Jornada Patriótica – 2ª Perna

– Auguste de Saint-Hilaire

Relato Pretérito ‒ Arroio São Miguel

Auguste de Saint-Hilaire (1820)

SÃO MIGUEL, 2 de outubro (1820). – Estive herborizando hoje, na Serra de São Miguel, e fiquei sobremaneira satisfeito com essa excursão. Depois de São Paulo, ainda não havia feito tão boa jornada.

Entre as plantas que encontrei, um grande número pertence à flora europeia e, embora tenha eu percorrido lugares secos e descobertos, as plantas recolhidas são, em geral, tenras e de consistência mole.

Em torno do Fortim, onde o terreno é um pouco úmido, a erva se mostra bem verde, e aí crescem muitos arbustos. Mais longe, o terreno é seco; os arbustos rareiam e, por toda parte, veem-se pedras volumosas. A serra é estreita; sua altura é a de uma colina comum e apresenta cimos arredondados, interrompidos em muitos lugares. Fui acompanhado, neste passeio, por Firmiano e de um homem a pé, por que não é desta Capitania.

O morro da Vigia, aproximadamente a uma légua do Fortim, considerado o ponto mais elevado da serra, foi o termo de nosso passeio. Neste momento pode-se avistar o Fortim, as barracas, os soldados, a estância de Ângelo Núnez, uma imensa extensão de campos e o Rio São Miguel, que descreve mil voltas na planície.

Pelo que me disseram o Capitão das guerrilhas e Ângelo Núñez, esse Rio [Arroio São Miguel] nasce no Lago dos Oulmaês, perto de Angustura, que constitui os novos limites da Capitania.

Atravessa, primeiro, terrenos pantanosos, desenha mil voltas, forma uma ilha, passa aqui e vai lançar-se na Mirim, no Pontal de São Miguel, que fica à extre­midade desse Lago, e onde podem ancorar iates.

De São Miguel à Lagoa, contam-se duas e meia léguas em linha reta. No inverno, os iates chegam até aqui, mas no verão ficam retidos à embocadura do Rio, pelas areias e uma enorme quantidade de aguapé [Pontedina]. Pescam-se, no Rio São Miguel, várias espécies de peixes, tais como pintados, jundiás e traíras.

Deixando o morro da Vigia, seguimos o caminho que vai de São Miguel à guarda de Canhada-Chica, onde estão alguns homens. Chegados à altura da estância de Ângelo Núñez, recomeçamos a atravessar os campos, e nos dirigimos para ela. Ângelo Núñez era, antes da guerra, o proprietário mais rico da região, mas tendo sido igualmente maltratado por espanhóis e portugueses, está atualmente quase arruinado.

Sob o pretexto de que tomara o partido dos seus compatriotas, seus vizinhos portugueses caíram-lhe sobre as terras, pilhando reses e até os móveis de sua casa. Uma das maiores injustiças que cometeram os portugueses, nessa guerra, foi a de terem considerado como crime de rebelião a resistência dos espanhóis. Os portugueses não agiam como aliados do Rei de Espanha; apossavam-se por conta própria do território de seus vizinhos e, consequentemente, era muito natural que estes se defendessem. Podiam ser tratados como inimigos, mas como rebeldes nunca.

De qualquer sorte, o Conde de Figueira veio ainda agravar a situação do infeliz Ângelo Núñez apoderan­do-se, em nome do Rei, do terreno onde estava situada a estância do espanhol. A intenção do Conde é de fundar, aí, uma Aldeia, e não se lhe pode negar que, sob vários aspectos, o local foi bem escolhido.

Os agricultores dos arredores daqui estão muito distantes de Capilha, para recorrerem ao Capelão que aí reside e, por conseguinte, se torna necessário construir outra igreja na península, se não se quiser ver grande parte da população perder toda a noção de religião e moral.

É igualmente bom porque, sem precisar do Rio Grande, podem sortir-se de mercadorias que lhe são necessárias, e encontrar alguns trabalhadores na vizinhança.

Numa região onde há bastante dinheiro, é preciso, a bem do comércio, proporcionar aos habitantes o meio de gastá-lo. O lugar escolhido pelo Conde para formar uma Aldeia oferece aprazível planície, cercada de colinas. É protegido pelo Fortim; não dista mais do que meia légua do Rio São Miguel, onde os iates podem chegar na estação chuvosa, nem fica mais de duas léguas e meia do pontal de São Miguel, onde se lança este mesmo Rio, que forma a extremidade da Mirim.

A aldeia ficaria sem dúvida melhor, no próprio pontal, ou às margens dor Rio São Miguel, onde passei para chegar ao Fortim, mas não puderam pensar nesses dois pontos, porquanto no inverno as águas pluviais alagam os terrenos. O local preferido pelo Conde já apresentava o inconveniente da excessiva umidade, além de outros, tais como: as águas não são potáveis e na vizinhança não se encontram outros bosques senão os que margeiam o Rio São Miguel, cuja madeira não é aproveitável para construção; mas qualquer que fosse o lugar escolhido, de Capilha até aqui, é incontestável, careceria igualmente de madeira.

Os moradores da vizinhança dizem que esta região não é bastante povoada para que a aldeia possa constituir-se dentro de poucos anos, e acrescentam que as pessoas que já procuraram terras para aí construir suas casas, sendo extremamente pobres, só podem, realmente, ter intenção de revendê-las.

Entretanto, estou convencido de que, se for construída uma igreja nesse lugar e se trouxerem um Padre, os estancieiros dos arredores aí construirão, em breve, habitações, para poderem passar os domingos e os dias de festa e, portanto, aí, se estabelecerão, dentro de pouco tempo, tavernas e, em seguida, operários e mercadores. Pretendem dar à nova aldeia o nome de Castelo Branco, que é o sobrenome do Conde. (HILAIRE)

– Voyage à Rio-Grande do Sul (Brésil)

Por: Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 27.05.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

HILAIRE, Auguste de Saint-. Viagem ao Rio Grande do Sul – Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1939.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
  • E-mail: [email protected]

Nota – A equipe do Ecoamazônia esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nas postagens são de responsabilidade do (s) autor (es) e não refletem, necessariamente, a opinião deste ‘site”, são postados em respeito a pluralidade de ideias