A pesquisa abrangeu toda a Bacia Amazônica, que é a maior bacia hidrográfica do planeta, com aproximadamente 7,4 milhões de quilômetros quadrados (km²). “A seca meteorológica é caracterizada pela redução de precipitação em uma região durante um período específico”, declara ao Jornal da USP o professor Bruno Conicelli, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, que integra o grupo de autores do artigo. “É uma resposta direta às variações climáticas e tem impactos imediatos no ciclo hidrológico superficial”.
“Já a seca hidrológica refere-se à redução da disponibilidade de água em corpos hídricos, como rios, lagos e aquíferos”, explica o professor. “Diferentemente da seca meteorológica, ela possui um efeito prolongado, pois depende do tempo necessário para que o solo e os aquíferos reajam às variações de precipitação”
Águas subterrâneas e El Niño
O trabalho teve como objetivo principal compreender como as secas meteorológicas e hidrológicas afetam os incêndios florestais na Amazônia, com destaque para o papel das águas subterrâneas e a influência dos eventos de El Niño. “Além disso, buscou avaliar a distribuição temporal da seca hidrológica em diferentes níveis de profundidade do solo, analisar a relação entre os indicadores de seca meteorológica e hidrológica e investigar o impacto dos eventos de El Niño no agravamento das condições de seca e no aumento da área afetada por incêndios florestais entre 2004 e 2016”, descreve Conicelli.
Os principais conjuntos de dados empregados na análise incluem indicadores de seca hidrológica (DI), obtidos do satélite GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment), e o Índice de Precipitação Padronizado (SPI), calculado a partir dos dados do satélite Tropical Rainfall Measuring Mission (TRMM). Dados sobre a fração mensal de área queimada foram fornecidos pelo Global Fire Emissions Database (GFED4), permitindo identificar padrões temporais e espaciais nos incêndios. A intensidade dos Eventos de El Niño (ENSO) foi avaliada usando o Oceanic Niño Index (ONI), que categoriza os episódios em fraco, moderado, forte e muito forte, a partir dos dados obtidos do Golden Gate Weather Service. O professor relata que todos os dados foram processados e analisados usando técnicas estatísticas e ferramentas computacionais avançadas, garantindo a confiabilidade dos resultados.
“Os indicadores de seca hidrológica (DI), derivados do GRACE, permitiram avaliar como as reservas de água subterrânea foram afetadas ao longo do tempo. No entanto, embora tenha considerado a bacia como um todo, os resultados destacaram padrões regionais específicos”, salienta Conicelli. “No nordeste da Amazônia, por exemplo, observou-se uma menor concentração de umidade em todas as camadas do solo analisadas, tornando essa região mais vulnerável a incêndios florestais. Por outro lado, no sul da bacia, houve uma tendência de redução da umidade em níveis mais profundos, como os aquíferos, indicando uma resposta mais lenta da água subterrânea às mudanças na precipitação. Esses padrões ressaltam a heterogeneidade ambiental da Amazônia e a necessidade de estratégias localizadas de manejo e conservação”.
Segundo a pesquisa, os eventos de El Niño tiveram um impacto significativo na intensificação das condições de seca e no aumento dos incêndios florestais na Amazônia. “Durante períodos de El Niño muito intensos, como o de 2015 e 2016, a área queimada aumentou em até 244% em relação à média anual. Esse fenômeno climático reduz a precipitação na bacia amazônica ao alterar os padrões de circulação atmosférica, o que prolonga os períodos de seca. Como consequência, a vegetação se torna mais seca e suscetível ao fogo”, destaca o professor. “As águas subterrâneas desempenham um papel crítico nesse contexto. Por serem reservas de água que respondem mais lentamente às mudanças na precipitação, elas sustentam a umidade do solo durante períodos de seca meteorológica. No entanto, quando os níveis de água subterrânea caem devido a secas prolongadas, a recuperação é lenta, aumentando a vulnerabilidade da região a períodos prolongados de aridez e, consequentemente, aos incêndios”.
Gestão sustentável
De acordo com o professor do IGc, pesquisa revelou que ambas as formas de seca atuam de maneira sinérgica para aumentar significativamente a extensão e a gravidade dos incêndios na Amazônia. “A seca meteorológica, com sua rápida manifestação, pode desencadear condições favoráveis para o fogo”, aponta, “enquanto a seca hidrológica, ao reduzir a umidade do solo e da vegetação, cria um ambiente altamente inflamável”.
“É essencial implementar sistemas de alerta precoce baseados no monitoramento contínuo de águas subterrâneas, índices climáticos e indicadores de seca hidrológica e meteorológica”, recomenda Conicelli. “Ferramentas tecnológicas, como os satélites GRACE e TRMM, desempenham um papel crucial ao fornecer dados em tempo real, permitindo a previsão de eventos críticos, como secas prolongadas e aumento do risco de incêndios”.
“Além disso, a gestão sustentável da terra deve ser priorizada, com medidas para reduzir o desmatamento e promover práticas agrícolas que conservem o solo e a vegetação nativa”, sugere o professor. “Outro ponto relevante é a necessidade de investir em educação ambiental para sensibilizar as comunidades locais sobre os impactos das mudanças climáticas e engajá-las em práticas de conservação”.
O trabalho foi realizado por uma equipe interdisciplinar de pesquisadores, incluindo Naomi Toledo, Gabriel Moulatlet, Gabriel Gaona, Bryan Valencia, Ricardo Hirata e Bruno Conicelli, que assinam o artigo. As instituições participantes foram a Universidad Regional Amazónica Ikiam (Equador), a University of Arizona (EUA) e o Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (CEPAS-USP), do IGc (Brasil).
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