Despedida do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) – Parte I
Despedida
Caro amigo, meu eterno Comandante e Irmão maçom General Padilha, queridos mestres e amigos.
Meus ex-alunos me perguntaram se eu estava triste ao deixar o Velho Casarão da Várzea e eu respondi que não. Os laços da família Reis e Silva com este augusto Casarão remontam oito décadas, são eternos e transcendem quaisquer tipos de barreiras. O processo de transição, o rompimento do cordão umbilical que me ligava a esta augusta casa foi progressivamente se desfazendo aos poucos e culminou, em 2013, quando deixei a cátedra para me dedicar totalmente à pesquisa das coisas e das gentes amazônicas.
Ao empreender esta nova jornada eu levei comigo o mesmo ardor e o mesmo desprendimento que dedicara aos meus alunos, mas minha alma irrequieta buscava novos rumos, novos desafios, meu espírito ansiava por desbravar novos horizontes e dar continuidade, ainda com mais afinco, ao Projeto Desafiando o Rio-Mar que aqui nascera.
O Projeto apresentado, pela primeira vez, neste mesmo salão, em 2008, e que contou com o apoio incondicional do corpo docente não teve na época a sua importância reconhecida pelo DEP e pela DEPA. Em 2013, porém, o “Vento xucro do meu Pago” rompeu as fronteiras Rio-grandenses e resolveu arejar as instituições de ensino da Força Terrestre mostrando a todos que apenas “Remexendo a cinza quente da nossa História distante” podemos crescer como Nação e para isso temos de nos valer de pesquisadores. Nosso projeto, finalmente, passou a ser tratado como de interesse da Força Terrestre e, por isso mesmo, minha contratação como Prestador de Tarefa passou de “Professor”, para “Pesquisador”. Na época era Vice-Chefe do DECEx (antigo DEP) o meu caro amigo, colega de turma, irmão maçom e ex-aluno desta casa, Gen Antônio Hamilton Martins Mourão, hoje Comandante Militar do Sul.
Em março deste ano, ainda como membro desta instituição de ensino, concluímos nossas amazônicas jornadas ao chegar a Macapá, Capital plantada na formidável Foz do Mar Dulce. Jornada essa que, como cada uma das anteriores, reverenciou mais um grandioso vulto de nossa história, desta feita um quase desconhecido gaúcho de Jaguarão o Dr. Joaquim Caetano da Silva, herói do Contestado Franco Brasileiro. Permitam-me, por favor, uma breve consideração a respeito de meu homenageado. O Professor e Ministro Paulino José Soares de Sousa Neto, na primeira etapa do translado dos restos mortais de Joaquim Caetano, em 03.10.1953, antes dos mesmos serem enviados a Macapá, assim se pronunciou:
“Não foi ele um poderoso do mundo, nem soldado, nem desbravador de mares ou de selvas; nem capitão de indústria ou senhor de engenhos e de escravos: não cortejou a popularidade, – ao contrário –, nem exerceu o poder e, no entanto, se aqui e agora, oitenta anos depois de sua morte, de corpo presente, diante da urna que guarda seus despojos, lhe reverenciamos a memória, é que na mais pura acepção “carlyliana” do termo, ele foi um herói representativo da nacionalidade, porque, no fundo, a história dos povos é a própria história dos grandes homens que, num momento dado, neste ou naquele setor das atividades humanas, puseram a vida, o coração e a inteligência a seu serviço. Deram de si à Pátria e nisto reside toda diferença que separa os heróis dos falsos heróis, que da Pátria retiram em vez de dar, que a título de exaltá-la, se exaltam a si mesmos e fazem-na de trampolim vistoso a vaidades, cobiças e ambições”.
Cada uma de minhas amazônicas jornadas foram de puro encantamento onde naveguei e deixei-me navegar na ciclópica Bacia do Rio das Amazonas, mas como reza o velho adágio “santo de casa não faz milagre” e nosso trabalho, que sempre procuramos vincular à Força Terrestre como um todo e ao CMPA em particular, repercutiu e foi laureado, inclusive no exterior, não conseguiu conquistar o coração e mentes de alguns empedernidos companheiros. O projeto multidisciplinar que não teve maiores repercussões aqui no Velho Casarão foi abraçado de corpo e alma por estabelecimentos de ensino da serra gaúcha; no Estado do Amazonas (em Tefé, Coari e Manaus) e no Estado do Pará (em Santarém, Monte Alegre e Prainha).
Desde o início de maio deste ano, graças aos Generais Mourão e Etchegoyen integramos o Comando Militar do Sul e foi nesta condição que concluímos, mês passado, nossas jornadas pelos Mares de Dentro realizando a inédita Circunavegação da Laguna dos Patos.
Parto sem levar no convés a tristeza, mas certamente o desalento, não carrego na bagagem a saudade, pois meus ex-alunos são hoje meus amigos e alguns meus Mestres. Sigo, porém, minha nova rota preocupado com as ondas de través que tem golpeado sem cessar o casco dessa formidável instituição nas últimas décadas.
