Expedição à Estação Ecológica de Maracá, a cerca de 130 quilômetros de Boa Vista, coletou mais de 400 espécimes para investigar como esses animais lidam com o aumento da temperatura previsto para as próximas décadas. Trabalho integra a Iniciativa Amazônia+10

Imagem postada em: Agência FAPESP

Um time de pesquisadores passou 28 dias na terceira maior ilha fluvial do Brasil, a Estação Ecológica (Esec) de Maracá, em Roraima. Na unidade de conservação federal, distante cerca de 130 quilômetros de Boa Vista, os membros da expedição coletaram cerca de 400 exemplares de répteis e anfíbios, além de dados morfológicos e ecológicos para avaliar as respostas fisiológicas dos animais ao aumento da temperatura.

“Nosso projeto lida com o impacto das mudanças climáticas em anfíbios e répteis, visando melhorar modelos preditivos de risco de extinção e o potencial das espécies se adaptarem a mudanças no ambiente, por exemplo. Para isso, desenvolvemos uma série de experimentos em campo e em laboratório e analisamos um grande volume de dados. Tudo começa, porém, com a amostragem dos indivíduos na natureza e a coleta das informações associadas a eles”, explica Fernanda Werneck, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) que coordena os estudos.

A expedição é parte do projeto “Mudanças climáticas e a sociobiodiversidade amazônica: perspectivas da herpetofauna”, apoiado pela Iniciativa Amazônia+10.

Além da FAPESP, conta com financiamento de outras quatro Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs): Fapeam (Amazonas), Fundação Araucária (Paraná), Fapesq (Paraíba) e Fapt (Tocantins). A expedição também contou com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Werneck lembra que outras expedições já ocorreram no âmbito do projeto em outras regiões amazônicas. Essa, porém, a primeira na Esec de Maracá, teve uma logística mais desafiadora.

A ilha abriga ambientes característicos da região, como os lavrados, formações abertas dentro da floresta amazônica, além das fisionomias florestais de terra firme. Apesar de ser uma unidade de conservação integral, onde só é permitida a visitação para estudos científicos, o entorno da Esec Maracá sofre com a caça e a pesca ilegais, além do garimpo. O local abriga uma base do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra e fiscaliza a área e que apoiou todas as etapas da expedição científica.

Em maio de 2021, criminosos invadiram a base, mantiveram brigadistas reféns e levaram equipamentos que haviam sido apreendidos semanas antes de garimpeiros que atuavam na área.

A Estação Ecológica é uma das últimas paradas antes de adentrar a Terra Indígena Yanomami, um histórico alvo do garimpo ilegal na Amazônia. Essa foi a primeira visita de pesquisadores à Esec desde a invasão de 2021 e contou com escolta da Força Nacional de Segurança Pública.

“Apesar do contexto prévio de tensão na região, em nenhum momento nos sentimos ameaçados e os trabalhos ocorreram dentro do programado”, conta Felipe Augusto Zanusso Souza, pesquisador do Inpa que coordenou o planejamento, a logística e a execução da expedição.

Junto com outros seis membros da equipe, Souza passou os 28 dias em campo. A maior parte do grupo, cerca de 50 entre pesquisadores e pessoal de apoio, se revezou em dois turnos de duas semanas.

Rotina

Depois de instalar armadilhas em 20 pontos na ilha, a equipe visitava diariamente os locais para coletar os animais capturados. Eram feitas ainda buscas ativas diurnas e noturnas, procurando os répteis e anfíbios no chão e na vegetação, como no caso de espécies arborícolas. Os indivíduos eram então levados até a base, onde passavam por uma série de testes no laboratório de campo montado durante a expedição.

Pesquisadores de pós-doutorado, bolsistas de apoio técnico e apoio à difusão do conhecimento e alunos de mestrado e doutorado das instituições envolvidas trabalharam juntos para coletar material e realizar os experimentos, que darão origem a trabalhos conjuntos e partes de suas dissertações e teses.

