Funai divulga imagens de indígenas isolados e reafirma necessidade de proteção territorial contra ameaças nas TIs Massaco e Kawahiva do Rio Pardo
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) capturou imagens inéditas de povos isolados na Terra Indígena (TI) Massaco, em Rondônia. As imagens foram feitas durante expedições de monitoramento no início de 2024. A divulgação das imagens busca reafirmar a presença indígena nos territórios e reforçar a necessidade de proteção territorial contra ameaças à sua sobrevivência. As atividades de monitoramento também confirmaram a presença de isolados na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso, em julho, por meio de diversos vestígios.
O trabalho foi executado pela Diretoria de Proteção Territorial (DPT) da Funai, por meio das Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental (CFPEs) Madeirinha-Juruena e Guaporé. As Frentes de Proteção Etnoambiental são unidades descentralizadas da Funai especializadas na proteção de indígenas isolados e de recente contato distribuídas especialmente pela Amazônia Legal, onde predominam esses povos.
O monitoramento é feito a partir de expedições, sobrevoos e de presença permanente, em parceria com outros órgãos ambientais e de segurança pública, por via terrestre e aérea, por meio das Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes). As Bapes são estruturas físicas permanentes, localizadas em pontos estratégicos do territórios, visando a proteção ambiental, física e social dos povos indígenas isolados e de recente contato, nas quais as equipes volantes da Funai se revezam tanto para ações de monitoramento quanto para o atendimento das comunidades indígenas.
Atualmente, são 11 FPEs que atuam sob orientação da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), vinculada à DPT. É com a ação executada pelas Frentes de Proteção Etnoambiental que a Funai atua para garantir a autodeterminação e autonomia dos povos isolados sem a necessidade de promover contato e sem nenhuma interferência nos seus modos de vida.
A CFPE Madeirinha-Juruena executa a proteção e o monitoramento dos povos indígenas isolados na TI Kawahiva do Rio Pardo, em Mato Grosso; e a CFPE Guaporé, a TI Massaco, em Rondônia.
Terra Indígena Massaco
A Terra Indígena Massaco se encontra demarcada e regularizada pelo Decreto de 11 de dezembro de 1998, com área de 421.895 hectares, localizada nos municípios de Alta Floresta do Oeste 3 e São Francisco do Guaporé, no estado de Rondônia. A ocupação deste território é exclusiva de povo indígena isolado de etnia ainda desconhecida. Aproximadamente 97,5% da área da TI Massaco estão sobrepostas a Reserva Biológica do Guaporé (REBIO Guaporé).
A CFPE Guaporé realiza permanentemente atividades de proteção do território, monitorando acessos à terra indígena para prevenir práticas ilícitas, como extração de madeira e invasões. Também são realizadas ações de conscientização da população vizinha e manutenção das instalações da Base de Proteção Etnoambiental Massaco.
Dentre as atividades de vigilância e monitoramento, a equipe percorre os limites da Terra Indígena e inspeciona áreas vulneráveis, de forma a coibir e mapear invasões de terceiros no território indígena. Também realiza limpeza e restauração das placas de identificação ao longo dos limites para reforçar a proteção territorial.
Entre janeiro e abril de 2024, uma equipe da Base Massaco, formada por oito profissionais especializados na proteção de indígenas isolados e de recente contato, realizou expedições para registrar vestígios e atividades desses grupos. A equipe da Funai percorreu cerca de 65 km em cinco dias para mapear os vestígios deixados pelos isolados e planejar as próximas ações de monitoramento.
Com cerca de 30 anos de atuação com monitoramento de indígenas isolados, o sertanista da Funai Altair Algayer foi quem liderou a expedição. Ele é o coordenador da FPE Guaporé. Segundo ele, foi detectada a presença dos isolados em diversas ocasiões por meio de vestígios, como estrepes (armadilhas pontiagudas) colocados em trilhas e estradas nos limites da TI, além de abrigos temporários, pontos de coleta de mel e outros alimentos e atividades de caça.
Chamou a atenção da equipe a aproximação dos indígenas, cada vez mais frequente, nos extremos dos limites da Terra Indígena, o que os expõe ao contato direto e indireto com não indígenas. Pelo que os agentes observaram, essa aproximação, muitas vezes, é pela necessidade de expandirem sua área de ocupação em busca de recursos para sua sobrevivência que, aparentemente, tem apresentado crescimento demográfico.
E, também, para obterem ferramentas que costumam ser deixadas pela equipe da Funai para facilitar as atividades de caça e coleta de alimentos. “Outro alerta visto com preocupação é a mudança climática, que altera significativamente o ciclo dos recursos naturais, dos quais este povo depende para sobreviver. Garantir a proteção integral dos recursos naturais deste território é fundamental para a sobrevivência deste povo”, destacou Altair Algayer.
