Os estudos realizados em Monte Alegre, no Pará, pela arqueóloga Edithe Pereira já originaram exposições, cartilhas, vídeos, sinalização municipal, aquarelas, história em quadrinhos, animação, joias, marcador de livro, selos e samba-enredo. Também já deu pano pra mangas, golas, barras de vestidos, bolsos e acessórios, como na coleção recente da grife de moda Madame Floresta.

Agência Museu Goeldi – Há mais de três décadas que Edithe Pereira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, se apaixonou pela arte rupestre amazônica ao percorrer os sítios arqueológicos de Monte Alegre. Desde então, se tornou a maior referência no assunto e divulgadora da riqueza encontrada em pedras e grutas. Conhecimento e paixão que estimulou para que fosse apropriada em salas de aulas, nos mais diversos objetos por designers e artesãos, virou tema de carnaval e ganhou um lugar nas roupas.

A marca de moda paraense Madame Floresta lançou recentemente uma coleção inspirada nas pesquisas sobre a arte rupestre de Monte Alegre, no Pará. A exibição ocorreu no lançamento do preview do Amazônia Fashion Week, maior evento de moda do norte do Brasil. Idealizada pela estilista Graça Arruda, a marca trabalha com confecções que remetem a elementos da cultura e da identidade amazônica.

O planejamento e produção da coleção especial iniciou após um convite de Edithe, consumidora da marca, para que a designer se debruçasse sobre os estudos arqueológicos de Monte Alegre. A história da concepção da coleção demonstra como Edithe Pereira trabalha na sensibilização de criadores para que conheçam, se inspirem e divulguem o patrimônio arqueológico da Amazônia.

E esse trabalho de décadas foi reconhecido pelo Governo do Pará, que, na sexta-feira, 8, concedeu à pesquisadora do Museu Goeldi a Comenda Eneida de Moraes na categoria Gestão do Patrimônio Cultural / Políticas Públicas.

Criação e Assessoria – “Eu recebi uma instigação: ‘Você faz tantas coleções temáticas sobre o Pará, por que não faz uma sobre arte rupestre na Amazônia?’”, conta Graça Arruda. Após o questionamento, a estilista relata que Edithe Pereira lhe deu um dos seus livros para contribuir com o processo de pesquisa.

“Li o livro dela várias vezes e também fui pesquisar na internet. Fiquei pensando: o que eu posso tirar da arte rupestre para estampar a minha coleção? Olha, todas as figuras podem ser transformadas em estamparias, [tanto] para coleções [de moda], para sapatos, para chapéus, [como] para produtos de casa. Tudo dá para fazer” completa a designer de moda.

Graça conta que a pesquisadora do Goeldi foi uma grande orientadora durante o processo, sugerindo determinadas figuras para servirem de base. Muitas não possuem traços visualmente perfeitos, o que foi importante para a estilista manter durante a produção. “Eu procurei passar essa imperfeição para a estamparia. Quem não conhece, vai ver que eu bordei torto, que tem linhas tortas, mas eu tentei me aproximar ao máximo das figuras que ela [Edithe Pereira] enviou para mim. Foi muito gratificante ter esse apoio”, enfatiza Graça.

Além das roupas, foram produzidos acessórios baseados nos equipamentos que os arqueólogos utilizam no seu trabalho de campo, como chapéus, mochilas, bolsas e sapatos, todos confeccionados com sobras e retalhos da coleção. Desde a sua fundação em 1999, a Madame Floresta tem como proposta trabalhar com a sustentabilidade através da moda, reaproveitando peças em produções com tecidos de fibras vegetais. “Nós trabalhamos para um público com preocupação ambiental”, ressalta a estilista.

A coleção baseada no patrimônio de Monte Alegre foi idealizada fazendo referência a tons terrosos e à cor vermelha, marcante nas pinturas encontradas nas rochas. A produção das peças teve pouca costura e mais amarrações, aludindo à forma como os habitantes originais da Amazônia utilizavam as suas vestimentas há milênios. Algumas das peças passaram por um tingimento natural obtido através de uma mistura de açaí, folhas e sementes para atingir o tom terroso.

A arqueologia de Monte Alegre – Localizado na mesorregião do Baixo Amazonas, no oeste paraense, o município de Monte Alegre possui um amplo patrimônio arqueológico que consiste de pinturas e gravuras rupestres, cerâmicas e artefatos dispostos em mais de 30 sítios arqueológicos.

