O Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) promoveu, na Escola de Enfermagem de Manaus, o Encontro sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos de Mulheres Migrantes. O evento foi realizado pelo projeto Ágape Manaus, no âmbito do Fortalece SUS, desenvolvido pela Fiocruz Amazônia, tendo o ReGHID (Necessidades e Desafios Relacionados à Saúde Sexual e Reprodutiva de Mulheres Adultas e Adolescentes Migrantes), consórcio liderado pela Universidade de Southampton, na Inglaterra, como referencial. O objetivo do encontro foi o de promover a troca de experiências entre profissionais do SUS, nas diferentes esferas, e mulheres migrantes, no contexto amazônico. O evento visou aprofundar também as discussões em torno da elaboração de propostas ou adequação de políticas públicas voltadas para melhoria da qualidade do atendimento em saúde para essa população em condição de vulnerabilidade social.

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

A pesquisadora social da Fiocruz e coordenadora do projeto Fortalece SUS, Rita Bacuri, explica que o objetivo foi o de proporcionar uma discussão ampliada sobre a situação das mulheres migrantes, de um modo geral, junto com pesquisadores e especialistas da Fiocruz, Universidade de Southampton, Universidade de Brasília (UnB), Faculdade de Medicina da Universidade de Los Andes (Colômbia), as secretarias de Saúde de Manaus (Semsa) e do Amazonas e representantes do ReGHID em atuação nos demais países onde a pesquisa foi aplicada, a exemplo da Colômbia. “Mais importante foi termos conseguido a adesão de um número significativo de mulheres migrantes para participar do encontro e podermos proporcionar as condições ideais para que pudessem estar presentes, como espaço para os seus filhos, alimentação e transporte”, afirma Bacuri.

O evento foi aberto com a participação da diretora da Fiocruz Amazônia, Stefanie Lopes, que agradeceu o empenho da equipe do projeto Fortalece SUS na proposição do debate acerca da equidade no acesso à Saúde. “Essa é uma população invisibilizada que merece toda a nossa dedicação, respeito e atenção. O trabalho em prol da saúde e da equidade é desafiador em se tratando da população migrante e toda ação de mobilização é superimportante. Toda minha admiração e orgulho por esse trabalho e, em especial, à nossa agente de transformação, Rita Bacuri, por ter aceitado essa empreitada. Isso é fazer junto, é inclusão de verdade, não só no discurso, mas na prática a partir de evidências que proporcionam mudanças e melhorias na qualidade de vida da população refugiada e migrante”, afirmou.

A pesquisadora Pia Riggirozzi, PhD da Universidade de Southampton, coordenadora do ReGHID, abriu a programação de paineis. Ela abordou o tema A migração Sul-Sul e Sul-Norte, focando na migração entre os países da América Latina e o fluxo migratório entre as Américas do Sul e do Norte. “A pesquisa ouviu um universo de 2 mil mulheres migrantes, vítimas de violência sexual e discriminação, revelando dados alarmantes referentes à saúde, como falta de acesso a medicamentos, alimentação, anticontraceptivos, apoio psicológico para superar os traumas das violações sofridas”, explicou Pia.

A médica Maria do Carmo Leal, pesquisadora visitante da Fiocruz Amazônia, coordenou a parte do ReGHID no Brasil, em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e destacou a importância da realização do encontro. “Esse trabalho é de fundamental significância para entendermos o contexto em que se encontram essas mulheres. Continuar com os eventos para mostrar aos gestores públicos as dificuldades que as mulheres enfrentam é de suma importância”, afirmou.

