A educação básica, a literatura e os desafios do aprendizado na pluralidade da Região Panamazônica

“Num Congresso como este, para pensar a educação na Amazônia e na Panamazônia, nós tanto temos a ensinar, mas, sobretudo, temos muito mais a aprender”. A frase é do professor João César de Castro Rocha, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), durante a conferência Um projeto de educação/escola para o planeta Amazônia: entre a pulsão de morte e a aventura da vida, que marcou o encerramento do 1º Congresso Panamazônico dos Professores de Língua, Linguagem e Literatura da Educação Básica (1º Cllimaz) e do 2º Encontro dos Egressos do Profletras da Universidade Federal do Pará (2º Letrasvivaz), na sexta-feira, 27 de setembro, Centro de Eventos Benedito Nunes da Universidade Federal do Pará (UFPA). A mediação do debate foi feita pela professora Maria de Fátima Nascimento, do Programa de Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional (Profletras) da Universidade Federal do Pará.

Coordenação da mesa da conferência de encerramento do Cllimaz e Letravivaz

Numa entrevista exclusiva para a Coordenação Geral do 1º Cllimaz e do 2º Letrasvivaz, o professor João César de Castro Rocha respondeu questões que estimulam aprendizados e acentuam os desafios em defesa da educação básica, da natureza e do planeta.

Uma nova geração de crianças com outra relação com o tempo seria a maior revolução que nós podemos fazer.

Pergunta: Professor, primeiramente, nos fale sobre a proposta da conferência que trouxe o tema “Um projeto de educação escolar para o planeta Amazônia, entre a pulsão de morte e a aventura da vida”.

Resposta: Mais do que uma conferência, isso vai ser uma conversa. Eu vou propor uma experiência de pensamento e tentar reler um texto clássico, que é muito importante para as professoras os professores na escola, sobretudo na escola básica. Trata-se de um texto do Antônio Cândido chamado Direito à Literatura, que é direito fundamental e contribui para o desenvolvimento intelectual e emocional das pessoas. A literatura é instrumento de comunicação e importante para a formação de uma consciência crítica e para a construção de uma sociedade mais justa. Eu vou tentar repensar este texto fazendo um cruzamento do pensamento do Antônio Cândido com pensadores e pensadoras indígenas. Eu vou tentar pensar em que medida a própria ideia de literatura do Antônio Cândido pode ser ampliada se nós incluirmos a perspectiva indígena.

Prof. João Castro UERJ

Pergunta: Por que o senhor pensou em trazer especificamente essa temática para o encerramento do Congresso Panamazônico?

Resposta: Um ponto rigorosamente fundamental é que não basta incluir nos nossos discursos autores e autoras indígenas. É preciso que a nossa própria forma de pensar se amplie. Nenhum de nós se tornará um Kayapó, um Yanomami, um Krenak. Mas nós podemos enriquecer o nosso pensamento, o nosso repertório e a nossa visão do mundo, tentando compreender como que o David Kopenawa Yanomami, a Naíne Terenna, o Ailton Krenak, o Edson Krenak, a Renata Tupinambá e a Eliane Potiguara escrevem e como eles entendem a arte da escrita. Um aspecto muito importante que se aprende com as manifestações indígenas é que tanto a leitura quanto a escuta têm valor literário. A ideia não apenas da escrita literária, da leitura literária, mas de uma produção oral, que também é poética, e de uma escuta que tem uma qualidade única, que, por exemplo, nas nossas sociedades nós perdemos.

João, Marcos e professores no intervalo do debate

Pergunta: Como superar esta dicotomia?

Resposta: Uma das maiores dificuldades no ensino básico é fazer os estudantes lerem, mas não apenas decodificar o signo escrito e saber exatamente que palavra se escreveu. Tem uma experiência diversa de leitura, o que sempre implica uma fruição do tempo, que é radicalmente diferente do tempo das redes sociais, porque é um tempo denso, é um tempo ancestral. Neste sentido, o que eu vou tentar fazer é mostrar que num congresso como este, para pensar a educação na Amazônia, nós tanto temos a ensinar, mas, sobretudo, temos muito a aprender.

Plenário de encerramento do Cllimaz e Letravivaz

Pergunta: Professor, esse é o nosso maior desafio quando a gente pensa em educação aqui na Amazônia?

Resposta: Eu acho que não só na região. Não é um problema do Pará, da região amazônica ou da região nordeste, por exemplo. Esse é um problema no mundo. Eu dou aula em vários lugares do mundo e eu enfrento sempre o mesmo problema. A leitura de um poema, a leitura de um conto, a leitura de um romance, cada vez mais a atenção está diluída e a capacidade de concentração foi muito reduzida. A leitura de literatura ou a escuta de uma narrativa oral requer tempos. Isso é altamente poético. Isso implica outra forma de fluir o tempo, mas não pode ser o tempo da resposta imediata, não pode ser o tempo digital, não é o tempo na ponta dos dedos do universo digital. Tudo está na ponta dos dedos, está longe do coração e não passa pela cabeça. Então precisamos recuperar outra forma de tempo, que é o tempo do tecer, que é o tempo do entre tecer, que é o tempo do falar com serenidade. É o tempo de escutar com paciência e é um tempo outro que no mundo contemporâneo praticamente não mais existe. Nesse sentido nós temos muitíssimo a aprender com Davi Copenal, Eliane Potiguara, Ailton Krenak, Daniel Munduruku entre tantos outros.