Em fevereiro, uma câmera instalada em uma das trilhas capturou imagens de um grupo de nove indígenas, todos do sexo masculino, com idades estimadas entre 20 e 40 anos. Apesar das condições climáticas que comprometeram a nitidez das imagens, o registro foi fundamental para documentar as características físicas, comportamento, postura, dentre outros aspectos.
A captura das imagens foi feita no momento em que os isolados retiravam ferramentas (facões e machados) deixadas pela equipe da Funai em janeiro de 2021. O que também chamou a atenção dos servidores é que o equipamento fotográfico estava visível e, mesmo assim, ficou intacto, significando que os indígenas não se aproximaram dele nem por curiosidade. O que não foi surpresa foram as armadilhas pontiagudas deixadas pelos isolados nas imediações antes de deixarem o local.
“Nota-se que foi uma aproximação planejada e organizada, com um grupo de pessoas, somente homens, a maioria jovens, preparados com inúmeros estrepes confeccionados que foram colocados nos locais de presença do não indígena e na própria trilha por onde chegaram e retornaram, caso alguém os seguisse”, detalhou o sertanista da FPE Guaporé. Segundo contou Altair, após colocarem as armadilhas, o grupo retornou imediatamente percorrendo uma boa distância no dia. Em seguida, os indígenas deixaram a área e seguiram para o interior da reserva.
O monitoramento do povo isolado da TI Massaco é feito pela Funai há mais de 35 anos. As expedições ocorrem anualmente, as quais resultaram em um levantamento minucioso de diversas informações sobre esta população, por meio da leitura dos vestígios que os isolados deixam.
De acordo com o coordenador da FPE Guaporé, essas informações não só confirmam a presença dos isolados, como também trazem dados da forma como vivem e se desenvolvem, como priorizam seus movimentos – considerando os ciclos climáticos e entre os diferentes biomas da vegetação –, a forma de manejo na ocupação do território, a prática do nomadismo e sua aptidão pela caça e coleta, aspectos da cultura material, dados demográficos, estilo arquitetônico das suas habitações, seus hábitos alimentares, entre outros.
Esses dados coletados reafirmam a necessidade de proteger os isolados e o território onde vivem, reforçando a vigilância contra possíveis invasões e a importância de ações que garantam a sua integridade cultural e física, sempre respeitando a política de não contato.
Com a experiência de quem monitorou por cerca de 20 anos o isolado que ficou conhecido como “índio do buraco” na Terra Indígena Tanaru, Altair Algayer ressalta que é fundamental para o êxito de uma atividade de monitoramento, como essa expedição na TI Massaco, ter uma equipe que disponha de conhecimento sobre o ambiente da floresta e dos seres que a habitam; pessoas com aptidão e de boa condição física para lidar com as dificuldades impostas pelo ambiente da natureza, pois em muitos momentos a atividade é árdua e exaustiva, com limitações de alimentação e até racionamento de água; e pessoas com noções de orientação e capacidade de se movimentar em meio a floresta sem auxílio de um equipamento, utilizando-se do conhecimento da hidrografia e do sol.
“Uma equipe que tenha conhecimento mínimo e básico sobre o comportamento e dos hábitos do povo isolado, que vão auxiliar na leitura dos vestígios deixados, facilitando a identificação e interpretação dos significados, artefatos, habitações e demais sinais deixados pelos isolados. Uma leitura com boa interpretação leva a equipe a tomar a decisão mais coerente durante a atividade, principalmente, no momento certo de recuar e não continuar e/ou quando se deve avançar, sempre pautado pela premissa de não surpreender e evitar que sua presença represente uma ameaça aos indígenas isolados”, orienta o experiente sertanista.
Ele complementa que se deve evitar o contato visual ou direto com os isolados e que a equipe deve estar preparada com equipamentos mínimos e essenciais de orientação/registro de localização e registro de imagens dos vestígios.
Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo
Com uma área de 411.844 hectares, a Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo localiza-se no município de Colniza, no estado do Mato Grosso. Ela já teve os limites territoriais declarados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a partir dos estudos de identificação e delimitação feitos pela Funai. No momento, o processo de demarcação encontra-se judicializado. Enquanto isso, a autarquia indigenista prossegue com ações de vigilância e proteção dos povos isolados que lá vivem.
Como parte da metodologia da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato de proteção a esses povos, a CFPE Madeirinha-Juruena realiza periodicamente expedições de monitoramento de forma a acompanhar e compreender a situação do povo indígena isolado ao longo do tempo. Uma dessas expedições ocorreu em julho de 2024 com o objetivo de garantir a segurança do grupo, coletar informações sobre seu modo de vida e reforçar a proteção territorial.
De acordo com o coordenador da FPE Madeirinha-Juruena, Jair Candor, a última expedição ocorreu em 2022. O sertanista da Funai atua no monitoramento de indígenas isolados há 36 anos. “Em 2023, optamos por deixá-los ainda mais à vontade”, afirma o coordenador, referindo-se à política de não contato adotada pelo Estado brasileiro com povos que optam pelo isolamento voluntário.
