Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência
Continuando engarupado na memória:
Jornal do Brasil n° 231, Rio de Janeiro, RJ
Quinta-feira, 03.10.1963
Lacerda Reafirma, em S. Paulo,
Entrevista à Jornal dos EUA
Em algum ponto do Estado de São Paulo, o Governador Carlos Lacerda reafirmou anteontem os termos de sua entrevista ao jornal norte-americano “Los Angeles Times”, porque considera necessário:
Não mais silenciar diante do perigo de se confundir lá fora o crédito que o Brasil merece com os créditos que os comunistas do governo brasileiro querem receber.
O pronunciamento do Sr. Carlos Lacerda foi feito em entrevista que concedeu ao Diretor do jornal “O Estado de São Paulo”, Sr. Júlio de Mesquita Filho, que a conselho de seu assistente e filho, Sr. Rui Mesquita, comunicou o texto ao “Jornal do Brasil” e a “O Globo” para que os três jornais o publicassem ao mesmo tempo. Informou também o Sr. Júlio de Mesquita Filho que o Governador da Guanabara não se encontrou com o Sr. Ademar de Barros durante a sua permanência, terça-feira, em São Paulo.
Despacho Normal
Enquanto o Governador Ademar de Barros declarava, em São Paulo, que desconhecia absolutamente a presença do Sr. Carlos Lacerda em seu Estado e que não havia marcado com ele nenhum encontro, a Assessoria de Imprensa do Palácio Guanabara informava à noite que o Governador Carlos Lacerda encontrava-se em sua residência em Petrópolis, onde despachou normalmente todo o dia com o secretário Rafael de Almeida Magalhães. Ao fim da noite de ontem, informou-se também que o Sr. Carlos Lacerda chegaria ao Rio esta manhã.
Entrevista
É este, na íntegra, o texto da entrevista do Sr. Carlos Lacerda:
Com surpresa, mas com indignação recebi a agressão da nota assinada pelos três Ministros militares. A leviandade das acusações que envolveram a grande parte da Nação, a confusão das ideias e a própria redação parecem denunciar como único redator possível o intérprete de tupi-guarani, que serve, no momento, de professor de português no Palácio da Alvorada. Feitas as contas, a nota perdeu-se precisamente pela sua agressividade e seu descompasso. Tentarei explicar, mais uma vez, a minha posição. Faço-o ignorando as injúrias que não me atingem. Não me interessa responder a ataques pessoais.
Solicitado há tempos pelo correspondente do “Los Angeles Times” para dar uma entrevista que seria divulgada em vários jornais do exterior, sobre a crise brasileira, entendi chegada a hora de defender, perante a opinião pública mundial, o meu País. A alegação de que falei para o estrangeiro, além de ser tola, é mais uma prova de incompreensão. Tudo que aqui se diz ou faz repercute lá fora. A opinião pública mundial na medida em que se interessa pelo Brasil está perplexa. Que é que está acontecendo ao Brasil? Terão enlouquecido os homens que o dirigem? Para onde vai este País? Que é de fato que eles estão fazendo? Que é um Governo?
Caudilhismo
Nos Estados Unidos, desde o tempo do apoio do Departamento de Estado aos Caudilhos, ficou em certos círculos um hábito: o que na lei está gravado: o de julgar que são “progressistas” os que falam em reformas, e “reacionários” os que lutam contra a demagogia e o comunismo. E mais, há uma tendência nestes mesmos círculos a pôr dinheiro do povo americano na fogueira da inflação e da corrupção do Brasil a título de não intervir na política brasileira.
Entendi chegado o momento:
1° Que o Brasil não é o que parece e não está devidamente representado pelos que o conduzem com tão desenvolta leviandade em relação às suas condições; que aos seus compromissos e aos seus interesses nacionais permanentes. Numa palavra, o Brasil está atravessando uma crise, mas sairá dela para atingir uma fase de reconstrução, de reforma democrática, de isolamento do comunismo, de restauração da lei.
2° Que não se deve contribuir para, através de um “funding”, isto é, de uma moratória, cortar as derradeiras ligações do Brasil com o Mundo Ocidental, porque isto é exatamente o que esperam certos elementos influentes no momento para colocar o Brasil em face de um falso fato consumado e levarem o Brasil a depender do Bloco Comunista para qualquer ajuda.
Manobra
Os comunistas e seus auxiliares perceberam muito bem o alcance das minhas declarações, a sua oportunidade e o seu possível efeito. Por isto procuraram tirar a sardinha com a mão do gato. Em vez de se mobilizarem diretamente, trataram de envolver na manobra os Ministros Militares, procurando atirá-los contra mim e a mim contra eles.
É pueril a alegação de que não se pode falar para fora do País assuntos internos. Neste momento que faz o Ministro da Fazenda nos Estados Unidos senão tratar de assuntos internos do Brasil a saber de uma moratória mal disfarçada. Precisamos manter vivo no mundo o crédito e a confiança na capacidade de recuperação do Brasil. Precisaremos daqui a pouco desse crédito e dessa confiança. É preciso que a opinião mundial saiba que nem todos aqui estão envolvidos pela manobra comunista. Não se deixem enganar por palavras como reformas de base e outros “slogans”.
