Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência
Continuando engarupado na memória:
Tribuna da Imprensa n° 4.253, Rio, RJ
Sábado e Domingo, 18 e 19.01.1964
Lacerda: Intervenção Iminente da Guanabara
O Governador Carlos Lacerda enviou comunicado ao Governador Ademar de Barros, através do secretário Gustavo Borges, denunciando a existência de um plano de intervenção na Guanabara, com ramificações para o Estado de São Paulo, numa reprodução adaptada do golpe comunista na Tchecoslováquia. Afirmando que “fazia essa comunicação antes que se interrompessem as comunicações telegráficas”, o Governador carioca solicitou ao Sr. Ademar de Barros que informasse ao povo paulista da disposição do Governo da Guanabara em resistir, com todos os meios a seu alcance, a qualquer tentativa do deposição pela força.
Íntegra
Cumprimentando Vossa Excelência, venho comunicar-lhe que a situação na Guanabara, criada pelos comunistas, como primeira fase da guerra revolucionária se agrava de momento para momento. Acabam de entrar em greve os funcionários do Arsenal e Ministério da Marinha, também a estação central dos Correios e Telégrafo.
Prossegue o Sr. Carlos Lacerda:
Tudo indica estar em andamento o plano de intervenção de fato na Guanabara para estender-se ao Estado de São Paulo, numa reprodução adaptada do golpe comunista na Tchecoslováquia. Fazendo essa comunicação antes que se interrompam as comunicações telegráficas, solicito de Vossa Excelência comunicar ao povo de São Paulo que o Governo da Guanabara resistirá a qualquer tentativa de deposição pela forca, com todos os meios a seu alcance que são poucos, mas espero sejam suficientes para dar tempo a uma resistência generalizada em todo o País. Desgraçadamente, confirmaram-se as previsões de Vossa Excelência e as nossas graves apreensões.
O General Aldévio Barbosa de Lemos, Secretário de Segurança de São Paulo, levou o fato ao conhecimento do Governador Ademar de Barros que determinou que fossem tomadas as providencias necessárias.
Militares de Esquerda dão Apoio a Regime
Os coronéis comunistas, Donato Ferreira e Alan Kardec enviaram relatório confidencial ao Conselho se Segurança Nacional comunicando que os setores esquerdistas das Forças Armadas não apoiam qualquer golpe contra o regime. Os dois oficiais alertaram, também ao general Assis Brasil para o fato de que os setores da esquerda radical que tomaram parte ativa no movimento em prol da posse do presidente João Goulart, poderão lutar pela sua deposição, caso instaure um regime ditatorial no País.
Confusão
Cumprindo ordens do general Assis Brasil, no sentido de observar todos os movimentos dos grevistas, os agentes do Conselho de Segurança Nacional, passaram ontem um dia agitado. Suas apreensões aumentaram quando souberam que representantes do Comando Geral dos Sargentos haviam participado de uma reunião com os dirigentes do CGT acertando sua atuação face à repressão policial contra os trabalhadores.
Críticas
O ministro Sílvio Mota começou a queixar-se do atual procedimento do almirante Cândido Aragão que sem se preocupar com a formação de seu Estado-Maior, anda propalando que será líder da revolução. Segundo o comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, ela virá quando menos se esperar. Nomeando para chefe de Estado-Maior do Corpo de Fuzileiros o comandante Dóris Greenhalgh inimigo pessoal do almirante Candido Aragão, o ministro da Marinha começa a seguir conselhos de seus amigos no sentido de manter vigilância sobre o comandante do CFN.
Reunião
No Estado-Maior do Exército comentava-se ontem, que o Marechal Odylio Denys havia telefonado ao Gen Castello Branco sugerindo uma reunião do EME para debater os últimos acontecimentos político-sindicais. Segundo os altos círculos militares, essa situação levará o País ao caos, e, posteriormente, a implantação de uma ditadura. Por volta das 18h00, o Gen Mourão Filho deixava o Ministério da Guerra com seus amigos anunciando uma possível visita à residência do ex-ministro da Guerra do sr. Jânio Quadros.
