Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência

– Tribuna da Imprensa n° 4.299

Continuando engarupado na memória:

Tribuna da Imprensa n° 4.299, Rio, RJ
Sexta-feira, 13.03.1964
Comício Serve Como Senha à Agitação

Enquanto notícias procedentes de Pernambuco dão conta que agitadores comunistas estão em atividade, influenciando os camponeses a invadirem terras, logo após terem ciência da assinatura do decreto da SUPRA, prevista para hoje, durante o comício da Central, círculos oposicionistas dizem que a “concentração será a senha para a agitação”. Não só o interior de Pernambuco reflete um clima de tensão, como também em outros Estados brasileiros teme-se rebeliões, o que já levou o Conselho Nacional de Segurança a colocar em ação o seu dispositivo para verificar a extensão dessa situação. […]

# Em Primeira Mão #
(Hélio Fernandes)

O sr. João Goulart ficou irritadíssimo com o másculo documento das classes conservadoras repelindo o seu governo de agitações e de “reformas”. O presidente ficou furioso pelo fato de a Associação Comercial, representando o pensamento dos legítimos homens de empresa no Brasil, ter ficado a favor de reformas para valer e não de mera fábrica de agitação e de tumulto que são os decretos que o sr. Goulart deve assinar hoje. O documento das classes conservadoras foi entregue pessoalmente ao presidente por três dos mais notórios e conhecidos pelegos patronais: Iris Meinberg, Aroldo Cavalcante e Charles Moritz. Aliás, os três estavam presentes à reunião dos líderes das classes conservadoras, e quando o sr. Jorge Bhering afirmou que “também existem pelegos entre nós”, não tiveram coragem de esboçar um gesto, embora soubessem, todos sabiam, que a carapuça era dirigida exclusivamente aos três. Logo que recebeu o pronunciamento da Associação Comercial, o sr. Jango Goulart chamou o sr. Raul Ryffe e disse com o maior cinismo:

Vamos assustar esses poltrões. Chame o Jurema e mande ele divulgar que vai intervir na Associação Comercial e processar os seus diretores pela Lei de Segurança. 

Jurema, que é o “bobo da corte” e está no Governo para isso mesmo, tratou de cumprir as ordens presidenciais. E imediatamente espalhou que estava “reunido com juristas estudando a fórmula de fechar a Associação”. Mesmo um “ministro” como Jurema sabe que a Associação não é um ajuntamento de moleques ou vagamundos, e que não pode ser fechada por causa de um pronunciamento. Mas como o objetivo era causar agitação e amedrontar alguns, a “notícia” foi espalhada. Mas não causou o menor impacto, principalmente por causa da fonte.

Menos de 24 horas depois, apavorado com a repercussão negativa da apregoada intervenção, o sr. João Goulart mandava apressadamente que o “Repórter Esso” desmentisse o fato, em todas as suas edições. O sr. Rui Gomes de Almeida, ontem, não fez outra coisa senão receber solidariedade de todos os pontos do País, através de telegramas, telefonemas, etc. E gente que nunca aparece na Associação, apareceu ontem para cumprimentar o sr. Rui Gomes de Almeida. Rigorosamente verdadeiro: o sr. José Aparecido não pediu demissão coisa nenhuma. Foi demitido porque o sr. Magalhães Pinto não pôde mais aguentar o ônus da sua manutenção. O que entornou o caldo foi o seguinte: em virtude da desbragada proteção que o sr. Aparecido estava dando aos comunistas, a FAREM [Federação das Associações Rurais de Minas] recomendou a todos os seus associados do interior que retirassem os seus depósitos do Banco Nacional de Minas Gerais, em sinal de protesto pela atitude do sr. José Aparecido.

Os resultados foram tão danosos para o banco em Minas, que em alguns lugares quase chegou a haver corrida. O próprio diretor do Banco, filho do sr. Magalhães Pinto, foi ao Governador pedir que tomasse providências para resolver o problema criado. E o sr. José Aparecido foi sumariamente demitido, criando-se imediatamente um ambiente de bem estar geral. Essa é que é a verdade sobre a súbita saída do sr. Aparecido da Secretaria do Governo. Às vésperas do “grande comício das reformas” organizado e patrocinado pelos comunistas e apoiado pelo sr. João Goulart, verifica-se o desmoronamento das esquerdas brasileiras, divididas em setores que divergem fundamentalmente sobre os rumos que devem tomar em relação ao problema sucessório. O sr. João Goulart vetou, praticamente, a presença do sr. Leonel Brizola no comício subversivo, pois condicionou-a a que o deputado gaúcho se mantenha calado ou, se quiser falar, que o faça por escrito, submetendo o texto preliminarmente à apreciação do Presidente da República. Brizola, evidentemente, reagiu à sua maneira ao veto presidencial e disse aos seus amigos e partidários da esquerda radical que “não se submete aos caprichos do cunhado”. E acrescentou:

Sou bem capaz de aparecer nesse comício e falar mesmo sem autorização. Quero ver quem é que vai me proibir. 

