Contrarrevolução de 64 – Parte XII

04.04.1964-Revista-Manchete-n°-624

As “Marginalizações” do Congresso e do Exército 

Agora o Executivo resolveu legislar por decretos e portarias. Está “marginalizando” o Congresso, metido dentro da toca de Brasília. O Congresso tem o poder de mudar a sua sede, mas não o fez. Já o presidente, que não tem esse poder, mudou-se para cá. Virtualmente, na prática, está no Rio o Executivo. Em Brasília é que não existe governo. Os ministros, o presidente, onde estão? Estão aqui, no Rio de Janeiro.

Aquela velha imagem é verdadeira: o Congresso são os pulmões do país. Se você fecha os pulmões, ninguém respira. Hoje, os protestos e os discursos que se fazem no Congresso só chegam à nação por meio de telegramas. Assim como há um processo de “marginalização” do Congresso, há também uma tentativa metódica e persistente de “marginalizar” o Exército. Veja o que se passa com as promoções nas Forças Armadas. O critério de promoções sempre foi defeituoso.

Mas, havendo um governo criterioso, o sistema consegue funcionar mais ou menos. Agora, instituiu-se nas Forças Armadas, pela primeira vez na República, o critério ideológico para as promoções. Há um discurso do General Décio Escobar que feriu esse assunto com muita exatidão. O oficial agora é promovido de acordo com as suas convicções políticas, sua fidelidade a A ou a B, sem levar em conta a sua capacidade profissional, as qualidades cívicas, etc.

Acontece então que não é o melhor Coronel ou supostamente o melhor, que é promovido a General. É o Coronel mais fiel ao PTB, para dizer o menos. Isso é bom porque vai nos obrigar a atualizar um tema que nunca foi lembrado em campanha presidencial, mas que pretendo incluir no meu programa: a reforma de base também das Forças Armadas. Pretendo utilizar-me dos estudos que estão feitos no Estado-Maior. Estudei pessoalmente o assunto na Escola Superior de Guerra e já tenho gente trabalhando nesse sentido. Pretendo conversar com os Ministros militares, com os chefes naturais do Exército, sobre esse tema. Outra coisa a rever, a atualizar, é o conceito de segurança nacional. Não se trata de novidade, mas de aproveitar o que já está estudado e apresentar como tema de governo.

O apelo à intervenção dos militares, ao qual você se refere, não deve ser entendido como chamado para intervir na vida política. É uma intervenção na vida cívica, segundo tradição que vem desde a instauração da República. Quando a política dá um nó cego, os militares intervêm para desfazer o nó.

Admito que o Congresso não seja isento de culpa. Mas o Legislativo, dos três poderes, é o mais vulnerável à crítica. Por isso mesmo, convém tomar mais cuidado quando o criticamos.

O Congresso é o reflexo da composição eleitoral e cultural do povo. Não há dúvida de que o poder econômico tem bastante influência na formação das bancadas. Mas não há dúvida também de que as bancadas transcendem o poder econômico, ladeiam e enfrentam o poder econômico. Há setores inteiros da Câmara que são um desafio ao poder econômico.

O processo de formação do Congresso não difere em nada, senão para melhor, do processo de eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República Portanto, se o modo de formar o Congresso está viciado, muito mais viciada está a formação do poder do Presidente e do Vice-Presidente. Se o Congresso não é representativo da maioria do povo, muito menos o é o Presidente da República.

Quanto às reformas, a verdade é que elas independem até certo ponto de lei nova. O importante é que haja um Governo que inspire confiança, ao povo, ao Congresso e às Forças Armadas. As reformas dependem muito menos de novas leis do que da aplicação e interpretação das leis existentes. O mesmo Governo que pode fazer a inflação por circulares, instruções e portarias, pode tam-bém reduzis a inflação por circulares, instruções e portarias. Não precisa de uma lei especial para combater a inflação, assim como não precisa de uma lei nova para combater a especulação. Também não necessita de uma lei para enfrentar e destruir trustes e monopólios. O Governo tem todos os recursos legais. Todos, absolutamente todos. Falta desejo de agir. Pois se agir, não pode mais agitar. E o importante é preparar a subversão.

O Decreto da Supra é Inócuo, é só Para Assustar

Vejamos, por exemplo, o caso da Reforma Agrária. Que é que falta? Crédito? Falta, sem dúvida, um banco. Mas, através do Banco do Brasil, dos bancos oficiais e do sistema bancário privado seria possível começar a Reforma Agrária do ponto de vista creditício. Deem-me o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico que eu inicio qualquer das reformas de base de que o Brasil precisa.