Tribuna da Imprensa n° 4.254, Rio, RJ
Sábado-Domingo, 18 e 19.01.1964
Em Primeira Mão
(Hélio Fernandes)
Uma das conversas mais difíceis dos últimos tempos realizou-se no Palácio Rio Negro, em Petrópolis. Protagonistas João Belchior Marques Goulart, presidente da República, e Miguel Arrais de Alencar, governador de Pernambuco. Este veio ao Rio a convite do presidente, no momento em que o sr. Goulart se preparava para mais uma das suas habituais jogadas políticas, com o objetivo de chegar ao poder absoluto. E precisava da palavra, ou pelo menos do silêncio, do governador de Pernambuco.
A conversa Arrais-Jango interrompeu-se por várias vezes, devido principalmente ao temperamento de ambos. São políticos tipicamente “mineiros”, desconfiados, prudentes, capazes de passar várias horas numa “conversa” sem se comprometerem com coisa alguma. E foi exatamente o que aconteceu. Arrais esperava “arrancar” de Jango uma declaração, se não pública, ao menos confidencial, em favor de sua candidatura à Presidência da República pela chapa das esquerdas; Jango esperava “arrancar” de Arrais uma declaração, se não pública ao menos confidencial, em favor de uma solução extralegal, para a sucessão presidencial, tendo em vista o crescimento da candidatura Lacerda. Arrais não se preocupa com o destino de Lacerda, da sua candidatura ou mesmo do regime. Mas não confiando em Jango, hesita em apoiar uma ditadura chefiada por ele.
Na verdade ambos saíram contrafeitos da reunião. Nos momentos em que Jango esperava a palavra salvadora de Arrais, o governador pernambucano calava. Não dizia uma só palavra de apoio ao golpe pretendido pelo presidente, pois a verdade é que, estando em cogitações para disputar eleições presidenciais, Miguel Arrais não tem interesse em comprometer-se com o golpe de Jango Goulart. Para quê? Para ser engolido mais adiante pelo parceiro? Nos momentos em que o governador aguardava uma palavra decisiva de Jango a favor de sua aspiração à Presidência da República, Jango calava. Não admitia a hipótese de apoiar, desde já, uma candidatara que ele mesmo, Jango, considera inviável do ponto de vista eleitoral. Nem lhe interessava, politicamente, embarcar nessa aventura da extrema-esquerda. Candidato por candidato, Jango prefere Brizola, que é, apesar de tudo, da família. Mas por enquanto suas preocupações não são eleitorais, e candidaturas não estão nas mas cogitações.
A longa conversa se desenvolveu nesse sentido. Palavras ocas, nada de definições. Jango e Arrais evitando habilmente se comprometer com qualquer esquema, seja o eleitoral, seja o golpista. No fim da reunião, Miguel Arrais revelou ao presidente da República que o Nordeste inteiro marchará com as forças populares, com os candidatos que mais se identifiquem com as reivindicações dos setores esquerdistas e nacionalistas do País. Deixou bem clara sua intenção de candidatar-se à Presidência da República, desde, é claro, que o sr. João Goulart abra o caminho áspero que tal candidato deve percorrer. Em suma: desde que o sr. Goulart apoie publicamente a candidatura da esquerda à Presidência da República, Arrais pretende ser esse candidato. Mas Jango não disse uma só palavra que pudesse encorajar o governador de Pernambuco.
Essa longa conversa entre Jango e Arrais aconteceu exatamente às vésperas da crise que foi provocada pelas greves do gás e da telefônica no Estado da Guanabara. Dizem que a conversa era uma preparação para a crise, ou vice-versa. Jango preocupava-se com a questão e teve de abandonar a reunião por mais de uma vez, a fim de cuidar dos problemas imediatos: a solução da greve que já se encaminhava para uma situação insustentável. O difícil para Jango é que ele tem que fazer tudo sozinho Organizar a greve, e paralisá-la quando as coisas não caminham a contento. Tem que ser ao mesmo tempo armador e artilheiro. E pouca gente tem resistido a isso.