Quanto ao sr. Miguel Arrais, outro esquerdista que disputa com Jango Goulart as preferências populares na área nacionalista, até à madrugada de ontem ainda não havia decidido se comparece ou não ao comício desta tarde. Arrais quer igualmente falar de improviso e também não aceita sequer as ponderações do “dono” do comício. Deu-se, assim, o impasse que os conciliadores não conseguiram eliminar até à hora em que entregávamos esta coluna. Sabe-se agora que o sr. João Goulart tentou afastar Brizola e Arrais do palanque oficial do comício por instruções do general Jair Dantas Ribeiro. Temendo maiores reações por parte do povo, o ministro da Guerra decidiu que o comício, que será garantido totalmente pelo Exército, com a colaboração da Marinha e Aeronáutica, deve ser pacífico, e para tanto é indispensável que o sr. Brizola e os mais radicais da liderança esquerdista não estejam presentes no palanque.

Enquanto isso, há informações seguras de que mais de mil pessoas anticomunistas pretendem comparecer em massa ao comício da Central do Brasil, a fim de protestar com veemência contra a subversão e a comunização do País. Não pretendem fazer atos de provocação, nem mesmo vaiar o presidente da República.

Mas querem protestar em praça pública, afinal, um direito que assiste a qualquer cidadão brasileiro. Direito igual ao que tem o sr. João Goulart de falar ao povo em local proibido pelo seu próprio “inventor” e guia espiritual. As oposições interpretam o tom espetacular que o sr. João Goulart quer dar ao comício desta tarde, que tem merecido uma intensa propaganda no rádio e televisão há vários dias, como uma manobra de mobilização das massas, pressão sobre o Congresso e os partidos políticos, visando principalmente a uma futura tomada de posição efetiva contra o regime. O tema da reeleição do presidente deverá ser colocado durante o comício, embora os promotores dessa ideia tenham sido desautorizadas pelo sr. Goulart. O presidente acha que um assunto explosivo como esse não pode ser colocado assim sem mais nem menos.

Estão convencidos os dirigentes da Oposição que o presidente João Goulart vai partir para uma nova e espetacular ofensiva, não pela obtenção das reformas de base, mas para pressionar o Congresso e a opinião pública a fim de obter, isto sim, a reforma política da Constituição. A um dos seus mais credenciados conselheiros políticos, o presidente confessou, há dias, que “impedirá de qualquer maneira” a eleição do sr. Carlos Lacerda e lutará, o quanto puder, para derrotá-lo. Mas acha que essa derrota só pode ser imposta por ele, Jango, pessoalmente.

O senhor Jânio Quadros entendeu-se, há dias, por telefone, com o presidente João Goulart. Conversaram durante vinte minutos sobre o problema da sucessão presidencial. A certa altura da conversa o ex-presidente da República sentiu que o sr. Goulart encaminhava ou procurava encaminhar uma solução extra constitucional para a sucessão presidencial. Disse das imensas dificuldades em conduzir pacificamente o processo eleitoral, com o agravamento da crise econômicofinanceira, a inflação desenfreada e a radicalização política provocada pelas candidaturas em choque. Jânio, habilmente, calou-se. E combinaram nova conversa para depois do comício de hoje. Líderes ruralistas de Governador Valadares informaram ao Governador Magalhães Pinto, oficialmente, que não estão dispostos a permitir que o sr. Leonel Brizola faça o seu prometido, e duas vezes adiado, comício subversivo naquela cidade mineira.

E dificilmente o deputado gaúcho sairá incólume se pisar em Governador Valadares. Nem a polícia poderá conter a fúria popular. 

Magalhães entendeu-se imediatamente com os assessores imediatos de Brizola, pedindo-lhes que intercedam junto ao agitador esquerdista para que cancele definitivamente sua visita a Governador Valadares. Há, porém, um grupo esquerdista mais audacioso que quer forçar, de qualquer maneira a ida de Brizola àquela cidade. Brizola ainda não se decidiu, mas é quase certo que, depois da experiência de Belo Horizonte, e das ameaças da população de Valadares, não apareça por lá. Pois sua coragem se limita às chamadas ondas hertzianas ([1]). O governo do sr. João Goulart anda anunciando planos de obras rodoviárias sabendo que não irá executá-las. Como podem ser construídas novas estradas quando os pagamentos da Rio-Bahia, já há muito inaugurada, não foram até agora efetuados? A falta de pagamento impossibilitará os empreiteiros da execução de novos empreendimentos. Construir sem pagar é um programa rodoviário “sui generis”, e muito ao tipo deste governo de promessas.

Hiram Reis e Silva, Bagé, 12.02.2025, um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.  

– Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;   

Link: Currículo do Canoeiro Hiram Reis e Silva 

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com

FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor

[1]        Ondas hertzianas: também conhecidas como ondas de rádio. (Hiram Reis)

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