Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência
Continuando engarupado na memória:
Tribuna da Imprensa n° 4.301, Rio, RJ
Segunda-feira, 16.03.1964
Arrais Quer Furar o Balão do Golpe
O governador Miguel Arrais, que está de viagem marcada amanhã para Recife, onde vai receber o seu colega Mauro Borges, poderá voltar ao Rio e a São Paulo ainda antes do fim da semana, para avistar-se com os srs. Carvalho Pinto e Jânio Quadros. É muito provável que o governador goiano regresse com ele, a fim de participar também das conversações, cujo tema será a formação de uma frente capaz de barrar o caminho do golpe ao sr. João Goulart. Para articular esses entendimentos, o sr. Arrais mandou, ontem, emissários pessoais a São Paulo sem esconder que considera chegada a hora de uma tomada de posição definitiva, em relação aos planos do presidente da República, e que ele próprio, Arrais não tem condições de resistir sozinho, por muito tempo mais. Desde que os seus esforços aglutinadores malogrem, ver-se-á forçado a optar de uma vez entre Lacerda e Jango, com ou sem golpe, e neste caso acha que as suas convicções ideológicas não lhe deixam muita escolha: ficará com o governo central e tratará de acomodar-se, como puder, a essa amarga realidade.
O governador pernambucano, habitualmente fechado e reticente, não esconde agora as suas preocupações. O comício de sexta-feira abriu-lhe os olhos provincianos e lhe fez ver o que não queria ver. Toda a tarde daquele dia, passou-a o governador em companhia do sr. Brizola insistindo com este último para que comparecesse ao comício, na esperança de que a presença e a palavra do deputado gaúcho pudessem perturbar os planos do cunhado-presidente. Mais cedo do que esperava porém, percebeu as dimensões da armadilha em que havia caído. O sr. Brizola levado por ele à praça Cristino Otôni, trazia no peito um discurso pronto e ensaiado, que era a própria plataforma do golpe, plebiscito para a dissolução do Congresso e reeleição de Jango.
Dizer “Não” ao Golpe
Todos os contatos que manteve na antiga capital, assim como as informações que recebeu dos círculos palacianos, confirmaram as piores suspeitas do pernambucano. Ainda na sexta-feira deram-lhe a ler uma cópia da mensagem presidencial ao Congresso, na qual o sr. Jango pedia oficialmente, o plebiscito. Concluiu ele, talvez com algum atraso, que o golpe está em marcha e que, o objetivo é a ditadura, consentida ou não, dos dois cunhados. Para os que não querem segui-lo, ou que relutam ainda, como ele próprio, e isto é o que mais preocupa o sr. Arrais, o sr. Jango oferece uma única alternativa que é a candidatura galopante do Governador Carlos Lacerda.
Diante das tenazes desta dilema, que ele sabe que acabariam por esmagá-lo, qualquer que fosse a sua escolha, acha o sr. Miguel Arrais que lhe cabe fazer um último esforço para congregar uma força independente que esvazie o golpe e que preserve, para ele próprio e para os seus companheiros, uma área de sobrevivência. Esta força deveria nascer, trazendo nos lábios um “não” claro e explícito ao golpe continuísta. Acredita que pode contar, para constituí-la, com alguns governadores como o sr. Mauro Borges, de Goiás, mas que a presença do sr. Jânio Quadros e, especialmente, do professor Carvalho Pinto, é indispensável para dar autoridade e eficácia nacional à nova formação. Estes líderes reunidos, de acordo com os planos do governador de Pernambuco, deverão fazer um pronunciamento comum, ou uma série de pronunciamentos isolados mas sucessivos e coincidentes, denunciando os desígnios antidemocráticos do sr. João Goulart.
Juízo Severo
O sr. Miguel Arrais, que é um radical, tem opiniões radicais sobre os políticos brasileiros. É preciso reconhecer que estas opiniões, ao menos do ponto de vistas moral frequentemente correspondem à realidade. Depois de sua última experiência com o sr. Brizola, o sr. Arrais tornou-se ainda mais desconfiado e vê com muita suspeita até mesmo os passos do sr. Magalhães Pinto e do deputado José Aparecido, diante do governo federal. Sua esperança, para ele que se considera um adversário irremissível do que o sr. Carlos Lacerda representa, repousa em muito pouco mais que os citados Mauro Borges, Carvalho Pinto e Jânio Quadros.
