Em ação inédita, mais de 500 indígenas das etnias Javaé e Karajá receberam atendimento médico, odontológico e psicossocial na maior ilha fluvial do mundo

Militar da Marinha recebe abraço carinhoso após atendimento em saúde realizado na aldeia – Imagem: Marinha do Brasil- Fonte: Agência Marinha de Notícias

Pela primeira vez na sua milenar história, os indígenas Javaés e Karajás, oriundos da Ilha do Bananal (TO) – maior ilha fluvial do mundo — receberam uma ação social com médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogo e assistente social. A Ação Cívico-Social (ACiSo) inédita foi levada à isolada aldeia Txuirí pela Marinha do Brasil (MB), de 7 a 9 de maio, com mobilização do Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília, do Hospital Naval de Brasília e da Capitania Fluvial do Araguaia-Tocantins (CFAT), todos subordinados ao Comando do 7º Distrito Naval, sediado na capital do País.

Ao todo, 136 militares, 15 viaturas e 5 embarcações estiveram envolvidos na Operação “Javaés”, que realizou 551 atendimentos (entre médicos, odontológicos e psicológicos) à população local. Também houve palestras sobre saúde dos homens, saúde mental, ingresso no mercado de trabalho (para mulheres da aldeia), atividades lúdicas para crianças e competições esportivas entre jovens indígenas e militares da MB, o que ajudou a estreitar ainda mais os laços de integração, inerentes à ACiSo.

A Força-Tarefa empreendeu, ainda, esforços para a reforma da Escola Txuirí Hinã, que recebe diariamente 200 crianças Javaés e Karajás, mas sequer dispunha de ventiladores suficientes para que elas pudessem suportar o calor tocantinense. Os militares realizaram pintura nas paredes, montagem de armários, instalações de vasos sanitários e dos ventiladores necessários às crianças. No posto de saúde, também houve distribuição de kits de higiene bucal e brinquedos aos mais pequenos.

Fuzileiros Navais da missão também reformaram parte da Escola Municipal Hermínio Azevedo Soares (em Formoso do Tocantins), que atende cerca de 200 crianças e adolescentes do município. O grupo também realizou palestras sobre ingresso na Marinha do Brasil e sobre a Rosa das Virtudes (conjunto de valores que guiam os militares em sua conduta diária). Em ambos os colégios também houve a realização de atividades cívicas, incluindo cerimonial de hasteamento da bandeira do Brasil, com canto do hino nacional, do mesmo modo que é feito em todas as Organizações Militares da MB.

Para que os habitantes da Ilha do Bananal pudessem se profissionalizar nas atividades de pesca e turismo, e aumentar o nível de segurança de suas navegações, a CFAT ministrou um Curso de Formação de Aquaviários a 30 moradores locais e indígenas de aldeias próximas. Também houve emissão de documentos e a retirada de dúvidas, em uma verdadeira capitania itinerante, comandada pelo Capitão dos Portos do Araguaia-Tocantins, Capitão de Fragata Guilherme Oliveira Chagas.

A entrega dos certificados do curso e dos troféus para os campeonatos de vôlei e futebol foi feita pelo Comandante do 7º Distrito Naval, Vice-Almirante José Vicente de Alvarenga Filho, que visitou a ilha nesta quinta-feira (9), para conferir o andamento da ACiSo e conduzir o encerramento das atividades.

“Toda essa demanda foi identificada durante a rotina da Capitania Fluvial do Araguaia-Tocantins, a partir de conversas com a população indígena local. Dessa forma, os trabalhos desenvolvidos na região têm propósito social de levar assistência para um local de difícil acesso. Eles também estão de acordo com o preconizado na missão da MB, que contempla, entre suas atividades subsidiárias, a segurança do tráfego aquaviário e a supervisão de atividades de assistência cívico-social”, afirmou o Comandante da Força-Tarefa, Capitão de Corveta (Fuzileiro Naval) Thiago Zaniboni Lessa. Segundo o Comandante Zaniboni, tudo foi feito com total respeito à cultura local e sob orientações de instituições como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e as próprias lideranças locais.

O Cacique da Aldeia Txuirí, Cleyton Tewaxure Javaé, lembra que a comunidade tinha uma visão limitada das Forças Armadas, que se restringia apenas à percepção de que estas atuam somente em caso de conflitos. “Vimos que não é só isso, que eles também ajudam, contribuem para o bem-estar social. Com a vinda da Marinha, nossa comunidade ficou muito satisfeita, a gente vê isso em todo o canto e em todas as casas”, declarou o líder. Segundo ele, apesar de obterem atendimentos da Secretaria de Saúde Indígena no postinho local, não havia como suprir a demanda de saúde da população que mora na Ilha do Bananal e arredores.

“Nós nos sentimos bastante contemplados com as ações dos militares, e espero que também tenhamos passado, em nosso convívio, que somos cidadãos comuns, como qualquer outro brasileiro. Lutamos, dia a dia, pelo sucesso do nosso povo, e hoje temos a satisfação de ver que essa luta tem dado certo, especialmente pela forma tão prestativa de atendimento que recebemos durante todos esses dias. Os militares também nos proporcionaram muitos aprendizados, especialmente para as crianças. Os mais novos até mesmo despertaram o interesse de servir à pátria”, comemorou o Cacique Cleyton Javaé.