É preciso, em suma, que, interna e internacionalmente, o Brasil seja representado não somente pelos que fazem o jogo dos comunistas, e, sim, também, que se façam ouvir os que tem a dizer e sabem o que fazem.
Entendo que defendi o meu País distinguindo dos que o tumultuam. O “putsch” de Brasília e a falta de explicações capazes sobre ele, por exemplo, contribuíram, isto sim, para desmoralizar e comprometer o Brasil lá fora. No que de mim dependa, farei quanto estiver ao meu alcance para que a opinião pública mundial não confunda o Brasil com o antro de Brasília. É pena que os atuais Ministros Militares tenham tomado, precipitadamente a posição política que, como Ministros, podem tomar, mas nunca falando pelas Forças Armadas, pois estas não estão preocupadas com a minha entrevista e sim com a desagregação da autoridade, a subversão da Lei, a destruição da própria unidade nacional promovida pelos comunistas no Governo.
Silêncio
Terminando, indago: que mais será necessário para que todos entendam o que muitos já perceberam. Quanto tempo falta ainda para que caiam as escamas dos olhos dos que tem uma reponsabilidade definida e indeclinável do processo de decomposição da autoridade e da desagregação das liberdades do Brasil. Meu silêncio estava sendo interpretado como manobra tática de candidato à Presidência da República que não se quer comprometer. Não, o meu silêncio, além das razões de saúde que não me permitem, ainda, o engajamento completo nesta fase da luta, visava a impedir que mais uma vez as forças da desagregação procurassem me fazer de vítima expiatória, de pretexto para a intriga e a demagogia.
Considero que a crise brasileira chegou a um ponto do qual não há recuo possível. Ou esse País se liberta da ameaça comunista ou cai sob o seu domínio. Chegou, porém, o momento em que não tinha o direito de me silenciar. É quando vejo o perigo de se confundir lá fora o crédito que o Brasil merece com créditos que os comunistas do Governo não podem receber. Para mim a paz e a liberdade são internacionais indivisíveis. A luta é uma só. A causa é a mesma. Quando a juventude norte-americana morreu na Coréia, morreu também para que os moços do Brasil soubessem servir-lhes. Quando os comunistas no Governo procuram parar o Brasil, paralisam o trabalho, desencorajam a produção, desagregam a autoridade legítima, procuram destruir os Governos que trabalham, sabotam e desagregam a Nação e o esforço do povo para criar riquezas.
Estremecendo toda a América Latina, todo o Hemisfério Ocidental e, portanto, ameaçando a liberdade e a paz em todo o mundo. Se eu falo, atiram-se contra mim com a raiva mais do que suspeita. Se não falo, procuram ao mesmo modo destruir-me. Não por mim, que não mereço tanta honra, mas pelo que represento. Tenho consciência, de que represento hoje no Brasil a consciência de milhões de criaturas para as quais isto não pode continuar assim.
Temor
Portanto, continuarei a lutar até que o Brasil esteja livre deste temor que o domina e desta intriga que o divide, dessa insídia que o empobrece, desse esforço de paralisação, desse Governo de subversão, dominado pela incompetência, pelo ódio personalista e pela ação, esta sim, organizada e inteligente dos comunistas encobertos, que sabem usar as vaidades, as ambições, as mesquinharias e as incompreensões dos demais. Até lá trato de me fortalecer, digo a saúde, para enfrentar o que nos espera. Continuo a trabalhar pois confio no poder do exemplo, no valor desta força nova que afinal surge no Brasil, a união entre os princípios e a ação. Ai se vê crescente a ligação entre a ideia e a ação. Há dias em que um homem do povo disse: “O Lacerda fala mas faz”. Detesto falar de mim mesmo, mas tanto alguns se esforçam por me desfigurar que é chegado o momento de falar um pouco na primeira pessoa do singular: realmente, eu falo mas faço, porque considero indispensável ao Brasil reconciliar o povo com a política de ideias e com a indispensável ligação entre as ideias e a ação. Este é outro assunto, porém, que fica para outra vez.
Cairá Por Si
Tranquilizem-se os Ministros Militares, se é a mim que eles temem, podem ficar tranquilos, não darei um passo para derrubar o Governo a que julgam pertencer. Ele talvez venha a cair pelas mãos dos que o defendem. Apenas advirto-os que não podem confundir o Sr. João Goulart com as instituições nacionais e a política do Governo com a Constituição. Estou dentro da lei. Encarno poder legítimo, trabalho honradamente pelo meu Estado e defendo honestamente as minhas ideias. Considero um escanda-lo e uma aberração o que está ocorrendo no Brasil, de um Governo conspirar contra si mesmo, cavar a sua própria sepultura. (Jornal do Brasil n° 231, 03.10.1963)
Hiram Reis e Silva, Bagé, 13.12.2024, um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
– Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);
- Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
- Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
- Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)
- E-mail: [email protected]
FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor
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