Contrarrevolução de 64 – Parte XV

04.04.1964-Revista-Manchete-n°-624i

Veja que simplesmente falando e cruzando os braços eles não conseguiram me derrubar. Com muito mais razão digo que o governo federal é forte, com seus dispositivos militar, sindical, político, econômico, finan­ceiro e outros. Seria uma ingenuidade, uma tolice, por amor à bravata, a gente ignorar a força do poder federal.

Mas voltando ao meu apelo aos candidatos. Se ele foi interpretado, como você diz, como uma prova de fraqueza de minha parte, eu não estou me incomodando muito com a reação de quem interprete a minha posição como fraqueza. Eu prefiro me incomodar com os que julgam que alguém deve tomar uma decisão – e eu a tomo. É preciso que haja homens públicos no Brasil decididos a assumir os riscos de parecer fracos para continuarem fortes. Só os fortes se dão ao luxo de parecerem fracos.

Há tempos, li num jornal da ilha da Madeira um pensamento do General Boche. Quando o Presidente da República tem ideias napoleônicas, é natural que a gente cite um General de Napoleão Quando a espada é curta – diz o tal pensamento – eu dou um passo à frente. Nós estamos com uma espada curta, então é a hora de avançar. E fique certo de que nunca estivemos tão longe da possibilidade de intervenção na Guanabara. O que o governo me ofereceu agora, com esse comício da Cen­tral, foi a oportunidade de mostrar aos meus competi­dores e a todos em geral, ao País, o caráter absoluta­mente impessoal das minhas divergências.

Por outro lado, a iniciativa ou a ofensiva do Dr. Goulart prestou um desserviço ao Dr. Juscelino: transferiu para as minhas mãos a bandeira da legalidade. Não a tomei das mãos do Dr. Juscelino. Encontrei-a na esquina, dan­do sopa. Achei natural que essa bandeira volte para as nossas mãos, porque ela sempre foi nossa. Quando o Dr. Juscelino era prefeito da ditadura, nós já lutávamos pela legalidade democrática. Durante o Estado Novo, cheguei até, uma vez, a convidá-lo, num almoço em Belo Hori­zonte, para conspirar …

Voltando à sucessão: o governo pode ter “margina­lizado” a sucessão em termos de candidatura Juscelino, ou em termos de Arrais, de quem quiser. Mas o governo não comanda a minha candidatura. Esta continua. O governo que tome conta dos candidatos dele. Mas eu não sou candidato do governo, não dependo dele. O governo, o que fez foi substituir um candidato forte, chamado Juscelino Kubitschek, por um candidato bastante com­prometido, chamado João Goulart. Por outras palavras, é muito mais fácil combater a candidatura João Goulart do que a candidatura JK. Para combater a candidatura João Goulart, tenho a colaboração de muita gente, inclusive, secretamente, as simpatias do Juscelino…

Agora, uma coisa é certa: não contem comigo para re­presentar o papel de boi de piranha. Não vou promover ou agravar crise nenhuma, para assim abrir caminho aos outros e sacrificar-me a mim mesmo. Nesta altura, eu só poderia substituir a minha candidatura por um candidato de união nacional. O problema já não é mais apenas político. Nem é só militar. O problema é de governo. Nós não podemos sair desta crise, se sairmos dela, elei­toralmente, por uma solução morna, de incompetência.

Nós temos que sair desta crise – se sairmos dela paci­ficamente, no que tenho as minhas dúvidas – com uma solução de governo. É preciso urna plataforma de governo, um programa de governo, uma equipe de governo – uma decisão de governar. Para resolver o problema, não vamos colocar qualquer um no governo. O país não aguenta outro quinquênio nessa base.

