Contrarrevolução de 64 – Parte XI

Contrarrevolução de 64 – Parte XI

04.04.1964-Revista-Manchete-n°-624

Só lhe resta então uma esperança: é sair como mártir, ou como vítima. Se sair normalmente, democraticamen­te, no dia em que tem de sair, a 31 de janeiro de 1966, como é que irá embora para casa deixando atrás de si o acervo da inflação, os destroços do País? Que lastro terá para pedir que o povo confie nele? Os trabalhadores vão receber o quê? Sim, ele procura transferir a responsabi­lidade para o Congresso, para os partidos. Procura por todos os meios isentar de culpa o Executivo. Mas agora ele se colocou frontalmente contra o Congresso. Abriu luta. É um problema de prestígio: ou ele triunfa sobre o Congresso – e neste caso não poderá jogar a culpa sobre o Poder Legislativo – ou ele não triunfa sobre o Congresso – e neste caso é mais um fracasso que soma aos seus fracassos. E será, politicamente, uma vitória do Congresso.

O Sr. João Goulart está jogando com uma carta errada. Está pensando que lança o povo contra a democracia. Não lança, não. É próprio da democracia desconfiar das soluções supostamente heroicas, personalistas e caris­máticas. Das soluções demagógicas, em suma. A maioria do povo está consciente e alerta. O sujeito pode ficar assim um pouco atordoado, diante de colocações e de medidas governamentais, como é, por exemplo, esse decreto do inquilinato. O sujeito pode até ficar um pouco seduzido, mas dificilmente chegará ao cúmulo de aban­donar o seu apreço pelas instituições democráticas em favor de meia dúzia de providências ilusórias. Por falar nesse decreto, você tem dúvida de que não será execu­tado? Pode ser, não sei, que o Judiciário o dê por ilegal.

Neste caso, o governo vai tentar tirar dessa decisão judicial argumentos contra o Poder Judiciário. Procurará apontá-lo como reacionário, oposto aos interesses do povo, etc.

Será uma campanha paralela à que se faz contra o Legislativo, com o fim de exaltar o Executivo todo-poderoso e “amigo do povo”. Mas suponhamos que o decreto não sofra qualquer restrição da Justiça. Está claro que não chegará a dar resultado. Porque é tecnicamente malfeito, porque é incompleto e puramente demagógico. O problema da habitação popular merece toda a consideração do governo. De um governo disposto a resolvê-lo, a realmente dar casa ao povo, coisa que hoje não se faz e é impossível fazer com esse governo. Há uma série de providências práticas, já estudadas, para tornar possível a aquisição da casa própria pelo pobre, pela classe média. Não quero me estender sobre esse problema, mas o que importa dizer é que o decreto do inquilinato não soluciona coisa nenhuma. Virá, isto sim, agravar o problema da habitação popular. Lança o pânico, desorganiza o setor imobiliário, desestimula os que, por mal ou por bem, estão construindo casas neste momento. E nem ao menos conseguirá baratear o aluguel das casas que já existem, o que seria o mínimo razoável.

O que vai acontecer é apenas mais uma oportunidade para a corrupção, para toda sorte de manobras ilegais. Não creio que o povo se deixe enganar. O suposto êxito do comício da Central pode ter surpreendido o governo, como já se disse, mas a mim não surpreendeu. Há uma história secreta desse comício a ser escrita. Primeiro, a massa popular estava dividida em vários núcleos, como se fossem vários recintos.

Se tirassem todos aqueles corpos estranhos do meio do povo – barracas, etc. –, o aspecto do comício chegaria talvez à metade do que foi. Havia núcleos em que a pessoa só entrava com senha, sabia disso? A partir de certa altura, a entrada só era possível com senha. Tenho o depoimento de vários observadores meus que estiveram no comício. Uns vinte pelo menos, inclusive um secretário do governo da Guanabara. Durante o comício, foi feito um inquérito entre assistentes, com a pergunta: “Você quer eleição ou plebiscito?” Resposta: 90% querem eleição! Como admitir que o povo possa ser facilmente iludido? Perguntem por todo o país se o povo deseja eleições ou plebiscito. Perguntem a cada brasileiro: “Você quer liberdade ou comunismo?” Ou então: “Você quer o Congresso aberto ou o Congresso fechado?” Ou ainda: “Você quer as reformas por lei ou fora da lei?” Será maciça a maioria das respostas democráticas.

Agora, o que se procura fazer é uma série de perguntas capciosas. Por exemplo: “Você quer reformas?” Ora, o Prestes quer reformas, o Silveirinha quer reformas, o Rui Gomes de Almeida quer reformas, o Mário Simonsen quer reformas. Esta positivamente não é a pergunta que se deve fazer. É como perguntar: “Você quer receber o seu salário no fim do mês?” Ou perguntar às mocinhas casadoiras se querem casar… Claro, todo mundo quer reformas. Todo mundo está farto de tudo isso que aí está. Apesar de todas as intrigas e todas as mistificações que procuram levantar contra mim, não conseguirão provar que eu não queira reformar, que eu seja partidário de um imobilismo social injusto e antiquado. Há anos que venho pregando a reforma. O que há é que um grupo totalitário procura se apossar da palavra reforma. Falam em reformas para não as fazer.