Sofri aqui alguns graves percalços, alguns gestores da educação causaram-me sérios constrangimentos tornando esta despedida menos traumática. O golpe derradeiro foi quando me proibiram de dar aulas nos finais de semana e feriados para meus alunos. Nem eu, nem meus discípulos, entendemos a irracionalidade da medida e parti para uma solução alternativa, sem contrariar a execrável ordem recebida, ministrei aulas nas residências de meus educandos. Senti, naquele momento, que estava no lugar errado, que estava incomodando os acomodados de plantão. Os valores que eu tanto cultuava estavam sendo sistematicamente olvidados e relegados a um segundo plano.
Mês passado, felizmente eu já não exercia mais nenhuma atividade no Colégio Militar, mais uma desagradável surpresa. Publiquei uma série de 12 artigos retratando a biografia de Rondon que completou seu sesquicentenário no dia 5 de maio próximo passado. Recebi dezenas de e-mails de todo país solicitando uma cópia da série completa porque, neste ou naquele estabelecimento de ensino, os verdadeiros e compromissados Mestres estavam preocupados em homenagear o maior sertanista da história da humanidade. Theodore Roosevelt que conviveu longo e angustiante período com o indômito sertanista afirmou:
“O Coronel Rondon tem, como homem, todas as virtudes de um sacerdote, é um puritano de uma perfeição inimaginável na época moderna; e, como profissional, é tamanho cientista, tão grande é o seu conjunto de conhecimentos, que se pode considerar um sábio. Quanto mais eu o conhecia e o estudava, em meio da contemplação da grandeza do Brasil, mais me firmava na ideia de que essa grandeza não era maior do que a do filho ilustre desse recanto prodigioso da Natureza”.
A mídia nacional e mesmo internacional deu a relevância merecida ao aniversário de nosso consagrado Marechal da Paz e, em consequência, achei que isto, naturalmente, deveria estar sendo feito no meu amado Colégio − descobri angustiado que não. Parece que o culto e o respeito pelos grandes heróis de nossa nacionalidade não tem mais lugar no nosso Velho Casarão. Para reforçar minha indignação posso afirmar que o próprio Rondon, um fervoroso positivista, acreditava que devíamos cultuar os mortos pelo legado que deixaram para o progresso da humanidade. O filósofo francês Augusto Comte, uma das colunas mestras da Sociologia e pai do Positivismo afirmava categoricamente que:
“Os vivos são cada vez mais necessariamente governados pelos mortos”.
Desculpem meu desabafo.
Antes de encerrar gostaria de expressar minha gratidão, primeiramente, a quatro grandes Comandantes que tive a honra e o privilégio de servir nesta casa que foram os Generais Vasconcelos e Padilha e os Coronéis Contieri e Piaggio. Cada um deles teve a compreensão, a sabedoria e, sobretudo, a coragem de me apoiar mesmo quando os Escalões Superiores obstaculizavam algumas de nossas atitudes ou iniciativas e o que é mais importante tiveram a humildade de levar em consideração a opinião dos veteranos Mestres. Como reza um provérbio chinês:
“Os sábios aprendem com os erros dos outros, os tolos com os próprios erros e os idiotas não aprendem nunca.”
Obrigado meus velhos Mestres, cuja geada do tempo já lhes branqueou o cerro, pelo exemplo de amor à causa da educação e pelas belas lições de vida. Agradeço aos amigos e amigas com os quais tive a honra e o privilégio de conviver prazerosamente nestes quinze anos.
Meus caríssimos alunos, cada lembrancinha, foto ou mensagem enviada por vocês ocupa um lugar muito especial reservado aos meus troféus. Lembro com regozijo das mensagens desesperadas pelo “Orkut” e depois pelo “Face” às vésperas das provas solicitando a resolução de um problema, dos telefonemas me cumprimentando pelo aniversário que acontece durante as férias escolares, das amáveis manifestações de carinho… São gratas recordações que levo no meu cockpit junto aos meus kits de sobrevivência. Digo a vocês que durante toda minha vida e, em especial, como oficial de engenharia, tive de aprender a superar limites, improvisar, criar e isso sempre causou irritação aos indolentes. Meus queridos alunos, jamais se acomodem ‒ incomodem, não desistam de seus projetos, persistam, sejam criativos, afastem-se da mesmice.
Tenham sempre em mente a frase “Navegar é preciso; viver não é preciso” proferida por Pompeu, o Grande. Na oportunidade Pompeu incitava seus amedrontados marinheiros a embarcar, partir para a guerra e enfrentar os inúmeros desafios dos Mares em suas frágeis naves. Os amantes das águas e os antigos argonautas tem consciência da profunda significação destas palavras. Seu verdadeiro sentido transcende o cotidiano dos mortais comuns, navegar, mais do que viver, é participar da construção da história da humanidade seja pelos feitos, descobertas ou simplesmente pela capacidade de sobrepujar desafios. Pompeu reporta que é necessário que cada um de nós, na esfera de suas atribuições, seja um protagonista e não um mero coadjuvante.
Obrigado
Por: Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 22.04.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
- E-mail: [email protected]
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