Entenda propostas legislativas do ‘Pacote da Destruição’ em quatro pontos

BELÉM (PA) – Um conjunto de propostas legislativas que pode trazer mudanças significativas ao meio ambiente, chamado por ambientalistas de “Pacote da Destruição”, está em debate no Congresso Nacional, em meio à maior crise climática vivenciada pelo Rio Grande do Sul (RS). Divididas em quatro grandes grupos, as propostas incluem temas como liberação de agrotóxicos, facilitação grilagem de terras, alterações no licenciamento ambiental e demarcação de terras indígenas.

Nos Projetos de Lei (PLs), também há propostas que visam facilitar a atividade garimpeira e a exploração mineral, além de sugestões para alterações nas regras de criação e gestão de unidades de conservação, bem como proteção das terras indígenas e mudanças na gestão de recursos hídricos e na regulamentação da ocupação da zona costeira. A seguir, o resumo das propostas:

Veja lista de projetos em tramitação:

PL 10273/2018: Esvazia a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental e o poder do Ibama.
PL 6049/2023: Altera as regras do Fundo Amazônia.
PL 2633/2020 e PL 510/2021: Flexibilizam as normas sobre regularização fundiária.
PL 3915/2021: Altera o marco temporal para regularização fundiária de terras da União.
PL 2550/2021: Amplia o uso da Certidão de Reconhecimento de Ocupação (CRO).
PL 5822/2019 e PL 2623/2022: Admitem exploração mineral em Unidades de Conservação (UCs).
PL 2001/2019, PL 717/2021 e PL 5028/2023: Buscam inviabilizar a criação de UCs.
PL 3087/2022: Reduz o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque.
PEC 48/2023: Acrescenta o marco temporal no art. 231 da Constituição.
PEC 59/2023: Delega ao Congresso competência para demarcação de terras indígenas.
PL 6050/2023: Flexibiliza o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas.
PL 4546/2021: Institui política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos.
PEC 03/2022: Retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos de Marinha.
PLP 254/2023: Atribui à Marinha o licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos.
PL 355/2020: Altera o Código de Mineração.
PL 3587/2023: Cria o Banco Nacional Forense de Perfis Auríferos.

Retrocesso nas leis ambientais 

A professora e pesquisadora ambiental da Cátedra Unesco Renata Clemente expressou preocupação com o avanço de propostas legislativas que visam flexibilizar as leis ambientais no Brasil. À REVISTA CENARIUM, ela destacou que tais medidas representam um retrocesso e alertou para as consequências devastadoras que podem resultar dessas mudanças.

Clemente ressaltou que o desmonte da legislação ambiental vem ocorrendo ao longo dos últimos 12 anos e o País está na contramão das necessidades impostas pela crise climática e pelo avanço iminente dos eventos extremos. Para a pesquisadora, a aprovação de todos esses projetos levará o mundo à impossibilidade de enfrentamento às mudanças climáticas.

“Eu enxergo a flexibilização do licenciamento ambiental e do estudo de impacto, como sendo a mais danosa. Se é que dá para dizer qual é a pior, pois todas as atividades poluidoras e que possuem grandes impactos, vão ficar sem qualquer controle do Estado! Se com essas leis em vigor já acontecem grandes desastres, imagina só com essas flexibilizações?!”, questionou.

A pesquisadora alertou para o impacto desproporcional que as mudanças terão sobre comunidades tradicionais, povos indígenas e populações menos favorecidas, evidenciando o fenômeno do racismo ambiental. Ela destacou, ainda, que o aumento do desmatamento e da violência contra esses grupos será inevitável caso tais propostas sejam aprovadas.

“Todas as nossas atitudes, hoje, vão impactar diretamente no futuro do nosso planeta! Não podemos deixar essa luta só para quem está na linha de frente, a luta é de todos! O Brasil é um dos países que mais mata ativista ambiental no mundo, e creio que o desafio é sensibilizar e levar essa compreensão para quem ainda não está envolvido”, comentou Renata Clemente.

Impactos na Amazônia 

Dizer que a Amazônia é o pulmão do mundo caiu em desuso, há algum tempo, mas é verdade que a região possui um papel crucial na regulação do clima global e na manutenção da biodiversidade e, por isso, o desmatamento e a degradação desse bioma terão impactos significativos não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Para a pesquisadora Renata Clemente, o exemplo recente das enchentes no Rio Grande do Sul é um indicativo das consequências dessas flexibilizações do Pacote da Destruição. “O Brasil já é considerado o País que mais consome agrotóxicos no mundo. Com a grilagem, mineração e garimpo significa mais veneno em nossa mesa. O modelo de desenvolvimento do nosso País é de destruição”, afirmou.

No contexto dos povos indígenas, o Pacote da Destruição deve agravar os conflitos e violações de direitos das comunidades indígenas, colocando em risco não apenas sua sobrevivência, mas também a preservação das florestas e da biodiversidade. Para Clemente, os povos Munduruku, Kayapó e Yanomami serão os mais afetados, pois estão dentro desse território, que estão em disputa territorial.