As Reformas Serão Feitas e o Brasil Encontrará Seu Caminho

Em termos de resultados imediatos, acho que o comício foi bom para o governo. Mas ele vai pagar caro, muito caro, essa provocação. A meu ver, daqui por diante, o problema está colocado em termos de preservação do regime e das liberdades públicas ou comunismo. Não é anticomunismo. É uma coisa agora mais geral, mais fun­damental e mais abrangente: a união dos democratas pode ser imperfeita, pode ser incompleta, pode ser fura­da. Por exemplo: o Juscelino tem o problema de conquis­tar o apoio do Jango. Mas a união dos democratas já se fez na base, na massa, e vai se fazer cada vez mais soli­damente. Incluindo todas as faixas de opinião, inclusive aquelas que são partidárias de um intervencionismo mais decidido do estado. Eu participo dessa faixa em larga medida. Apenas não dou a isso uma importância ideológica. Dou-lhe uma importância pragmática. Há uma série de soluções nessa linha que devem ser adotadas, e não tenho qualquer impedimento ou preconceito para adotá-las. Aqui ou ali, poderá haver divergências. Quando depende de voto, decide-se pelo voto, com a maioria. Quando se trata de problemas técnicos, adota-se a melhor solução e pronto. É o que faço no governo da Guanabara todos os dias.

O que acontece comigo é que, sendo um democrata, não estou preso a amarras ideológicas. Se o sujeito, quando examina uma solução a ser adotada, está vinculado de antemão a uma ideologia, pode tomar a melhor ou a pior solução, segundo as circunstâncias. A ideologia leva o público a ficar obnubilado, a perder a objetividade da decisão. O que caracteriza uma administração democrá­tica é a sua disponibilidade. É a possibilidade de apro­veitar o principal instrumento da democracia, que é a variedade. A democracia não exige a discordância, ela tira partido dela. A democracia admite a discordância porque muitas vezes vai concordar com o discordante. O sistema de governo democrático se prevalece, assim, de uma riqueza enorme, que o totalitário, coitado, não pode ter à sua disposição. O totalitário nunca pode concordar com o adversário. A contradição do democrata não é contradição nenhuma, é a sua lógica, a lógica interna, intrínseca, da democracia. Falando em termos de arqui­teto, a democracia adota o partido que a variedade lhe oferece.

Agora, por exemplo, está o pobre do Kruchev lá na Rússia na maior aflição, precisando adotar uma técnica de exploração agrícola que ele chamaria capitalista. Está na maior dificuldade, emaranhado numa contradição. Para aumentar a produção, tem que adotar fórmulas que renega teoricamente. Se dispusesse da disponibilidade de um democrata, não teria problema. Adotaria a melhor solução, fosse ela capitalista, cooperativista, socializante ou solidarista. Quanto a nós, democratas, o que nos cabe é nos unirmos, para defender as instituições e garantir as eleições. E através delas, dar ao Brasil um Governo capaz de enfrentar os seus problemas. Capaz de atualizar e modernizar o Brasil, na medida de suas necessidades.

Sem o pernosticismo ideológico e simplificador que, de forma aguda, está a serviço de um descontentamento real. O descontentamento existe e é justíssimo. Só um bom Governo, com um programa realista e exequível, poderá restaurar a confiança do povo. Os problemas do Brasil não resistem a um bom Governo. Um Governo disposto a trabalhar, a serviço realmente do bem co­mum, e não a serviço de grupos ou facções, ocultos ou ostensivos. Eu sei hoje, mais do que nunca, por estar no exercício de um cargo executivo que as “Forças Ocultas” existem. Mas podem e devem ser combatidas e venci­das. É o que pretendo fazer, assim que chegar ao Governo. Apesar dos esforços do Sr. João Goulart e dos inimigos da democracia, chegaremos às eleições. Não sou pessimista. Dependerá do Sr. Goulart saber se chegaremos lá com ele ou sem ele. Eleições, porém, haverá. A campanha vai ser dura, também não ignoro. O clima de exaltação não a impedirá. Os ânimos estão exaltados aqui e ali, mas a campanha presidencial não será detida. Você conhece a história da campanha civilista? O que o Rui sofreu! Lembra-se de 1945, com o queremismo nas ruas, e uma ditadura pretendendo perturbar o pleito? No que depender de mim, só me encontrarão na defesa da legalidade, como a deseja o povo. Não estou conspirando, nem conspirarei. Confio no sentimento legalista das Forças Armadas, no seu poder moderador, na sua fidelidade à consciência nacional Depois das eleições, não haverá força capaz de impedir a posse. Quem ficar contra a posse estará falando sozinho e terá tanto poder de decisão quanto o falecido Cidadão Pingô… ([1])