O trabalho de Edithe no município teve início em 1989, durante o seu mestrado acadêmico, e se concentra na investigação das figuras presentes nas rochas datadas de cerca de 12 mil anos atrás.

Em 2001, a arqueóloga participou da criação do Parque Estadual de Monte Alegre (PEMA), idealizado para salvaguardar o patrimônio da região e cujo estudos de implementação foram coordenados pelo Museu Goeldi. O PEMA é uma das unidades de conservação (UCs) mantidas sob a administração do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), do governo do Pará.

Outra política pública que a pesquisadora participou ativamente foi o projeto do Complexo de Musealização do PEMA, em 2018, que contempla no seu circuito dois dos principais sítios arqueológicos da região, o da Serra da Lua e da Pedra do Mirante. Este projeto foi viabilizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas a implantação e manutenção é do governo estadual. Todavia, o complexo inaugurado está vulnerável, pois foi apenas parcialmente executado e ainda aguarda a continuidade pelo estado do Pará.

“O centro foi pensado para ser um local de difusão das informações sobre o PEMA. Existe uma estrutura muito boa, mas não tem ali uma exposição, não tem profissionais que possam trabalhar. Tem auditório, área para que sejam promovidas oficinas, mas nada disso é feito”, alerta a pesquisadora.

Nesses 35 anos de estudos, a pesquisadora foi totalmente financiada com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) até que em 2022 o trabalho da arqueóloga chamou a atenção de uma figura pouco vista na ciência brasileira – uma empresária mecenas. Sobre essa história, que envolve também a descoberta de 14 novos sítios arqueológicos fora do Parque Estadual, a gente conta mais adiante.

Conhecimento popularizado – Conheça rapidamente as múltiplas produções inspiradas pelos muitos anos de pesquisa e divulgação realizadas por Edithe Pereira e parceiros na busca de tornar conhecido e valorizado o patrimônio que os mais antigos moradores humanos da Amazônia deixaram registrados em pedra. A trajetória da arqueóloga ilustra como a pesquisa científica impacta a vida das pessoas, de um lugar e cria referências na cultura da região, ao tornar seus resultados algo próximo e palpável.

Em 1999, Edithe Pereira produziu o primeiro artigo de divulgação para além do meio acadêmico no livro “Arte da Terra – resgate da cultura material e iconográfica do Pará”, editado pelo Museu Goeldi em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Esse trabalho inspirou uma geração de designers, como Lídia Abrahim, que cria joias baseadas na arqueologia amazônica.

A primeira exposição sobre arte rupestre é Retratos na Pedra, em 2004, cuja abertura aconteceu junto com o lançamento do livro Arte Rupestre na Amazônia – Pará, finalista em duas categorias do prêmio Jabuti em 2005 – melhor livro e melhor projeto gráfico -, e também recebeu o prêmio de melhor livro de história da Academia Paulistana de História. Acesse aqui a versão digital do livro no portal do Museu Goeldi.

Em 2008, a pesquisadora e parceiros reúne acadêmicos e pessoas interessadas no passado da Amazônia no I Encontro Internacional de Arqueologia Amazônica (EIAA), em Belém. As pesquisas, antes debatidas em vários lugares do mundo, menos na Amazônia, são apresentadas e discutidas na região possibilitando acesso à professores, alunos e público em geral. O evento incluiu também o II Fórum de Arqueologia e Turismo na Amazônia e uma exposição sobre os signos astronômicos. A coletânea “Arqueologia Amazônica”, de dois volumes, editado pelo Museu Goeldi, apresenta os artigos do primeiro EIAA.

Outros produtos surgiram entre 2012 e 2013, através do projeto “Arte rupestre de Monte Alegre: difusão e memória do patrimônio arqueológico”, financiado por recursos da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) e da Petrobras, com o objetivo de divulgar amplamente o patrimônio arqueológico brasileiro, especialmente, a arte rupestre. Foram publicados o livro “Arte rupestre de Monte Alegre”, de autoria da Edithe Pereira, e a obra literária infanto-juvenil “Itaí – a carinha pintada”, escrita pelo célebre autor paraense Juraci Siqueira e ilustrada por Mario Baratta.

Em 2013, a exposição “Visões: a arte rupestre em Monte Alegre”, exibida em Monte Alegre e Belém, propôs um diálogo entre ciência, arte e sociedade. A exposição contou com obras em aquarelas assinadas pelo artista Mario Baratta e o vídeo-documentário “Imagens de Gurupatuba”, do cineasta Fernando Segtowick, da Marahu Filmes, os visitantes puderam ter contato com representações em painéis imensos das pinturas e gravuras rupestres de Monte Alegre.