Através da seletividade do crédito, por um critério de prioridade, será possível dirigir os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento para setores prioritários. Por exemplo, a indústria de fertilizantes. Seria necessária uma lei que diga expressamente que o Governo deve estimular a produção de fertilizantes? Não precisa nada disso. Para reformular o Ministério da Agricultura, sim, é preciso uma lei.

Feche-se amanhã o Ministério da Agricultura para balanço e, se não for publicado no jornal, ninguém fica sabendo. Porque na prática o Ministério da Agricultura não existe. Qual é a finalidade da SUPRA? Ela tem algum plano de colonização? Absolutamente nenhum. Aquela cerimônia outro dia de Itaguaí foi uma impostura de ponta a ponta. O Sr. João Goulart limitou-se a dar dois títulos de propriedade. Dois! Foi o que ele deu, e a sujeitos que já eram proprietários.

Sim, não tenho dúvida, como diz você, de que a ideia da Reforma Agrária ganhou terreno, se bem que ninguém por enquanto ganhou terra. Acontece, porém, que o governo e a SUPRA estão operando com estatísticas rigorosamente falsas. Você sabe qual é o maior problema agrário do Brasil? É o minifúndio! E sabe quem diz isso. São as fontes oficiais. São elas que demonstram que tem havido diminuição da área cultivada, diminuição proporcional, bem entendido. E tem havido, também diminuição proporcional do rendimento da área cultivada, portanto, da produtividade. Em que esse fenômeno está necessariamente vinculado – e prioritariamente vinculado – ao direito de propriedade? A propriedade não vem se alterando, senão no sentido de multiplicar o número de proprietários.

A área cultivada não cresceu proporcionalmente ao crescimento da população. A produtividade também não. Então, o problema é outro. Crédito, desgaste da terra, métodos inadequados de cultivo, desflorestamento, queimadas, erosão, técnicas atrasadas, ausência de mecanização, etc. O problema está em diminuir e não em aumentar o número de braços na lavoura. Não adianta criar artificialmente um sem número de senhores de terra que vão exigir mais braços para trabalhar. Isto seria colocar a questão em termos de senhores e escravos. O problema é de menos gente produzindo mais e não de mais gente produzindo menos. Cito os dados que constam do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, de autoria da presidência da República. Na página 141, diz o Plano:

Não parece provável que se consiga resultado mediana­mente satisfatório em termos de renda e de produtividade em estabelecimentos de disponibilidade de terra inferior a 50 hectares.

Muito bem. Pelo censo de 1950, último válido, 34,5% dos estabelecimentos rurais do Brasil são inferiores a 10 hectares. Quer dizer que, neste caso, estamos diante do típico minifúndio. 74,8% das propriedades, correspon­dendo a 10% da área total do Brasil, têm menos de 50 hectares. Quer dizer que têm menos que o mínimo considerado pelo Plano Trienal do Dr. João Goulart, do Dr. San Tiago Dantas, do Dr. Celso Furtado, como indispensável a condições de renda e de produtividade. E só 0,1% das propriedades tem mais de 10.000 hectares isto é, podem ser consideradas latifúndios – e haveria ainda a considerar que nem todas essas propriedades seriam classificadas de latifundiárias no sentido de inexploradas ou inaproveitadas.

Muitas delas são latifúndios no sentido de uma agricultura a cargo de um só proprietário, tendo, às vezes, até caráter industrial.

Vamos adiante. As propriedades com menos de 50 hectares têm 39,4% dos investimentos em construções; 38,9% dos investimentos em veículos e animais de tração; 30,1% em investimentos de máquinas e instrumentos agrícolas; 26,1% dos investimentos em outras máquinas. Estou me valendo agora de um estudo da autoria de Luís Carlos Bresser Pereira. Em termos gerais, como hipótese, verifica-se então que os estabelecimentos agrícolas não devem ser menores de 50 hectares e nem maiores de 1.000 hectares. Conclui-se daí que 70,6% dos estabelecimentos agrícolas brasileiros e 60,8% de toda a área coberta pelos estabelecimentos agrícolas estão fora daqueles limites mínimo e máximo. Como 78,4% das propriedades têm menos de 50 hectares, concluímos que a imensa maioria que está fora do limite mínimo e máximo de rentabilidade e produtividade agrícolas consiste no minifúndio. São dados irrespondíveis, tirados das próprias fontes oficiais. (Continua…)

Por: Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 07.06.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
  • E-mail: [email protected]

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