esclareceu que a autarquia só manifesta interesse em glebas públicas federais rurais, ou seja, terrenos que pertencem ao Estado e que não foram objeto de parcelamento aprovado ou regularizado e registrado em cartório. Trata-se, portanto, de áreas públicas que podem ser destinadas a terras indígenas, unidades de conservação, territórios quilombolas, entre outros. Assim, não há manifestação de interesse por parte da Funai em áreas já destinadas. A Funai destaca também que o processo de desintrusão só ocorre após o procedimento de demarcação de terras, o que não é o caso.

CTD

A manifestação de interesse em uma gleba pública federal ocorre no âmbito da Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Rurais (CTD), criada por meio do Decreto  10.592/2020 alterado pelo Decreto 11.688/2023. Conforme explicou a diretora Janete Carvalho, a CTD é composta por representantes de diversos órgãos federais, incluindo a Funai, e segue uma metodologia de ciclos de consulta, nos quais o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) disponibiliza os dados geoespaciais das glebas públicas não destinadas.

A Secretaria Executiva da CTD, então, disponibiliza a área para apreciação do colegiado e consulta aos órgãos e entidades que integram a Câmara Técnica. A partir disso, as instituições devem se manifestar formalmente quanto ao interesse nas áreas no prazo de até 60 dias (prorrogável por mais 30), fundamentando suas manifestações com dados técnicos e arquivos georreferenciados. Depois, a CTD aprecia e delibera sobre a destinação da gleba. Caso aprovado, a Câmara Técnica publica resolução recomendando a destinação da área ao órgão interessado, que deve instruir o processo conforme as normativas para a regularização da gleba e destinação definitiva.

No caso da Funai, as manifestações são baseadas em reivindicações fundiárias de povos indígenas e outras demandas em estudo. A autarquia reforça que a manifestação de interesse não finaliza o processo, sendo necessários mais estudos e o cumprimento dos procedimentos legais para que a área venha a se tornar uma terra indígena.

Bloqueio

Tais manifestações são registradas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), um dos principais desafios enfrentados pela CTD no processo de destinação de glebas públicas. Isso porque, ao inserir os dados sobre a área pretendida no Sigef, ocorre um bloqueio automático no sistema que impede o andamento de processos de titulação de terras, mesmo quando a manifestação de interesse é direcionada a um ponto específico da gleba pretendida e não na área total. O Sigef é uma ferramenta eletrônica desenvolvida pelo Incra e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para subsidiar a governança fundiária do território nacional.

A Funai informou que o Governo Federal tem empenhado esforços para fazer correções no sistema a fim de que não haja o bloqueio das áreas. Como autarquia indigenista do Estado brasileiro, a Funai tem entre suas atribuições constitucionais a regularização das terras indígenas e a missão institucional de promover e proteger os direitos dos povos indígenas. Para a autarquia, no entanto, a garantia dos direitos indígenas não implica na negação de direitos de pessoas não indígenas.

Por isso, a Funai tem aprimorado seus dados por meio da realização de estudos técnicos e do diálogo com as comunidades indígenas e representantes das populações locais para qualificar as informações e fundamentar melhor suas demandas. A autarquia indigenista também atua de forma colaborativa com os demais órgãos da CTD para buscar soluções consensuais e contribuir para o ordenamento fundiário responsável das terras públicas federais rurais.

Glebas de interesse

Entre as áreas que têm causado preocupação aos moradores do Pará, está a Gleba Federal Rural Água Limpa, localizada no município de Medicilândia. A Funai manifestou interesse somente na porção territorial que se sobrepõe integralmente à Terra Indígena (TI) Arara. Ou seja, trata-se de uma área localizada dentro do território regularizado, de ocupação tradicional do povo Arara, do Pará, e não de área limítrofe à TI, como foi divulgado de forma equivocada. Há também outras glebas nas quais o interesse da Funai é em uma porção territorial inferior à área total da gleba. Confira nos mapas abaixo:

Assessoria de Comunicação / Funai – Funai explica atuação na demarcação de terras e interesse em glebas públicas federais no Pará, em audiência na Alepa — Fundação Nacional dos Povos Indígenas

RELACIONADA: Funai vai explicar manifestação de interesse em gleba pública do Pará em audiência na Assembleia Legislativa do estado — Fundação Nacional dos Povos Indígenas