MANAUS (AM) – O ativista Jorge Barros, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na Prelazia de Itacoatiara, afirmou à REVISTA CENARIUM que não há estudos suficientes para que a empresa Eneva S/A avance sem causar “morte e destruição” com as obras de implantação do gasoduto do Complexo Azulão 950, localizado no município de Silves (distante 205 km de Manaus), no Estado do Amazonas.
Jorge Barros questiona a decisão da Justiça se houve perícia. “Pelo menos isso, para avaliar os riscos do gasoduto, dessa passagem nos terrenos ou a instrução não foi técnica. Ainda nem se tem licença dos órgãos ambientais para instalação e operação, e já se tem uma decisão favorável para esse trabalho avançar na terra dos agricultores. Terrível isso”, afirmou.
A Eneva S/A recebeu permissão para acessar propriedades privadas a fim de realizar as obras de implantação do gasoduto do Complexo Azulão 950. O projeto utilizará gás natural para a geração de energia elétrica para o sistema nacional a partir de 2026.
As obras foram lançadas em março deste ano. A empresa, que atualmente produz o gás que abastece usinas em Boa Vista (RR), entrou na Justiça após enfrentar resistência de proprietários de terras localizadas no trajeto planejado para os dutos.
Ao autorizar o pedido contra dois proprietários de terras, o juiz Roberto Santos Taketomi justificou que a instalação do gasoduto beneficiaria milhares de pessoas no município de Silves, além de alavancar o desenvolvimento e o fornecimento de energia da região.
Para Jorge, a população sofreria com riscos ambientais e de vida com a decisão de permitir que os gasodutos passem pelas propriedades privadas e alertou para a possibilidade do “agravo do conflito“.
“Esse projeto de exploração de gás da Eneva está violando direitos humanos e ambientais. Os proprietários vão ser impedidos de utilizar parte dos seus terrenos para as suas próprias subsistências e ainda vão ter que assistir máquinas e pessoas estranhas entrando a qualquer hora nos seus terrenos para degradar suas propriedades” disse à REVISTA CENARIUM.
Jorge ainda apontou as irregularidades que existiriam no processo de aprovação do projeto. “Ainda nem se tem licença dos órgãos ambientais para instalação e operação do gasoduto. O licenciamento do gás da Eneva era para ser feito pelos órgãos federais. As decisões judiciais deveriam ser na esfera federal, se tratando de um empreendimento que será no subsolo e isso está avançando sem sequer os órgãos serem consultados”, declarou.
Ameaça aos povos indígenas
Um relatório publicado em agosto de 2023 pela CPT Prelazia de Itacoatiara identifica sete aldeias em Silves, compreendendo as etnias Mura, Munduruku e Gavião. Em Itapiranga, a 50 quilômetros de distância, a Comissão aponta que pode haver indígenas isolados pertencentes ao povo Pariqui.
De acordo com a Comissão, os povos indígenas denunciam impactos em seus territórios e em seus modos de vida. Desde então, são alvos de ameaças, violações de direitos e insegurança. Os indígenas da Terra Indígena Gavião Real apresentaram denúncia em conjunto com a Associação de Silves Pela Preservação Ambiental (Aspac) ao Ministério Público Federal (MPF).
Projeto
O empreendimento contará com duas usinas termelétricas a gás natural, capazes de gerar até 950 megawatts para o Subsistema Norte do Sistema Interligado Nacional (SIN). A primeira usina deve começar a operar em 2026, e a segunda, em 2027.
As usinas receberão gás extraído de poços satélites perfurados em um raio de aproximadamente 12 quilômetros. Os dutos subterrâneos, com cerca de 19,8 quilômetros de extensão, atravessarão 17 propriedades distintas, conectando os poços produtores de gás à Unidade de Tratamento (UTG) do Complexo Azulão 950.
Em depoimento à REVISTA CENARIUM, o especialista em povos e comunidades tradicionais da 350.org Brasil Luís Afonso Rosário criticou o projeto da empresa e apontou os problemas que as ações podem trazer a longo prazo para os proprietários e moradores das terras utilizadas para inserir os gasodutos.
“A instalação dessas estruturas impingem aos proprietários limitações de uso das terras para atividades produtivas, limitação no acesso às áreas divididas pelos dutos pela impossibilidade do uso de maquinários, desvalorização de seus imóveis, além do risco ambiental e à vida, afinal, não é incomum vazamentos nesses equipamentos instalados”, afirmou.
O profissional afirmou, ainda, que as alegações da Eneva para requerer, compulsoriamente, a entrada e instalação de dutos nos terrenos particulares são frágeis e revestidas de um projeto “político” e não “técnico”, além de trazer mais obrigações ao proprietário do que benefícios.
“Ao que parece, tudo que está sendo feito de forma ‘desesperadora’, açodada, sem o devido processo legal de licenciamento ambiental e contando com a ‘flexibilidade’ política dos agentes públicos envolvidos. Mais uma tragédia anunciada que a Amazônia terá que conviver. Reviveremos o fatídico caso ‘Gasene’ cujas lições não foram aprendidas”, finalizou.
Por: Isabella Rabelo – Da Revista Cenarium – Editado por Aldizangela Brito – Revisado por Gustavo Gilona – FONTE: Revista Cenarium
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