Apesar de ter a maior biodiversidade do mundo e ter uma lei de educação ambiental nas escolas, o País está atrasado nas discussões sobre o tema

Eduardo Neves, Marina Marçal, Ricardo Galvão, Patrícia Iglecias e Alexandre Macchione Saes – Fotos: Marcos Santos/ USP Imagens

“A nossa sociedade [brasileira] ainda participa menos do que nós desejaríamos em relação às questões ambientais.” Assim Patrícia Iglecias, superintendente de Gestão Ambiental e professora da Faculdade de Direito da USP, introduziu o debate Sociedade e o Meio Ambiente, na noite desta quinta-feira, 15, no Auditório István Jancsó. Além de Iglecias, mediadora do debate, participaram da penúltima noite do USP Pensa Brasil 2024 Eduardo Neves, professor titular e diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, Marina Marçal, chefe de diplomacia e advocacy para cidades na C40, e Ricardo Galvão,  atual presidente do CNPq e professor titular do Instituto de Física da USP.

Dando início ao debate, Eduardo Neves expôs a diferença entre a produção de paisagens e a transformação da Amazônia feitas pelos indígenas e pelo colonialismo. Para elucidar essa disparidade, o professor apresentou a complexidade de estradas utilizadas pelos povos indígenas que ali viviam há milhares de anos, o que permitia o deslocamento não só de pessoas como também de conhecimento e cultura entre diferentes comunidades. Essas estradas hoje em dia são descobertas recentes da arqueologia, possíveis através de uma nova tecnologia que é capaz de mapear o solo amazônico mesmo coberto pelas árvores, explicou ele.

Em contrapartida, “a gente tem, desde a época da ditadura militar, um processo totalmente oposto”. Neves aponta que o processo de construção de estradas mais recente, como a Transamazônica, ignorou a presença indígena milenar, de forma a não buscar adaptação à região, mas sim espalhar destruição pelo caminho. O professor também evidenciou a ligação entre a abertura dessas estradas e a incidência de incêndios na floresta. Segundo ele, “o modelo atual de desenvolvimento não funciona”, mas, como os povos indígenas já demonstraram, é possível fazer a integração das comunidades da Amazônia com o resto do Brasil sem tamanha destruição. Para Neves, “o futuro da Amazônia tem que ser seu passado”.

Letramento ambiental como parte da resolução

Marina Marçal colocou em pauta o “letramento da sociedade brasileira para a agenda de clima”. Ela afirma que o papel da academia é ser multiplicador; é de suma importância os acadêmicos não se fecharem para si mesmos. Para ela, é necessário que os discursos da universidade, com ênfase no que envolve o meio ambiente, sejam compreensíveis para toda a sociedade. É “tardio a gente estar falando de ambiente e clima só depois da faculdade”.

Além disso, segundo Marçal, também é preciso ouvir com propriedade as comunidades tradicionais para então lidar com o desafio da emergência climática. Ela aponta que o País teve seus avanços, por exemplo, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter uma lei de educação ambiental, porém “para um país que tem a maior biodiversidade do mundo, estamos atrasados”.

Ricardo Galvão seguiu o tema do letramento e comunicação entre universidade e sociedade enfatizando o negacionismo científico que assola até mesmo a própria academia. Parafraseando o filósofo sueco Sven Ove Hansson, Galvão afirma que o negacionismo científico e, por consequência, climático é uma pseudociência que se baseia em controvérsias falsas ao explorar a falseabilidade – propriedade de uma ideia poder ser mostrada como falsa, que faz parte do método científico.

Galvão alega que os divulgadores científicos fazem esforços para explicar as mudanças climáticas aos jovens, mas “essas divulgações não são o suficiente para convencer o público que vai votar [em eleições]”. Apontando os problemas didáticos do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o professor aponta que tanto conceitos simples, como diferença entre tempo e clima, quanto complexos, como “forçante radioativa”, de difícil entendimento, são mal explicados para a população, o que fortalece o negacionismo. “Para estimular o necessário envolvimento coeso da sociedade civil nas políticas públicas de enfrentamento das mudanças climáticas, nós [da comunidade científica] temos que realmente aprender a dar as informações corretas de uma forma clara”, afirma ele.

Contudo, para ele, há exemplos bons também dignos de citação. Galvão trouxe um segmento de um artigo escrito por Scott J Goetz e outros pesquisadores que diz: “Embora outros países também tenham programas de mapeamento de desmatamento por satélite, eles não fornecem produtos (mapas) ao público como o Inpe faz”. Assim, para ele, fica evidente a importância da comunidade científica aprender a se comunicar com a sociedade como um todo: combater o negacionismo científico e climático que tanto dificulta as ações em relação à emergência climática que já está acontecendo.

Ainda nesta quinta, houve o lançamento do livro Entre Oligarquias: As Origens da República Brasileira (1870-1920), de Rodrigo Goyena Soares, publicado pela FGV Editora.

O debate Pensar a Metrópole com Inclusão: Experiências Integrativas em Meio Ambiente contou com os seguintes convidados: Jerá Guarani, que tratou do mundo indígena resistindo na metrópole, Adriana Salay, que fez a palestra Alimentando a Periferia, e Pedro Martin Fernandes, com Repensando a Mobilidade na Metrópole. A coordenação foi da professora Ana Lanna, pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da USP, e o debatedor foi Renato Cymbalista. O debate 60 anos do Golpe de 1964 e suas Consequências na Política Ambiental reuniu Sérgio Adorno e Marcos Alvarez, para falar sobre Autoritarismo e Violências: Revisitando um Debate, e Guilherme de Almeira, que tratou do tema Da Segurança Nacional à Segurança Climática: Caminhos Possíveis para a Consolidação da Bioeconomia na Amazônia. A mediação foi do professor Rubens Beçak.

FONTE: JORNAL DA USP – “O futuro da Amazônia tem que ser seu passado” – Jornal da USP 

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