A seca que assolou a Amazônia pelo segundo ano seguido era previsível. As queimadas também. O governo do Amazonas sabia disso tudo e preparou materiais didáticos para que os alunos em isolamento continuassem estudando. Mas o que aconteceu nos interiores das aldeias é o retrato de um País que ignora os povos originários e seus direitos. A educação indígena viveu momentos de secura, tal como os rios e igarapés amazônicos. O Enem não foi adiado, e muitos desistiram de participar por falta de incentivo e preparo adequado. Os mais jovens tiveram de se virar sozinhos no aprendizado com apostilas que até os chamam de “índios”.
Manaus (AM) – Em novembro, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi aplicado sem nenhuma mudança de calendário ou estímulo para os estudantes do Amazonas. O governo federal tinha plena ciência das dificuldades enfrentadas pelos eventos climáticos extremos, que incluíam uma mobilidade precária em meio a rios e igarapés intransitáveis. A Amazônia vivia a segunda estiagem recorde em um período de dois anos, e muitos secundaristas tiveram de se conformar com dois períodos de aulas remotas. Para os gaúchos, que enfrentaram a calamidade das enchentes em abril e maio, o Ministério da Educação estendeu o prazo de inscrição do exame e concedeu isenção de taxas – o que fez as inscrições aumentarem 74%. Também por conta da gravidade da situação no Estado do Sul, o Concurso Público Nacional Unificado foi adiado nacionalmente.
Desde o ano passado, os alunos indígenas vêm solicitando o adiamento do Enem em épocas de seca. Para eles, as realidades indígenas do Amazonas devem ser levadas em conta. Em setembro, o Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam) participou do Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (Enei), em Brasília, quando criticou a posição do governo federal em ignorar que os estudantes amazonenses estavam enfrentando a crise climática em seus territórios.
“Entendemos que esses processos ignoram a exclusão dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, perpetuando políticas que nos marginalizam”, disse Izabel Munduruku, coordenadora do Meiam. “Acompanhamos estudantes de Tefé e Benjamin Constant, especialmente os Tikuna, que relatam dificuldades para dar continuidade ao ensino médio e se preparar para o Enem. Esses problemas estão inseridos em uma realidade onde as mudanças climáticas também afetam a garantia de alimentos nas comunidades. Muitos não conseguem estar nas escolas ou continuar os estudos.”
O estudante Adailson Tananta, do povo Tikuna, afirmou que muitos colegas concluintes do nível médio do ensino indígena desistiram de realizar o Enem. A seca atrapalhou, mas o principal problema foram as questões financeiras e a falta de incentivo para quem largava atrás da maioria. A prova nacional em sua região foi aplicada no município de Tabatinga, que fica a cerca de duas horas por lancha (pequena embarcação de motor) da comunidade indígena Belém do Solimões. “A dificuldade mesmo é eles irem daqui da comunidade até Tabatinga. Alguns não tiveram condições e não foram”, disse.
Por Nicoly Ambrosio e Pedro Tukano
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FONTE: A secura do ensino indígena – Amazônia Real
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