Jango Preparasse Para Assalto ao Parlamento
Identificados por objetivos comuns, deixando para uma segunda etapa a reabertura de uma luta sem quartel pela liderança das áreas esquerdistas, o presidente João Goulart e o deputado Leonel Brizola vão lançar, contra o Parlamento, um verdadeiro rolo compressor, visando a obter, através de pressões, a aprovação imediata da mensagem reformista anunciada no comício de sábado último. O propósito real de Jango e Brizola é a reforma eleitoral pois, revisto o item constitucional das inelegibilidades, poderiam, ambos, candidatar-se, ou disputar entre si, o direito de se opor nas urnas ao Governador Carlos Lacerda, tentando a conquista dos votos de analfabetos, graduados e soldados.
Manobra
A pretexto de atrair os partidos políticos para a frente única, articulada pelo prof. San Tiago Dantas, o sr. João Goulart, habilmente, estimulou contradições entre as correntes conservadoras, determinando, em seguida, que as negociações permanecessem em ponto morto, para dar a impressão de que as lideranças partidárias, incapazes de avaliar a inadequação estrutural brasileira à satisfação dos anseios populares, são insensíveis ao clamor pelas reformas. Somente as hostes brizolistas previram a insinceridade dessa manobra, referendada, a princípio, pelo governador Miguel Arrais e pelo comitê central do Partido Comunista Brasileiro. Entretanto, a Frente Ampla visava, simplesmente, a prejudicar mais ainda a candidatura Juscelino Kubitschek, aprofundando as divergências no PSD, e a fornecer o lastro necessário à violenta guinada de Jango para a esquerda, rota indicada por seus conselheiros políticos para neutralizar o crescimento de Brizola.
Arrais Prejudicado
A aparente vantagem do sr. Miguel Arrais entre os aspirantes esquerdistas à Presidência da República, poderá ser negativa às suas pretensões. Isso porque Jango e Brizola, cujos sonhos de poder dependem, fundamentalmente, da alteração do item das inelegibilidades, se lançarão, de corpo e alma, à luta contra o Congresso, relegando a plano secundário, junto à opinião pública, o governador de Pernambuco. O pronunciamento de Arrais na concentração sindical, aliás, foi moderado, comparando-se às orações de Jango e de seu cunhado. Porém, o frio e calculista político nordestino foi incapaz de ocultar, seu ressentimento quanto à ofensiva desencadeada, recentemente, pelo sr. João Goulart, que visando a enquadrá-lo em seu esquema, por pouco não interviu em Pernambuco.
Apoio Sindical
Resolvido a anunciar, em novo comício a 25 de agosto, na Guanabara, o início da realização das reformas, o presidente da República estreitou seus laços com o Comando Geral dos Trabalhadores, em permanente estado de alerta, para que se desenvolva, em todo o País, o esquema de pressões ao Congresso Nacional. A cúpula sindical, satisfeita com a assinatura do decreto da SUPRA, para o início da reforma agrária e do diploma legal através do qual foram encampadas as refinarias particulares, está resolvida a defender novas medidas estatizantes, em troca de cobertura total a Jango, resolvido mesmo a continuar no governo, até 1970.
Perspectivas
Na hipótese de ser modificado o capítulo das inelegibilidades as esquerdas radicais não se conformarão em se incorporar aos eleitores de Jango, e o deputado Leonel Brizola, ao que tudo indica, colocará em termos definitivos sua candidatura, escudando-se na ação nacional dos grupos de “Onze Companheiros” e desfechando seus habituais ataques à política de conciliação janguista. A cisão entre as forças de esquerda na campanha presidencial beneficiaria, exclusivamente, ao sr. Carlos Lacerda, cujo eleitorado cresce em progressão geométrica, em consequência da declarada tomada de posição do atual governador carioca quanto a todos os problemas nacionais, sem as tibiezas e contradições que também prejudicaram o sr. Juscelino Kubitschek.
