Retorno à Lagoa Mangueira – Parte II
Bagé – SVP (26.09 a 02.10.2016)
26.09.2016 – Parti de Bagé, às 09h00, e, às 12h00, cheguei à Estação Ecológica do Taim onde, novamente, contatei o amigo Henrique Horn Ilha, chefe da Estação Ecológica (ESEC). Cheguei ao Parque Eólico de SVP, por volta das 13h00, e graças aos Engenheiros Leandro e Sá da Redram e ao amigo Mauro do Grupo Jet de SVP fiquei confortavelmente alojado no apartamento número 1, junto à Bomba 14.
27.09.2016 – Cheguei ao Farol do Albardão, depois de atravessar a Mangueira remando 11,5 km e marchando 5,8 km pelas dunas. O retorno ao acampamento decorreu sem qualquer óbice.
28.09.2016 ‒ Parti às 06h50, enfrentando suaves ventos de proa. Fiz uma parada de 30 minutos, na Bomba 20, onde encontrei o amigo Delmar.
Por volta das 13h00, uma doce calmaria prenunciava uma breve mudança na origem dos ventos. Cheguei ao Sul da Reserva do Taim, às 14h30, depois de remar 50 km, mantendo uma média de 7,1 km/h. O local em que eu previra acampar estava totalmente alagado. Durante meia hora, fiz uma sondagem nas redondezas até decidir acampar em um terreno onde diversas as aves perambulam e usavam como latrina, o cheiro era insuportável mas que remédio – era o único local seco. Eu tentara acessar, inutilmente, a margem Oriental, onde a vegetação aquática (espadana) era muito densa. Pretendo regressar amanhã, enfrentando ventos de proa de 22 km/h, segundo a previsão, para a Bomba 14, se Deus quiser e a carcaça permitir. Caso a coisa complique acamparei na Bomba 20.
29.09.2016 – O vento, conforme eu previra, rodou a partir da tarde anterior do quadrante Norte para o quadrante Sul, mais exatamente SSE – conhecido como o “Carpinteiro da Costa”. Parti, às 06h30, enfrentando ventos de 20 a 30 km/h e ondas de 1,20 m com “Três Marias” de quase 2 m. Fiz apenas duas paradas de 20 min cada. Na primeira constatei um problema no suporte do leme e tentei, emergencialmente, corrigi-lo com um extensor.
Na segunda parada (Bomba 20), troquei o suporte do leme avariado pelo reserva. O Sr. Delmar sugeriu, em virtude do avançado da hora e das condições adversas da Lagoa, que eu pernoitasse na casa do seu caseiro. Agradeci a oferta e parti, às 15h00, para o último lance, de 12 km até o acampamento na Bomba 14. Levei 03h20 (3,6 km\h) para percorrer o trecho de apenas 12 km.
O cansaço, a musculatura dorida e mãos em petição de miséria, em consequência da falta de treino, tentavam minar, sem sucesso, minha férrea determinação de cumprir o objetivo.
Quando cheguei ao acampamento, totalmente exausto e encarangado, lá me aguardava o caro amigo Mauro Souza, proprietário das terras. Eu mal conseguia falar, apresentando fortes traços de hipotermia. Desde abril eu não empunhava um remo e tentava, em vão, manter o preparo físico realizando minhas longas marchas quando as intempéries do inverno permitiam. Depois de um relaxante banho quente e muito demorado e ingerir algumas castanhas liguei o ar condicionado e me deitei, por volta da 19h30.
Relatos Hodiernos – Farol do Abardão
Ernst Schaffer (1949)
O Farol do Cemitério dos Navegantes
Em janeiro de 1948 recebi da CN ([1]) Rio a incumbência de viajar para o Rio Grande do Sul para construir no litoral em Albardão um farol com 45 m de altura junto com 4 casas para o vigia e familiares. Esse farol deveria substituir um outro com 38 m de altura construído em 1910 de tubos de aço soldados. Essa construção, devido à forte maresia no local, com pouco tempo de construção já se encontrava bastante danificada pela corrosão. Mais tarde a torre foi reforçada com 8 pilastras e a própria torre revestida com uma camada de concreto armado, mas isso também se danificou. […] O local do canteiro é um local muito isolado onde só se via areia e alguns arbustos.
Um momento diferente era o aparecimento no inverno de animais como focas e pinguins. O litoral é muito perigoso para os navegantes e por isso chamado de “Cemitério dos Navegantes”. E não é sem motivo: nos últimos 40 anos, 33 navios foram parar na praia que tem 213 km de extensão. Muito deles ainda se encontram aqui mesmo, durante a guerra muitos se transformaram em sucata.
Em abril de 1948, veio parar na praia um navio americano. No canteiro existiam 4 casas de madeira sendo que 2 delas eram habitadas pelos vigias, as outras 2 foram usadas pela equipe antes da construção do barraco. Quando finalmente nos instalamos, percebemos que com a chegada do inverno a praia ficaria intransponível, o que nos levou a iniciar imediatamente o transporte de materiais. A água era a única coisa que não seria necessário ser transportada. Um poço fornecia água tanto para o trabalho quanto para os trabalhadores. A existência de água no subsolo trouxe porém dificuldades na escavação quando se teve de manter a bomba ligada dia e noite. Uma das maiores dificuldades foi a contratação de pessoal qualificado como carpinteiros, pedreiros entre outros, e a maioria não sabia nem ler ou escrever quanto menos ter alguma noção técnica. Nós continuávamos à procura de pessoal e mesmo oferecendo um salário acima do oferecido na cidade era quase impossível trazê-los. O local era isolado e triste. Para a escavação das fundações construiu-se um anel de madeira e escavou-se a areia para fora. Foi se colocando peso sobre esse anel para que ele descesse acompanhando a escavação. O mesmo sistema foi usado nas fundações das casas. A fundação da torre estava pronta em junho, quando então demos início à construção da torre. Primeiro concretou-se cilindros com 2,6 m de cada vez, e depois da terceira concretagem iniciou-se a construção das escadas.
Nesta época começou um forte vento frio o que fez com que muitos trabalhadores fossem embora. Devido ao mau tempo frequentemente caminhões se atrasaram dias. Muitos ficaram presos na areia, e como não viesse ajuda ficavam à mercê do tempo. (SCHAFFER)
A Enchente
(Fagundes Varela)
Era alta noite. Caudaloso e tredo ([2])
Entre barrancos espumava o Rio,
Densos negrumes pelo céu rolavam,
Rugia o vento no palmar sombrio.
Triste, batido pelas águas torvas ([3])
Girava o barco na caudal corrente,
Lutava o remador ‒ e ao lado dele
Uma virgem dizia tristemente:
“Como ao rijo soprar das ventanias
Os mortos boiam sobre as águas frias!” […]
Como ao rijo soprar das ventanias
Os mortos boiam sobre as águas frias!
Súbito o barco volteou rangendo,
Tremeu em ânsia – se estorceu, recuou, –
Deu a virgem um grito – outro o barqueiro
E o lenho na voragem se afundou! […]
Por: Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 3.05.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
SCHAFFER, Ernst. O Farol do Cemitério dos Navegantes ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista CN (Christiani-Nielsen ) Post, agosto de 1949.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
- E-mail: [email protected]
[1] CN: Construtora Christiani-Nielsen. (Hiram Reis)
[2] Tredo: traiçoeiro. (Hiram Reis)
[3] Torvas: turvas. (Hiram Reis)
Nota – A equipe do Ecoamazônia esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nas postagens são de responsabilidade do (s) autor (es) e não refletem, necessariamente, a opinião deste ‘site”, são postados em respeito a pluralidade de ideias