A uma ligeira sugestão de Jango reabre a “tomada do poder” pelas esquerdas, comandadas por ele mesmo, Jango, o sr. Miguel Arrais reagiu violentamente, afirmando de forma categórica que “de modo algum concordará com qualquer solução extralegal para o problema brasileiro”, pois confia plenamente nas Forças Armadas e no espírito democrático brasileiro. Foi duro, incisivo e violento. Até Jango se espantou com o tom de Arrais, nesse momento. Jango redarguiu, afirmando que a coisa se encaminha facilmente para uma solução de força, pois ele, presidente, já não tem o controle absoluto dos sindicatos e de suas cúpulas, limitando o seu comando a sugestões aos líderes sindicais, aos quais “apela para que não façam baderna”. Arrais retrucou, afirmando que o presidente ainda detêm o controle total dos sindicatos e que poderá mobilizá-los em torno das reformas de base e de um candidato viável, e de real prestígio, que poderá disputar em igualdade de condições com Lacerda a Presidência da República. Evidentemente pensava no seu próprio nome. Mas Jango se fez de desentendido, mudou de assunto.
Total de horas da conversa Jango-Arrais: 9 horas e 45 minutos, interrompidas pela greve do gás e telefônica e por chamados telefônicos chegados ao Palácio Rio Negro. O que foi resolvido: nada. Jango e Arrais não chegaram a nenhuma conclusão, uma vez que o presidente pensa no golpe e o sr. Arrais, elegível, imagina poder chegar à presidência da República, “tranquilamente, com o apoio total do governo e das forças de esquerda”. Depois dessas 9 horas e 45 minutos, Arrais deve pelo menos ter recolhido duas observações indiscutíveis:
1ª Jango não pensa ainda, de forma alguma, em candidaturas. Primeiro esgotará todas as possibilidades de golpe; depois tentará tudo para obter uma possibilidade de reeleição. Só então, frustradas essas duas esperanças, é que “evoluirá”, premido pelos acontecimentos, para o exame de nomes viáveis e possíveis para sucedê-lo.
2ª Nessa oportunidade, entre os homens em condições de receber o apoio de Jango, uma longa lista, Arrais figurará em último lugar. Haja o que houver, sejam quais forem os candidatos adversários, Jango não apoiará Arrais para sucedê-lo. E isso é multo fácil de explicar. Deixando o poder com 45 anos de idade, e tendo uma base popular que pretende manter intacta e intocada, o sr. João Goulart tem esperanças de que a sua carreira dure tanto quanto a sua vida. Pois não tem, nem remotamente, o desejo de se retirar da vida pública, onde, apesar de todo seu primarismo, tem-se dado magnificamente.
Nessas condições, o último nome que lhe serviria como candidato ou como presidente seria o sr. Miguel Arrais. Moço também, voluntarioso, de personalidade, hábil na conversa e não totalmente desprovido de recursos e gosto administrativo, Arrais em dois tempos liquidaria a liderança de massas do sr. João Goulart. Esgotadas as possibilidades de permanecer no poder, Jango gostaria de passar o poder a um homem que não lhe fizesse sombra, que não tivesse vocação política, que, fosse apenas administrador, ou até mesmo nem isso. Jango sonha dia e noite, quando se desencanta do golpe, em descobrir, ou inventar, um homem como Dutra. Feliz foi Getúlio que, derrubado de uma longa ditadura, pôde passar o poder a um homem como o Marechal Dutra, com as suas qualidades e com os seus defeitos, que, somados, davam um resultado matemático: a volta de Getúlio ao poder na primeira eleição que se realizasse no País. E foi o que aconteceu.
Hiram Reis e Silva, Bagé, 10.01.2025, um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
– Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Link: Currículo do Canoeiro Hiram Reis e Silva
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);
- Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
- Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
- Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)
- E-mail: [email protected]
FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor
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