UNE no Esquema
Os dirigentes da União Nacional dos Estudantes, que encontram no Chefe da Casa Civil da Presidência da República, sr. Darci Ribeiro, um aliado na satisfação de suas reivindicações, estão enquadrados na esquematização continuísta de Jango. Dentro em breve, será iniciado o deslocamento da sede da UNE para diversos Estados, visando ao fortalecimento da aliança “operário-estudantil-camponesa”, em colaboração com o Centro Popular de Cultura, e ao descrédito público do Congresso, dentro dos planos palacianos de pressionar os parlamentares, pela aprovação da mensagem reformista. Em sua faixa específica, a União Brasileira de Estudantes Secundários poderá desempenhar um papel importante, paralisando, a pré-texto de combater “a exploração dos donos do ensino”, grande parcela de estudantes de grau médio, caso um movimento nesse sentido seja julgado oportuno pelas correntes esquerdistas.
PCB
Solidariedade irrestrita será emprestada ao sr. João Goulart pelo Partido Comunista Brasileiro, pois o “premier” soviético Nikita Khrushchev determinou ao senhor Luís Carlos Prestes, secretário geral do PCB, o apoio total aos planos de Jango. Durante a concentração na praça da República enquanto alguns manifestantes agitavam, diante do palanque presidencial, um enorme cartaz, exigindo “legalidade para o PCB”, grupos de ativistas, infiltrados entre a massa, distribuíam impressos contendo críticas violentas ao Governador Carlos Lacerda. A legalidade para o Partido, segundo informou a jornalistas por ocasião do comício, o sr. Darci Ribeiro é um dos itens da mensagem reformista a ser enviada ao Congresso Nacional, nas próximas horas.
É importante salientar que o sr. Luís Carlos Prestes, sem interromper seus contatos com os círculos governamentais e perfeitamente enquadrado em suas manobras, elogiou, publicamente, a frente única de sustentação, sugerida por San Tiago Dantas, para atacá-la, pouco depois, através de “Novos Rumos”. Sem dúvida, esse registro demonstra estarem esgotados os rendimentos políticos da frente ampla, uma jogada a mais na intrincada tática continuísta.
# Brizola Volta a Pregar fim do Congresso #
O deputado Leonel Brizola reforçou sua tese de derrubada do Congresso, ao deixar o Rio, ontem, viajando para Porto Alegre, quando afirmou que “a Constituinte é a única saída democrática e pacífica para a crise atual”. O líder esquerdista repisava pontos de vista externados no comício do dia 13. Reafirmou o sr. Leonel Brizola, recordando que sua posição era consequência da frustração a que chegara ao cabo de dois anos de vida parlamentar:
Propus a realização de uma Constituinte, por que considero a única solução pacífica, e o tempo se incumbirá de provar se tenho ou não razão.
Resposta
O ex-governador do Rio Grande respondeu às críticas que lhe foram feitas relativamente ao seu pronunciamento do dia 13, afirmando que:
Qualquer brasileiro, no uso de seus direitos políticos, pode propor qualquer coisa, dentro da moral, e de processos violentos, quando for o caso. Até mesmo a restauração da monarquia.
Insistindo na resposta aos seus críticos, afirmou o sr. Leonel Brizola que:
O atual Congresso transformou-se numa espécie de oligarquia, uma corporação que representa exclusivamente o interesse das atuais classes dominantes.
E que:
Excluída, naturalmente, uma pequena minoria de representantes autênticos do nosso povo, que nada consegue diante das resistências desses grupos, nada resta de aproveitável, no atual parlamento para o interesse do povo e da Nação.
O sr. Brizola mostrou-se desinteressado em responder, nominalmente, aos seus críticos, por entender que eles reagiram às suas teses de renovação do Congresso, em virtude de terem sido atingidos nos seus “interesses antinacionais”, nominando-os de “anti-povo que desserve o povo, maquinando contra os seus interesses”.
Hiram Reis e Silva, Bagé, 17.02.2025, um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
– Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Link: Currículo do Canoeiro Hiram Reis e Silva
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);
- Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
- Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
- Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)
- E-mail: hiramrsilva@gmail.com
FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor
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