A programação contou ainda com palestras sobre a Frente Nacional pela Saúde de Migrantes como prática emancipatória, pelo pesquisador da UnB Alexandre Branco Pereira; As boas práticas em saúde de acolhimento à população migrante de Manaus, pelo sociólogo Celso de Souza Cabral, chefe da Divisão de Promoção da Equidade às Populações Vulneráveis da Semsa-Manaus; e Relato de experiência: atenção a pessoas migrantes em situação de rua em Manaus, com a psicóloga Raquel Lira de Oliveira Targino, da Semsa-Manaus. Entre as atividades e dinâmicas desenvolvidas com as participantes, foram feitas aplicações de testes de conhecimento, autocuidado, quebra-gelo: a viagem de Martina, saúde mental, luto migratório, rotas de apoio e orientação a mulheres migrantes, equidade de gênero, anticoncepção, cuidados durante a gravidez, entre outras.

Representando o secretário municipal de Saúde de Manaus, Djalma Coelho, a coordenadora municipal da Saúde da Mulher, Lucia Freitas, participou da abertura do evento fazendo um apanhado dos serviços prestados à população migrante e os avanços obtidos ao longo dos últimos anos. “A Semsa vem trabalhando diversas ações desde o início da intensificação do fluxo migratório de venezuelanas para o Brasil, muitas vindas em busca de ajuda para problemas de saúde. Com a ajuda de parceiros, como a Fiocruz, a Unfpa (Fundo de População das Nações Unidas) e a Escola de Saúde Pública do município de Manaus, conseguimos vencer os principais desafios, a começar pela comunicação. Muitas chegavam sem intérpretes para retirada de implantes contraceptivos subdérmicos. Não tínhamos esse serviço e foi preciso nos adaptarmos, hoje temos cinco ambulatórios que fazem a retirada desses implantes na porta de entrada do SUS”, exemplificou.

A coordenadora executiva do Ágape Manaus, Paula Fonseca, pesquisadora-bolsista da Fiocruz Amazônia, explica que o encontro deverá resultar em propostas de intervenções educacionais ou de atendimento em saúde planejadas em conjunto com as instituições parceiras, visando atender as lacunas decorrentes da falta de conhecimento acerca dos fluxos de atendimento e itinerários terapêuticos do SUS. “Observamos nas falas das mulheres migrantes que ainda precisamos difundir informações sobre o funcionamento do nosso Sistema Único de Saúde, como por exemplo, a hierarquia entre os diferentes níveis de atenção: primário (atenção básica), secundário (média complexidade) e terciário (alta complexidade), quando e como procurá-los”, avaliou a coordenadora.

Renascimento

Para a assistente social venezuelana Geise Sulamita Barroso Rodrigues, 39 anos, o Encontro sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos de Mulheres Migrantes demonstra, de fato, para a população refugiada e migrante a importância da participação nos processos de desenvolvimento das políticas públicas e de acesso a direitos humanos. “Além de importante, esse tipo de evento promove em nós, mulheres migrantes, um fortalecimento interno de reconhecimento de que o território se importa conosco, em especial a Fiocruz mantendo a atenção desse estudo sobre a saúde sexual e reprodutiva, fomos tomadas em consideração, fomos vistas no processo em meio de muitas mulheres. Isso fortalece nosso direito de ser mulher, esteja no meu território de pertencimento ou não, nos dá oportunidade de contribuir para a melhoria do atendimento para todas as mulheres, inclusive as brasileiras que se deslocam internamente, de um Estado para outro e as filhas de migrantes que nasceram aqui”, explicou.

Morando há 19 anos no Brasil, Geise relata o sofrimento da comunidade venezuelana, originária de um contexto de vulnerabilidade em razão do regime ditatorial vivido no seu país. “Meninas e mulheres que se desenvolveram num processo de não acessar a saúde, de não se cuidarem enquanto mulher, cresceram nessa vulnerabilidade, aqui no Brasil se deparam com um contexto onde você é ouvida, você é vista, você é atendida e tem direito a vida e de gerar vidas, para nós é uma verdadeira explosão mental, um renascimento”, disse a assistente social, que é casada e mãe de duas filhas brasileiras.

Júlio Pedrosa (Fiocruz Amazônia) Agência Fiocruz de Notícias