E me temem porque sabem que eu, no governo da República, farei as reformas que eles têm na boca, só da boca para fora, e que não sabem, nem podem fazer. O que é preciso é ir ao fundo da questão. Não é só perguntar ao cidadão se ele quer reforma.

O que importa saber é se ele quer reforma com liberdade, sem o controle monolítico do estado sobre a economia, sem perda das conquistas democráticas. A consciência nacional é sensível, sim, em todas as camadas do povo, à democracia. Apesar de todas as dificuldades que temos atravessado de 1945 até hoje, a verdade é que o povo não deseja a supressão do regime. Não o deseja trocar por nenhum totalitarismo. Deseja, sim, aprimorar e aprofundar esse regime, realizando dentro dele um legítimo e urgente ideal de justiça social. Acabar com os privilégios, sim, está muito bem. Vamos acabar com os privilégios mesmo – e o governo deve ser o primeiro a dar o exemplo.

O povo quer sinceridade, quer autenticidade. Quer melhorar de vida em paz e com segurança, quer ter acesso a todas as oportunidades. Isto é uma coisa. Outra coisa é levar o País para a aventura do poder pessoal e do caudilhismo, de cambulhada com a corrupção, a inflação desenfreada e a incompetência. Quem não consegue governar o País tal como está, muito menos será capaz de reformá-lo, abrindo caminho para a sociedade justa e humana a que todos aspiramos. Esta será uma obra de estadistas, de homens conscientes, de verdadeiros representantes populares. Uma obra de austeridade e de trabalho, de coragem e de autoridade. E lá só chegaremos pelas eleições. O povo aprendeu a ter apreço pelas instituições.

O povo gosta de votar e sabe que, pelo voto, pode modificar o que aí está. Uma ditadura significaria um retrocesso que só os usurpadores e os totalitários desejam. Tome o exemplo das greves. Onde é que se dão as greves mais frequentes e, por assim dizer, mais espetaculares? Em São Paulo, maior centro industrial do Brasil, ou na Guanabara? Porque as greves são provocadas, fabricadas, em grande número, pelo governo, e não pelos operários.

Retire o governo da Central e da Leopoldina e veremos que os trabalhadores daquelas ferrovias só farão greve por reivindicações salariais. O tipo de greve que agora se faz, para parar isto e parar aquilo, essa greve, ninguém duvida, é artificial, política no mau sentido. A principal fonte de inquietação no Brasil é o governo, que se finge de revolucionário e usa os instrumentos do poder para confundir e intranquilizar.

Apesar da consciência democrática e da vocação pacífica do povo, considero a situação perigosa. Primeiro, joga-se atualmente com o medo da guerra civil. Eu não acredito, e quero continuar não acreditando, que estejamos na véspera de uma guerra civil. Esta hipótese é remota. O Exército Brasileiro é naturalmente pacifista, sobretudo no que se refere à ordem interna. Não se inclina para aceitar a hipótese de uma guerra civil, como em outros países.

O nosso Exército age em função de maiorias esmagadoras, movido por verdadeiro impulso de opinião pública, com que se identificam as suas próprias fileiras. Uma vez entendido acerca de uma solução, a que lhe pareça a melhor, a que sirva à nossa vocação nacional, o Exército intervém e pronto.

É assim que se tem deposto um presidente ou que se tem mantido um presidente. Não creio que a situação já se tenha alterado a ponto de modificar essa tradição de nossas Forças Armadas.

Você diz que a liderança militar não se exerce, hoje, com a mesma nitidez do passado recente. Mas há um General Ministro da Guerra, não há? Estou convencido de que um General Ministro da Guerra, na hora que tivesse realmente de escolher entre o sentimento de sua corporação e o presidente da República, não duvidaria: ele ficaria com os seus colegas. Não estou dizendo que isto se dará, nem desejando que se dê. Mas a verdade é que os presidentes passam e a corporação fica. Foi assim desde o Império: Deodoro, Floriano, Dutra, Lott…

As Forças Armadas podem ser acusadas, às vezes, de omissão, por excesso de cautela, de prudência. Permanecem paralisadas, sob o fundamento de que obedecem ao comandante-chefe, que é o presidente.

Esse conceito de comandante-chefe se presta melhor ao tempo de guerra. Ninguém diria que a disciplina não é indispensável. O presidente é o chefe de disciplina de maior autoridade, não apenas para as Forças Armadas, mas para todos, militares e civis.

É necessário, porém, que o presidente não deixe de ser autoridade. Para tanto, não pode sair da Constituição. Não pode conspirar contra o regime. A função dos militares é garantir as instituições. Garantir, sim, o presidente da República. Mas não se pode garantir mais o Executivo do que o Legislativo ou o Judiciário. Está dito na Constituição que as garantia devem ser dadas e efetivadas dentro da lei. Fora da lei, não. (Continua…)

Por: Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 05.06.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com

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