Baniwa: por uma nova ação pedagógica da educação básica em defesa da vida e do planeta

A terceira mesa redonda do 1º Congresso Panamazônico dos Professores de Língua, Linguagem e Literatura da Educação Básica (1º Cllimaz) e do 2º Encontro dos Egressos do Profletras da Universidade Federal do Pará (2º Letrasvivaz) reuniu no último dia 26 de setembro, quinta-feira, pela parte da manhã, no Centro de Eventos Benedito Nunes, do líder indígena Gersem José dos Santos Luciano,  do povo Baniwa, antropólogo e professor da Universidade de Brasília (UNB), e o professor José Manuyama Ahuite, educador e ativista ambiental peruano do povo Kukuma. Ambos debateram a temática Não tem terra sem gente, Não tem gente sem terra. A mediação foi do professor João Colares, do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (PPGED/UEPA), e a interpretação da professora Gracinéa dos Santos Araújo, da Universidade Federal do Pará, Campus Castanhal.


Mesa de abertura do debate Não tem terra sem gente, Não tem gente sem terra.

Os dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que a estrutura da educação básica no Brasil, em 2023, desempenhou um papel fundamental na formação e desenvolvimento dos estudantes brasileiros. Segundo o levantamento, o Brasil contava, no ano passado, com 178.476 escolas de educação básica. A rede municipal brasileira corresponde por aproximadamente dois terços desse total (59,8%), seguida da rede privada (23,3%). No Pará, conforme dados da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), em agosto passado, existem 975 escolas, 40 mil professores e 500 mil estudantes. Em Belém, pelos dados da Secretaria Municipal de Educação (Semec), existem 199 escolas atendendo aproximadamente 70 mil estudantes.

Baniwa fala mesa Congresso Panamazônico

Neste contexto, o líder indígena Gersem Baniwa focou a sua fala sobre a necessidade de consolidar uma nova atitude político-pedagógico para atuar na educação no Brasil, na Panamazônia e no mundo. Os desvios civilizatórios são eminentementes políticos e pedagógicos. Isso exige da humanidade mudanças e modos de pensar que têm a ver com o modo de consumo,  de viver no planeta e a escolha dos gestores públicos, assinalou.

Plenário do Congresso Panamazônico com alunos e professores

A atitude político-pedagógica significa, segundo Baniwa, a assumir a responsabilidade como cidadãos, como sujeitos da história do mundo, o que envolve o humano e o não humano. “Esse é um papel natural das pessoas e da educação. Para a concepção das sociedades ancestrais, nós só temos o planeta terra. Esse mundo precisa ser cuidado e sustentado pelos humanos e não humanos. O mundo depende de nós, no plural. Precisamos ter atitudes proativas e a responsabilidade de cuidar e de promover a continuidade das condições de vida para a nossa existência”, acentuou.

Professores da cidade de Curuçá no Congresso Panamazônico

Ele  chama atenção para o uso abusivo da exploração das matérias primas para gerar mercadorias e consumo. “ A natureza é a única fonte de matéria-prima renovável e não renovável. Muitas mercadorias que utilizamos são produzidas com matérias primas da flora, da fauna e do minério, por exemplo. Quando acabar o minério, acabou. E assim vale para outros segmentos. A energia elétrica deste auditório tem origem em fontes geradoras naturais, assim como os seres humanos foram curados com medicamentos extraídos da natureza, além da necessidade da água saudável para o nosso bem viver.  “Sem preservação, o planeta será extinto”, assinalou.

Alunos de Tomé Açu participam do Congresso Panamazônico

Indagado sobre como fazer esta conscientização de preservação, Baniwa respondeu que é preciso ter consciência de que essa escolha do mundo atual é resultado de um processo histórico. “A primeira atitude é que nós temos que trabalhar, desde a criança, o adolescente, o jovem e o adulto, por meio da educação básica e para além da educação básica. Temos de criar essa consciência de um novo mundo possível. O caminho percorrido até agora está errado”, alertou.

Para ele, a continuidade da vida e a sustentabilidade do planeta, do mundo e da existência estão completamente em risco. “A consciência não cai do céu. Ela é construída. Essa construção é papel da educação, sobretudo da educação básica, que deve construir esse olhar de resistência para além das fronteiras e para as novas e as futuras gerações. É a construção de uma nova pedagogia para, juntos, formar novo estudante e uma nova discente junto com os professores. Temos que desconstruir os valores consumistas e individualistas e edificar um novo ser social. Um ser humano edificado numa ação coletiva e cidadã”,  assinala.

Baniwa enfatiza que a segunda atitude que cabe a nós, no plural, é reencontrarmos o caminho de volta à origem. “Eu diria que as tomadas de decisões erradas têm a ver com um aspecto da modernidade, que é o aspecto da separação, do distanciamento e da hostilidade com a natureza. A modernidade ajudou a criar essa má consciência e a hostilidade e ódio para com o semelhante.  A modernidade,  de certa maneira, autoriza destruir a própria natureza e o mundo. Ela é um processo de autodestruição”, disse.

Para contrapor este caminho, ele reafirma a necessidade da resistência, da utopia e dos afetos para retomar novos rumos. “Cabe à humanidade fazer isso. Sem dúvida nenhuma temos que começar, sobretudo, pelas crianças e jovens. Mas por quê? Eu entendo que a parte adulta da humanidade está completamente viciada, perdida na modernidade consumista. Foi seduzida pelo pensamento moderno e individualista, sobretudo a partir do capitalismo perverso e do modelo de educação excludente em vigor”, recordou.

Para ele o capitalismo não tem lugar no mundo que se quer sustentável. “As lógicas capitalistas são incompatíveis com esta possibilidade.  Se nós queremos um mundo sustentável  temos que investir numa ação político-pedagógica  da educação básica para preservar o planeta e a vida. Os desvios históricos são resultados de opções políticos pedagógicas erradas. Então temos que optar por outra ação educacional de base. Nós índios temos respeito com a natureza e retiramos dela somente para  a sobrevivência. Já o capital explora a força de trabalho e a natureza indiscriminadamente”, compara.

A liderança indígena assevera que a educação tem responsabilidade vital para criar essa nova consciência e, a partir dela, reconstruir e encontrar caminhos sustentáveis. “Acho que a educação básica é fundamental. Se os adultos chegaram a esse nível de tomar essas decisões erradas, é porque teve uma falha na educação básica. Temos que começar pela educação básica. A responsabilidade é grande e o Congresso Panamazônico dos Professores e várias outras ações no planeta neste momento são passos importantes para construir este outro mundo possível”, finaliza.

Texto: Kid Reis – Ascom UFPA ProfLetras Norte – Fotos: Kid Reis e Fernando Maués.
FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor

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