Pergunta: O que é possível fazer para que a gente consiga, não sei se reverter, mas pelo menos tocar o outro para a importância de retomar isso de alguma forma?

Resposta: Isso é muito importante. Precisamos compreender qual é a maneira pela qual o mundo tem sido tratado e nós temos nos relacionado uns com os outros. É fundamental entender a maneira pela qual nós vivenciamos o tempo e que a natureza está à caminho de um colapso. Nós estamos nos tornando a única espécie que se autodestrói entre todas as outras espécies. Nós somos animais. Nós não apenas extinguimos um número recorde de espécies, como somos a primeira espécie que ameaça destruir-se a si mesma na história.

Pergunta: Como apreender com os povos originários, então?

Resposta: Primeiro, temos que reverter o uso dos recursos naturais e rever o consumismo estimulado pelo mercado. Essa é a primeira compreensão. Quando se entende a maneira como as culturas indígenas se relacionam com a natureza, tudo muda. Porque para eles não existe sujeito, nós, a natureza como objeto. Há uma integração, todos fazem parte de um mesmo ecossistema, de um mesmo código. Por exemplo, em Kayapó, há uma palavra que é Mekru Kadya, que quer dizer sabedoria, transmissão de conhecimentos. Mas quer dizer também círculo. O círculo como uma metonímia de uma outra concepção do homem com a natureza. Em que não há mais homem e natureza. Como dizia o Guimarães Rosa, somos todos viventes do mundo comum. Como se eles estivessem falando de uma troca, uma troca contínua.

Pergunta: Então, este eixo de reflexão não é estratégico para Congresso?

Respostas: É isso exatamente que eu vou trazer para a nossa reflexão, em que Guimarães faz uma proposta bonita. Ele diz que nós precisamos aprender a trazer a floresta para perto de nós, o que ele diz com isso? Porque nós vivemos em cidades, nós somos seres urbanos e precisamos prestar atenção na lenta gestação das plantas, na lenta maturação das plantas, o que acontece quando um pássaro se aninha numa árvore no seu quintal, ou na sacada do seu prédio ou na caixa do ar condicionado?

Alunos e professores participam no Congresso Panamazônico

Pergunta: Pode detalhar…

Resposta: Sim, claro. Preste atenção no ritmo das plantas em sua casa, preste atenção no ritmo da natureza, obviamente não é uma floresta, mas Guimarães inventa uma palavra muito bonita, que é florestania. É a compreensão do tempo e o trazer dessa compreensão do tempo da natureza para o nosso quintal numa casa térrea ou para a sacada do prédio em que habitamos. Quando trouxermos essa compreensão do tempo para a nossa realidade, a nossa maneira de ler textos, de ler o mundo e de escutar o outro muda radicalmente.

Pergunta: Neste contexto, tem outro ponto importante para relacionar tempo e natureza?

Resposta: Eu vou tentar mostrar que hoje o capitalismo vive uma crise inédita. A ideia central do capitalismo é que era possível acumular riqueza de maneira infinita. Essa ideia se sustentava numa falácia. Eu só podia pensar que eu poderia acumular riqueza de forma infinita porque eu partia do princípio que a natureza poderia ser explorada de forma infinita e que sempre haveria recursos. Pela primeira vez na história do Homo Sapiens, nós temos total consciência de que a natureza está se esgotando. Se a natureza está se esgotando, o capitalismo predador está em crise. Uma resposta que o capitalismo tem dado é acelerar a predação. A resposta que nós precisamos aprender é desacelerar, consumir menos, e viver de maneira mais plena, o que começo pelo ato educacional.

Pergunta: Professor, então, como a educação básica pode construir este novo mundo?

Resposta: Um dos lugares para mudar esta realidade, esse lugar é a escola, junto com os professores e as professoras. Vou dizer um clichê, mas há clichês que são verdadeiros. Porque a escola, literalmente, somos nós amanhã. São os nossos filhos, os nossos alunos, os nossos netos. Se nós conseguíssemos, na escola, desacelerar o tempo na forma de se relacionar com os outros, desacelerar o espírito de acumulação e mais importante do que a acumulação. O nosso desafio está na transmissão de conhecimentos para construir um novo tempo e um novo estudante e a uma nova estudante. Há pessoas que têm 20 carros na garagem. Você não dirige todos ao mesmo tempo. Há pessoas que têm uma sede de acumular algo que jamais poderão usufruir. Então, mais importante do que a acumulação é a transmissão, é o compartilhamento e o conhecimento. Transmissão de sabedoria, compartilhamento de experiências. Se nós conseguíssemos ter uma geração de crianças que compreendesse e que tivesse uma relação outra com o tempo, seria a maior revolução que nós podemos realizar.

Texto: Carol e Kid Reis – Fotos: Fernando Maués e Kid Reis.
FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor

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