Segundo Jair Candor, as atividades incluíram o monitoramento das áreas de ocupação dos indígenas isolados, a fim de verificar as boas condições do grupo, mas sem se aproximar demais ou forçar o contato, respeitando a sua autonomia. “A intenção é recolher informações para elaborar e executar políticas públicas de proteção mais qualificadas para essa população”, explica o sertanista que foi acompanhado por mais cinco agentes da Frente de Proteção Etnoambiental na expedição de julho de 2024.
Com oito dias de atividades, a equipe confirmou a ocupação dos isolados na região e os deslocamentos que realizaram. “Também encontramos sinais de invasão e uma pressão muito forte no entorno do território, evidenciando que a demarcação física da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo é mais do que uma urgência”, evidenciou o coordenador da FPE Madeirinha-Juruena sobre a próxima etapa do processo de demarcação da TI e a preocupação com o desmatamento e queimada registrados na divisa com o território indígena.
Essa constatação se deu logo nos dois primeiros dias de expedição, momento em que os agentes localizaram um ponto de acampamento não indígena – possivelmente de garimpeiros ou copaibeiros – para duas pessoas. Segundo os agentes da Funai, o acampamento foi encontrado em uma área onde a equipe havia registrado forte ocupação de isolados em expedições anteriores, reforçando a suspeita de que os indígenas se mudaram para outra área da TI.
Durante a missão, foram encontrados sinais claros de presença indígena, como pegadas, vestígios de coleta de mel e utensílios. A equipe também confirmou a presença de crianças e que o grupo indígena segue em boas condições, com evidências de reprodução e formação de novos núcleos familiares, indicando crescimento demográfico. Também houve registro de tapiris (cabanas) abandonados e a movimentação dos indígenas para áreas mais isoladas do território.
Os agentes da Funai permaneceram em silêncio por alguns minutos até que se retiraram para o acampamento sem serem percebidos. No dia seguinte, ao inspecionarem o local onde ouviram os isolados conversando, os servidores avistaram uma árvore caída no chão e deduziram que as batidas ouvidas no dia anterior se tratavam da retirada de mel daquele tronco.
Mais adiante, enquanto seguiam explorando a área, encontraram pegadas no igarapé, incluindo de crianças. A suspeita é que seja de um bebê que a equipe ouviu chorando durante a expedição anterior realizada em 2022. Em seguida, também encontraram uma cumbuca produzida a partir da capemba (folha) da paxiúba, abandonada às margens do igarapé.
Antes de encerrar a expedição, os agentes da Funai deixaram ferramentas, como machados e facões, em pontos estratégicos e instalaram câmeras com sensores de movimento para monitorar os indígenas sem interferir em sua rotina. Segundo o coordenador da FPE Madeirinha-Juruena, como os isolados que vivem na TI estão em uma área de muita pressão grileira e madeireira, eles já tiveram contato com esse tipo de ferramenta no passado, o que facilita nas suas atividades cotidianas.
Nesse sentido, conforme explicou, com o desgaste das ferramentas que possuem, há o risco de que eles tentem buscar outros utensílios nas fazendas do entorno, como já aconteceu em outros lugares. Essa tentativa, no entanto, os coloca em grave risco, seja por violência em possível contato com os “brancos” ou pelo contágio de doenças. “Sendo assim, colocamos essas ferramentas, de anos em anos, no interior da floresta, a fim de evitar que eles as procurem nas fazendas. Ou seja, é uma atitude preventiva, justamente para evitar um contato indesejado”, afirma Jair Candor.
As câmeras, por outro lado, segundo o coordenador, podem ajudar a recolher informações mais qualificadas sobre o grupo, o que auxilia no monitoramento e na elaboração de políticas públicas de proteção mais adequadas, com o mínimo de invasividade possível, sem fazer o contato ou se aproximar demais.
O experiente sertanista da Funai enfatiza que, apesar de complexo, esse trabalho é necessário para coletar informações a fim de qualificar o monitoramento e garantir a segurança dos indígenas isolados. “A divulgação desse trabalho se constitui como importante ferramenta de fortalecimento da política pública de proteção aos indígenas isolados, para que cada vez mais a sociedade se aproprie da importância de garantir os direitos dessas populações”, destaca Jair Candor.
O coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena destaca ainda que a experiência e a competência dos integrantes da equipe, formada por profissionais qualificados e comprometidos com a proteção dessa população, foram cruciais para o êxito da expedição. “A nossa unidade de ação, conjugada com a sensibilidade de saber quando avançar e recuar, a fim de não pressionar os indígenas, possibilitou que pudéssemos recolher informações importantes com segurança para a nossa equipe e para os isolados”, enfatizou.
Conheça a atuação da Funai na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato
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