“As propostas legislativas, como a PEC 48/2023, que estabelece um Marco Temporal para demarcação de Terras Indígenas, podem agravar os conflitos e violações de direitos das comunidades indígenas. […] E retirar esses povos de seus territórios, pode, sim, significar uma grande ameaça para a sobrevivência dessas comunidades e das florestas. […] o Marco Temporal irá ressuscitar conflitos em áreas já pacificadas com a demarcação de terras, uma vez que o marco irá fragilizar direitos que já foram conquistados”, conclui.

Ponto de não retorno

Para a advogada e especialista em política e financiamento climático Priscilla Santos, a proposição de redução da reserva legal da Amazônia de 80% para 50% levará o meio ambiente a atingir ainda mais rápido o ponto de não retorno, questão alertada por cientistas, em que a floresta amazônica perde a capacidade de funcionar como um “sumidouro” de emissões de gases do efeito estufa.

As mudanças na demarcação de Terras Indígenas (TI) também são alarmantes, podendo resultar na retomada de reservas pelo governo e na liberação de grandes empreendimentos de mineração em territórios indígenas. Outro ponto crítico é a flexibilização do licenciamento ambiental, o que abre espaço para autodeclarações dos empreendedores, sem uma avaliação criteriosa dos impactos ambientais.

“O desmonte da legislação ambiental nos penaliza não somente pelos impactos socioambientais e climáticos, mas também porque nos deixa com menos acesso a recursos de financiamento climático, que são essenciais para conseguirmos avançar na descarbonização da economia brasileira e cumprir com as nossa meta assumida através da nossa Contribuição  Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês) submetida à Convenção de Clima da ONU”, disse à reportagem.

Afrouxamento da legislação

Para o engenheiro ambiental Michael Becker Bacharelado, presidente da Nature Invest, uma das principais preocupações é a fragilização do processo de registro de agrotóxicos, com uma redução da influência de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo ele, isso pode comprometer a avaliação dos impactos dessas substâncias na saúde e no meio ambiente.

Além disso, propostas que facilitam a grilagem de terras públicas e anistiam desmatadores ilegais também estão em pauta, o que pode resultar na privatização indevida de áreas naturais e no comprometimento de programas de recuperação ambiental. “A avaliação que eu faço desse pacote, é que, sem dúvida, ele traz benefícios para poucos e problemas para muitos. Benefícios para aquelas pessoas que já possuem acesso, ou seja, a gente está falando de grileiros, por exemplo”, comentou.

O especialista também ressalta: “A questão do Licenciamento Ambiental também foi afrouxada dentro do aspecto da legislação, pelo PL 3729/2004 que está em discussão e torna o licenciamento ambiental a exceção ao invés da regra. […] Então, claro que um proprietário, um empreendedor, fazendo os licenciamentos autodeclaratórios, vai cuidar da sua situação, em particular. Mas o licenciamento ambiental está aí, também, para regular, não só o empreendimento singular, mas também para analisar o contexto daquela região como um todo”.

Crise climática no Rio Grande do Sul  

Enquanto o Rio Grande do Sul (RS) vivencia a maior catástrofe climática da história do Estado, com 450 municípios e mais de 2 milhões de pessoas afetadas, o Congresso Nacional aproveita para avançar a tramitação do “Pacote da Destruição”. A lógica de aproveitar-se de crises que exigem a atenção quase exclusiva da imprensa e da sociedade para “passar a boiada” continua, mesmo com a troca de governo federal, comandada pela Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso.

Para a advogada e pesquisadora de justiça climática Elisa Hartwig, que está in loco em meio à crise climática do RS, não deve haver qualquer sensibilização dos parlamentares em razão da crise climática vivenciada no Sul do País. Pelo contrário, o intuito é justamente aproveitar-se dessa crise para fugir do escrutínio popular.

“Tanto é esse o caso que no dia 9 de maio, em meio ao ápice da tragédia, o Congresso derrubou os vetos do presidente ao chamado “PL do Veneno”, que flexibiliza o registro de agrotóxicos no País. Em razão disso, somente a conscientização popular e a cobrança e fiscalização dos nossos representantes pode parar essa destruição”, destaca à reportagem.

Para a pesquisadora, o que se verifica tanto no caso do governo estadual do RS quanto do Congresso Nacional é um completo alinhamento do Estado com o sistema neoliberal, que passa a servir apenas para viabilizar os interesses privados, de grandes empresas e dos mercados.

Por: Raisa Araújo – Da Revista Cenarium – Editado por Adrisa De Góes – Republicação gratuita, desde que citada a fonte. AGÊNCIA CENARIUM – Entenda propostas legislativas do ‘Pacote da Destruição’ em quatro pontos – Agência Cenarium (agenciacenarium.com.br) 

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