A escalada de pressão sobre o IBAMA para aprovar o desastroso projeto para extrair petróleo da foz do rio Amazonas [1, 2] tem que ser interpretada como indicando que o Presidente Lula não entende nem a situação climática nem as consequências do projeto petrolífero. Embora esta falta de entendimento é grave, seria muito mais grave se ele, de fato, entende essas questões e ainda insiste no caminho em que está.

O projeto para extrair petróleo na foz do Amazonas é fortemente contra o interesse nacional brasileiro por diversas razões. O impacto sobre o clima seria grande se este novo campo de petróleo fosse aberto. A lógica financeira de empreendimentos como este faz com que o impacto deste petróleo seja muito maior que a mesma quantidade tirada de campos de exploração já existentes. A estimativa é que levaria 5 anos para o novo campo começar a extrair petróleo em escala comercial, e levaria mais 5 anos para pagar o investimento. Sendo que ninguém quer parar com zero de lucro, a exploração continuaria durante muitos anos mais, obviamente muito além do momento quando o mundo precisa parar de usar petróleo como combustível. Foi por isso que a Agência Internacional de Energia concluiu que não deve ser aberto nenhum novo campo de exploração de petróleo no mundo, apenas usando os campos já existentes e diminuindo a extração até zero em 2050 [3]. A Petrobrás já anunciou que quer continuar extraindo petróleo além de 2050 [4]. O argumento da presidente da Petrobrás (Magda Chambriard) de que precisa abrir o novo campo na foz do Amazonas para garantir o petróleo suficiente para o uso no Brasil é obviamente falha, sendo que Brasil hoje extrai mais que consume e exporta um terço do total [5, 6].

O argumento do Ministro de Minas e Energia (Alexandre Silveira) de que o novo campo não tenha nada a ver com o aquecimento global porque seria apenas a demanda por petróleo da economia mundial que precisa ser limitada (e.g., [7]), ou de que este petróleo pagará a transição energética [28] são igualmente falhas (e.g., [9-11]). Neste mês de fevereiro 2025 o Presidente Lula vem escutando especialmente o novo presidente do Senado e um dos líderes do “Centrão” (Daví Alcolumbre) [12, 13], cujo discurso político foca na teoria de que esse petróleo trará benefícios socioeconômicos para seu estado de Amapá. Infelizmente, como mostra a experiência com outros projetos de petróleo e gás no Brasil, e a rica literatura sobre a “maldição dos recursos naturais” (ver revisões em [14, 15]), indicam o contrário.

Além do impacto sobre a crise climático, o projeto tem riscos ambientais muito graves. O risco de um vazamento é uma grande preocupação (e.g., [16-18]), e a evidente presunção de que a Petrobrás seria capaz tanto de evitar que ocorre como de conter os impactos na hipótese de um acidente é melhor visto como simples “hubris”, ou seja, o orgulho fatal de tragédias da antiga Grécia. Apesar do discurso que a Petrobrás tenha muita experiência e capacidade, isto não significa que seja capaz de controlar um vazamento. Não é suficiente apenas fazer operações de salvamento de fauna na superfície, que é o foco das atuais discussões sobre licenciamento — precisa estancar o vazamento. Durante o grande vazamento de petróleo no golfo de México em 2010, o petróleo jorrou sem controle durante 5 meses, até que, após muitas tentativas, conseguiram, por sorte, colocar sobre o poço um domo de concreto pendurado por um cabo de 1,5 km de uma embarcação na superfície [19]. Isto demostrou que ninguém no mundo tenha a capacidade de controlar um vazamento a 1,5 km de profundidade. O primeiro poço na foz do Amazonas (bloco FZA-M-59) seria às 2,88 km de profundidade [20]. Além disso, as correntezas marinhas são mais complexas e variáveis do que no golfo de México. No local do planejado campo petrolífera, a correnteza na superfície vai em direção norte, mas a 201 m de profundidade começa uma correnteza na direção oposta [21], o que dificultaria muito tapar um vazamento a partir de um navio na superfície. O parecer de IBAMA é claro: “é fato que existem diversas peculiaridades e incertezas inerentes à região que podem dificultar um combate efetivo a um acidente com a atividade” [21]. Se houver um vazamento, 8 países seriam atingidos [22]. Não é apenas as correntezas que movimentaram o petróleo derramado: há ventos predominantes em direção do mar para a terra que levariam petróleo até a costa de Amapá. Coloca em risco dois ecossistemas brasileiros únicos: os mangues do Amapá [23] e o grande sistema de recifes corais da foz do Amazonas [24].

Devido às consequências catastróficas que o Brasil sofrerá se o aquecimento global escapar de controle, o país precisa assumir um papel de liderança na luta para evitar que isto ocorre. Até agora, as posições do Presidente Lula sobre combustíveis fósseis e outras fontes de emissões brasileiras estão jogando fora esta oportunidade [25].

Por Philip Martin Fearnside

CONTEÚDO NA ÍNTEGRA DISPONÍVEL EM: AMAZÔNIA REAL  

VER MAIS EM:

  • O Lula acordará para a crise climática?: 1 – A foz do Amazonas – Amazônia Real
  • O Lula acordará para a crise climática? 2 – Clima quase fora de controle – Amazônia Real – A situação é pior do que se pensava – Neste mês de fevereiro de 2025 saíram três trabalhos científicos mostrando que a situação climática é bem pior que a comunidade científica pensava, muito menos o que pensa ainda as pessoas a quem o Presidente Lula realmente escuta – o seu Ministro de Minas e Energia e a Presidente de Petrobrás. O primeiro trabalho, publicado na revista Environment: Science and Policy for Sustainable Development em 03 de fevereiro, é liderado pelo cientista climático James Hansen [1]. Isto mostra que o efeito de aerossóis e outras formas de poluição atmosférica tem mascarado a potência real dos gases de efeito estufa já presentes na atmosfera, e que a velocidade de aquecimento nos próximos anos seria bem maior do que pensava. Isto significa que o clima avança vertiginosamente para um ponto de não retorno, onde o aquecimento global escaparia a possibilidade de controle humano.