Batelão, casa e vida
Ele é um tradicional marcador fluvial internalizado com todas as suas simbologias na alma dos povos ribeirinhos da Amazônia brasileira. As suas imaculadas características culturais flutuam nas veias abertas dos rios da verde mata, metamorfoseando o ser identitário, e permitindo que as coletividades amazônicas usufruam de seus trajetos transfronteiriços para sobreviverem com dignidade.
Ele é uma exímia embarcação transformada generosamente em lar. Lar e embarcação estão divinalmente imbricados e briosamente embelecidos pelas águas estetizantes e pela exuberante mátria mãe florestal. Nessa fulgente florestania da cotidianidade beiradeira dos rios amazônicos, ele avança transportando uma diversidade de produtos e promovendo notavelmente uma rica interação entre a cidade e a mata.
Ele não é símbolo de distanciamento ou aversão aos povos da floresta, não é símbolo de extirpação ou abnegação ao outro, não é símbolo de execração ou infortúnio aos modos de vida tradicionais das populações ribeirinhas, não é símbolo de calamidade ou calvário à poética mitológica dos deuses florestais, e não é símbolo causticante ou calabouço do espaço vivido transcendental daqueles que se utilizam da verde mata e das águas, para enfim, viverem sem degradar o habitat natural da vida.
Ele é um marcador histórico dos antigos seringais amazônicos da Amazônia Sul-Ocidental brasileiro-boliviana. Ele era a marca transportadora da famosa péla de borracha natural que atravessava os rios Mamu e Abunã para enfim chegar até a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré no distrito de Abunã no Município de Porto Velho – Estado de Rondônia.
Ele vive entranhado na alma do povo ribeirinho, ele faz parte do imaginário privilegiado das tradicionais coletividades amazônicas, ele navega desmesurado na sua mais transcendental liberdade, e ele é a imagem de um cenário embelecido e estesiante dos rios. Ele é batelão, casa e vida.
Por: Marquelino Santana
FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor
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