Na sequência, foram produzidos o Caderno de Viagem – Monte Alegre, do aquarelista Mário Baratta e a história em quadrinhos Espíritos da Lua – Gênesis, de autoria de Yan de Maria e André Ciderfao. Clique aqui para ler a notícia.

Ainda em 2013, Edithe propõe o selo postal “A história contada na pedra – a arte rupestre na Amazônia” com arte gráfica do aquarelista, arquiteto e professor Mário Baratta, e que concorre em 2014 ao prêmio “Melhor Selo do Ano de 2013. Clique aqui e leia a notícia.

Ao final de 2013, Edithe Pereira recebe o título de Honra ao Mérito da Assembleia Legislativa do Pará – ALEPA por seu trabalho e ações de difusão em Monte Alegre

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Novos produtos didáticos surgem em 2018, como resultado da parceria entre Edithe e colegas professores universitários no âmbito do programa de extensão “Arqueologia nas Escolas: Histórias da Amazônia”, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e Museu Goeldi.

No ano seguinte, 2019, Edithe Pereira juntou duas paixões: a arqueologia e a filatelia, e estabeleceu uma parceria com os Correios para realizar uma exposição sobre os selos que circularam de 1966 a 2013 e cujo tema foram a Arqueologia Brasileira e as Artes Rupestres. Assim nasceu a exposição “Postado: Arqueologia brasileira nos selos”. Clique aqui para ler sobre a iniciativa.

Acompanhando a exposição, foi realizada a oficina “Arte Postal”, ministrada por Júlia Pinho, em parceria com a Sociedade Philatélica Paraense (Sophipa) e os Correios, direcionada aos alunos de 4 escolas públicas de Belém, que elaboraram desenhos estimulados pelo que viram na exposição “Postado”. Em 2020, o público do Museu Goeldi pode conhecer esse trabalho e participar da escolha dos melhores selos criados pelos alunos na oficina. Leia aqui sobre esse trabalho de educação, ciência e arte.

Em 2022, Edithe se une ao cineasta e curador Adriano Espínola Filho, da DDK Digital, para planejar a exposição “Arte Rupestre Amazônica e Realidade Virtual”.

Clique para assistir o teaser e ler a notícia da exposição.

Ainda em 2022, a arqueóloga do Museu Goeldi se junta novamente ao arqueólogo Claide Morais, da Ufopa, e à plataforma Cipó, e propõem a candidatura do Parque Estadual de Monte Alegre para integrar a lista dos 25 monumentos mundiais de valor cultural inestimável pelo World Monuments Fund. E conseguem. Leia aqui a notícia.

Em 2023, Pereira amplia seus estudos em Monte Alegre com recursos do CNPQ e o apoio de uma mecenas mineira. Em 2024, a pesquisadora anuncia a descoberta de um conjunto de 14 novos sítios arqueológicos no município paraense em uma área particular, que estava sob ameaça do fogo e da agropecuária. Marcela Soares, a primeira mecenas da arqueologia amazônica, além de financiar os estudos científicos, comprou o terreno onde sítios se encontram para protegê-los. Saiba mais sobre essa história incrível.

No Carnaval de 2024, os estudos de Edithe e o PEMA inspiraram o samba-enredo da escola Boêmios do Morro, agremiação carnavalesca de Monte Alegre.

“[Essa homenagem] é o reconhecimento do público em geral. Quando você tem um alcance, um reconhecimento popular da sua pesquisa, no sentido de que a população do local compreende a importância dos sítios arqueológicos e mostra isso através do samba, para mim, não tem preço”, conta a pesquisadora do Museu Goeldi – instituição que já foi homenageada por duas escolas tradicionais do Carnaval em Belém (Rancho Não Posso Me Amofiná e Piratas da Batucada).

Por sua contínua produção e colaboração com o município, Edithe Pereira também foi laureada com o título de Cidadã Montealegrense na Câmara de Vereadores da cidade.

Texto: Luiz Henrique Pimenta e Joice Santos
Programação Visual: Jéssica Brígido e Janine Valente.
Edição: Joice Santos
Imagens, sons, fotos disponíveis em: Agência Museu Goeldi
Publicado em: Ciência que chega junto das pessoas e vira moda — Museu Paraense Emílio Goeldi