Lágrimas e histórias

Para o professor Idiawala Rosa Karajá, da modesta escola Txuirí Hinã, o relacionamento entre a MB e o povoado deixa frutos que vão além do que foi entregue em serviços e doações. “Nossa aldeia tem um alto índice de suicídios, por conta da baixa perspectiva de vida. Por isso, a presença de vocês aqui causa um efeito positivo inestimável. Vou dar um exemplo: já pensou, no futuro, um Javaé vestindo uma farda? Chegando aqui de camuflado ou de uniforme branco? Seria uma imagem incrível para todas as nossas futuras gerações. Por que não?”, pontuou.

Com lágrimas nos olhos, e sentado à beira do rio Javaé, Idiawala afirmou que esta quinta-feira (9) foi, sem dúvida, o dia mais incrível de sua vida. “Eu nunca estive tão feliz como hoje, com a vinda da Marinha à nossa terra e a entrega de tantos certificados de aquaviário aos nossos, incluindo a minha filha. É que nós somos o `vizinho invisível` de todos os brasileiros, como um ponto cego no mapa. Igual a um ponto cego de carro: estamos do lado, próximos, mas sem sermos vistos”, lembrou o líder local.

A Primeiro-Tenente (Médica) Táyra Dall’Oglio Hoffmann Ferreira conta que existe, em cada ACiSo, o sentimento de que a Marinha proporciona aos seus militares uma sensação “que não se pode traduzir”, algo que acredita que não sentiria no exercício civil da medicina. Ela, que serve há sete anos na Força, já atendeu ribeirinhos e indígenas no interior do Pará, em todo o rio Madeira de Manaus (AM), em Porto Velho (RO), em Barra do Garças (MT) e agora na Ilha do Bananal (TO).

“Sempre que atendo as pessoas, especialmente nesse tipo de Ação Cívico-Social, me bate um sentimento de dever cumprido. É uma sensação de que eu, médica formada em Universidade Pública, estou retribuindo tudo o que o Brasil me confiou. Sou tão grata a Deus por isso, por me mostrar o País que nós não vemos, que muitas vezes esquecemos, e onde nós, médicos, raramente chegamos”, – desabafou, também em lágrimas, a Tenente Táyra.

Ilha do Bananal

A faixa de terra que compreende mais de 20 mil quilômetros quadrados é a maior ilha fluvial do mundo, e hoje se encontra mais seca do que alagada, pela época do ano. Apesar disso, ainda é fonte de vida, alimento, renda e lazer, e representa uma grande via navegável para todas as aldeias circunvizinhas à Txuirí. Segundo o professor Idiawala, em um único quilômetro da Ilha do Bananal pode-se “esbarrar” com três biomas: Amazônia, Pantanal e Cerrado, o que torna o ambiente tão inédito e exclusivo quanto a ACiSo realizada pela MB.

Segundo o portal de Povos Indígenas do Brasil, desde tempos imemoriais, os Javaés e Karajás habitam o vale do rio Araguaia, que nasce na Serra dos Kayapó, ao sul de Goiás, alcança 2.627 km de extensão e desemboca no baixo Tocantins, no ponto setentrional extremo do estado, fazendo parte da bacia amazônica. Em grande parte de seu curso, o rio corre por uma imensa planície, inundável durante a estação das chuvas, situada entre o rio Xingu, a oeste, e o rio Tocantins, a leste. A Ilha do Bananal é constituída de inúmeros rios, lagos, savanas inundáveis (conhecidas regionalmente como “varjão”) e matas de galeria. Seu território possui cerca de 2 milhões de hectares e é coberto pelas águas do Araguaia em quase sua totalidade durante a estação cheia.

Originalmente chamada de “Ilha de Sant’Anna”, nome dado pelo Alferes Pinto da Fonseca em 1775, a Ilha do Bananal é conhecida pelos Javaé como Iny òlòna, “o lugar de onde surgiram (ou saíram de baixo) os humanos”, ou Ijata òlòna, “o lugar de onde surgiram as bananas”.

Além do mapeamento da região, prévio à Operação “Javaé”, os Fuzileiros Navais envolvidos realizaram um levantamento cultural com auxílio da Funai, a partir de apresentações e palestras, para que todos os militares não se sentissem (nem parecessem) intrusos na terra tão protegida, e para que todos levassem consigo o respeito às crenças locais e o reconhecimento das lutas empreendidas pelos Javaés e Karajás ao longo da história.

“Temos um legado de ocupações e desocupações, de medo e conquistas, de violência e de paz. Minha família já passou por muitos desafios, meu povo já passou por muitos cenários difíceis. E é justamente por isso que nunca saímos nem sairemos deste local, e é justamente por isso que é tão necessária a presença da Marinha do Brasil neste momento. Aqui, vocês estão nos ajudando a curar cicatrizes causadas pelo tempo e pelo homem, e provando que todos nós podemos, sim, existir e coexistir”, – refletiu o professor Idiawala Karajá.

FONTE: Agência Marinha de Notícias – Marinha leva saúde e cidadania ao coração do Brasil | Agência Marinha de Notícias – (ver galeria de fotos)