Até lá, temos de estar vigilantes e atentos, para evitar um golpe de mão manipulado com a aliança dos comunistas, que dividem o poder com o Sr. Goulart. O povo não quer o comunismo, o coletivismo totalitário. Quer um governo progressista, que governe de fato. Não tenho medo de adotar as medidas que se fizerem necessárias, de aproveitar as experiências de outros povos e que deram certo, estejam onde estiverem. Preconizo providências efetivas e pragmáticas. A visão do Brasil, de seus problemas, está perturbada pela demagogia oficial e pela inflação. A inflação deforma a ótica, é uma espécie de astigmatismo que impede o exame objetivo de nossos problemas.

Por incapacidade, o governo fala em reforma apenas pa­ra desviar a atenção do povo. Quando faz alguma coisa, como esse tabelamento dos aluguéis, faz errado e de maneira incompleta. Ou, como no caso da encampação das refinarias. Já há suspeita de que se prepara uma oportunidade para a corrupção. A encampação poderia ser feita em condições muito mais vantajosas para o País se tivesse sido executada na forma preconizada pela lei que criou a Petrobrás. A honestidade, pois, custa mais barato. É o que o povo já compreendeu. E porque o povo o compreendeu, os meus adversários perdem a cabeça.

Com um governo democrático para valer, os totalitários não têm chance. As reformas serão feitas, o Brasil en­contrará o caminho de seu progresso e será uma grande nação. Os inimigos da democracia sabem que me encon­trarão pela frente, se tentarem o golpe. Não desejo fazer bravatas, estou tranquilo e não pretendo aprofundar a crise para dela tirar partido. Na hipótese de uma sub­versão comunista, não creio na intervenção dos america­nos. Digo-o para responder à sua pergunta.

Se há gente confiando no Pentágono, como você diz, não sou eu. Brigo por minha conta, quando tenho de brigar. Não quero nada nem com o americano, nem com os Estados Unidos. O candidato dos “trustes” não sou eu, porque os trustes temem um Governo realmente inde­pendente, como será o meu. O Sr. Johnson pode dar o reescalonamento ao Sr. Goulart. Pode dar o que quiser. Não estou contando senão com a confiança do povo. E esta, sei que a tenho e que a irei tendo cada vez mais. Minha candidatura romperá o cordão sanitário com que os meus adversários pretenderiam sufocá-la. Chega ao povo, aos operários.

Falo e falarei a todos, a todas as classes. Veja hoje o exemplo das favelas cariocas. Os favelados, com os quais estou em permanente contato, já não desconhe­cem o que o meu Governo faz por eles. É isto que exaspera os meus adversários. Minha candidatura está posta e, daqui para a frente, vai tornar-se cada vez mais forte. Vão fazer, e podem fazer tudo o que quiserem para evitar a nossa vitória. Mas de nada adiantará. Fique certo de uma coisa: sou candidato, haverá eleições e haverá posse. (REVISTA MANCHETE N° 624, 04.04.1964)

Hiram Reis e Silva – O canoeiro

Por: Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 14.06.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
  • E-mail: [email protected]

[1]    Cidadão Pingô (João Batista do Espírito Santo): não havia enterro de gente importante que não contasse com a sua oratória torrencial, emotiva e agramatical. (Folha de São Paulo, 22.02.1996) 

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