Foi o caso de Juliana Luzete Monteiro, que realiza doutorado na Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) com bolsa da FAPESP. Seu objetivo é estudar a evolução do desenvolvimento sexual em lagartos do gênero Hemidactylus.

“Coletei uma espécie nativa da Amazônia para analisar se há diferenças entre machos e fêmeas no desempenho locomotor. Nesse experimento, o animal corre numa pista nas inclinações vertical e horizontal e filmamos tudo. Avaliamos depois se há diferenças e se elas podem estar relacionadas com distinções morfológicas entre os sexos, como tamanho das patas ou dos dígitos, por exemplo”, conta Monteiro, que coletou ainda tecido dos animais para análise de cromossomos sexuais.

Seu trabalho é orientado por Tiana Kohlsdorf, professora da FFCLRP-USP apoiada pela FAPESP.

Entre os diversos experimentos realizados, os pesquisadores testaram as temperaturas preferenciais, o desempenho locomotor e a tolerância térmica dos répteis e anfíbios daquela localidade.

Em um deles, os animais eram colocados em uma caixa com oito subdivisões similares a pistas. A estrutura era submetida a um gradiente de temperaturas frias a quentes, entre aproximadamente 20°C e 40°C. Sua resposta corporal era então registrada a cada minuto por uma hora. A média encontrada é o que se chama de temperatura preferencial em laboratório, que dá um parâmetro do que seria ideal para cada espécie.

Em outro experimento, depois de descansarem do anterior, os animais eram submetidos a temperaturas que variavam de 5°C abaixo da temperatura ambiente até 5°C acima e, depois, estimulados a correr em uma pista, sendo cada corrida gravada para posterior determinação da velocidade.

Por fim, os indivíduos eram submetidos a decréscimos e acréscimos de temperatura e colocados de barriga para cima, sendo os críticos mínimo e máximo (ou sua tolerância termal) determinados a partir da temperatura em que não tentavam mais se virar para corrigir a posição corporal.

Novas expedições devem repetir os procedimentos em outras regiões amazônicas. Nos laboratórios das instituições, serão analisados dados genéticos e da expressão de proteínas ligadas ao choque termal, entre outros fatores. As informações vão subsidiar trabalhos a serem publicados nos próximos anos.

Os animais coletados serão depositados na Coleção de Anfíbios e Répteis do Inpa (Inpa-H), onde estarão acessíveis a outros pesquisadores para realização de novos estudos. O projeto inclui ainda o monitoramento dos quelônios amazônicos nas bacias dos rios Araguaia-Tocantins e rio Negro.

Numa vertente socioambiental, o pesquisador Matheus Ganiko Dutra, vinculado à FFCLRP-USP, realiza uma análise de discurso de populações ribeirinhas a respeito das relações entre o ambiente e o clima.

Mitigação

De acordo com o relatório de 2023 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), o aumento da temperatura média no planeta até 2050 pode ser de 3,5°C a 5,7°C, a depender das emissões de gases de efeito estufa das próximas duas décadas.

“É essencial entender agora o que pode acontecer com essas espécies num cenário de aquecimento global, a fim de que se possa tomar medidas de mitigação a tempo e subsidiar estratégias de conservação da biodiversidade com base em dados biológicos robustos”, conclui Werneck.

A equipe contou com professores, pesquisadores, pós-doutorandos, mestrandos e doutorandos das cinco instituições que integram o projeto, dentro da Iniciativa Amazônia+10. Além de USP e Inpa, as universidades federais do Pará (UFPA), Paraná (UFPR) e Tocantins (UFT).

Outros parceiros incluem pesquisadores da Federal do Amazonas (Ufam) e da Universidade de Brasília (UnB). A expedição só foi possível graças a uma grande equipe de apoio, incluindo desde assistentes de campo a cozinheiros.

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Por: André Julião | Agência FAPESP –Cientistas avaliam como répteis e anfíbios lidam com mudança climática em ilha de Roraima