O Imbróglio do “Prince of Wales” – Parte V

Hiram Reis e Silva – O canoeiro

Libertos da Barra de Serinhãem (14.10.1855) 

– Gaspar de M. V. de Drummond

Breve Exposição Acerca dos Fatos Ocorridos Antes e Depois da Apreensão dos Africanos Efetuada na Barra de Serinhãem, em Outubro de 1855, por Gaspar de M. V. de Drummond.
Typographia Universal, Recife, 1856
Breve Exposição  

Oh turbulenta, e mordaz víbora!
Cujo agudo dente envenenado
Atassalha ([1]) a verdade pervertendo
Ainda o mais probo, e mais honrado.

No dia 11 de outubro de 1855, o Coronel Gaspar de Menezes Vasconcellos de Drummond estando gravemente enfermo no seu Engenho Trapixe, sito no Termo de Serinhãem – foi surpreendido pela voz de um indivíduo desconhecido que chegou a porta dessa sua casa térrea – e lhe disse:

Sr. Coronel, eu vinha ajustar com, V. S. para tirar um carregamento de pedras na Ilha de Sancto Aleixo, próxima da Barra de Serinhãem. 

Ao que respondeu-lhe o Coronel Menezes que não era dono dessa Ilha, a qual pertencia ao Inglês João Donneley. Então aquele indivíduo replicou:

Sr. Coronel desejo dar-lhe uma palavra em particular. 

O que animou-o à levantar-se, e ir ouvi-lo em alguma distância da mesma casa. Aí declarou-lhe esse indivíduo: que à sua consignação trazia de Angola um carregamento de africanos, e como o mesmo Coronel Menezes lhe respondesse que não podia ser-lhe destinado tão torpe, e criminoso negócio, por que nunca nele foi interessado.

O dito indivíduo, que era o Capitão, importador dos africanos perguntou-lhe se não era o Coronel João Manoel de Barros Wanderley, com quem falava, e à cuja casa havia pedido ao seu condutor Manoel Fidellis do Nascimento para o levar – e obtendo em resposta que estava falando com o Coronel Gaspar de Menezes Vasconcellos de Drummond, o qual ocupava o emprego de Delegado de Polícia daquele lugar, o mencionado Capitão ficou todo tremulo, e aterrorizado lançou-se aos pés do Coronel Menezes e exclamou – foi aquele homem [apontando para Manoel Fidellis do Nascimento] que me enganou!

Depois dessa cena, o Coronel Menezes, que desde 1849, não se achava em exercício daquela Delegacia por suas continuas e graves enfermidades, como é bem sabido, e ainda nessa mesma ocasião estava muito incomodado de saúde começou à vacilar sobre o emprego das providências mais acertadas para evitar, e apreender o contrabando, e, por isso, tratou de demorar o Capitão em sua casa enquanto mandava chamar seu filho o Dr. Antônio de Vasconcellos Menezes de Drummond, que residia no Engenho Anjo [distante quase meia légua da predita sua casa no Engenho Trapixe] para com ele tomar conselho, e direção à este respeito.

O dito seu filho não foi então encontrado em sua residência por ter ido à Villa de Serinhãem, como advogado, para audiência do respectivo Juízo Municipal, e por isso ali não apareceu durante todo esse dia 11 de outubro de 1855. Apesar dos meios empregados para tranquilizar o Capitão, e da vigilância para que ele se não evadisse, quando o Coronel Menezes o procurou, na manhã do dia 12, já não o encontrou em sua casa, com o que muito se afligiu, e então tratou de dar imediatamente todas as medidas, as quais havia demorado somente à espera do mesmo seu filho.

Nesse mesmo dia 12 de outubro de 1855, ao meio dia pouco mais ou menos tendo chegado o dito Dr., Drummond à casa de seu Pai o Coronel Menezes, depois de já haver desaparecido dali o Capitão do Palhabote ([2]), e avista da referência desses fatos que lhe fora feita buscou aconselhar a seu pai para efetuar logo a apreensão. Cedendo pois o Coronel Menezes à essas instâncias de seu filho Dr. Drummond, ergueu-se do leito em que jazia ainda mais enfermo, e prostrado pela terrível impressão resultante dessas ocorrências, assumiu a Delegacia, e passou a dar as mais prontas providências em ordem a consumar a predita apreensão.

À esta crítica situação acrescia que o única autoridade em exercício no Termo de Serinhãem era o respectivo Juiz Municipal Suplente – Dr. Manoel de Barros Wanderley, o qual estava com jurisdição plena avista do art. 8 do Decreto de 24 de Maio de·1845 [por se achar o efetivo no Recife com licença, o Dr. Theodoro Machado Freire Pereira da Silva] e era irmão legítimo do Coronel João Manoel de Barros Wanderley, consignatário do mencionado Palhabote, e por isso pessoa muito suspeita, a tal respeito.

Sendo que dos demais empregados policiais uns estavam ausentes dos seus encargos, e outros impedidos por moléstia, isto é, estava o Termo em perfeita acefalia como se evidencia do documento junto sob n° 1.

Sobreleva ainda atender que no Termo de Serinhãem não havia naquela época um só soldado; apenas existia na cidade do Rio Formoso [distante quatro léguas da Barra daquele nome] um destacamento de linha. O Coronel Menezes superou todas essas não pequenas dificuldades, concentrou todas suas forças, fez um esforço imenso para efetuar aquela apreensão, e prestar tão importante serviço ao País, salvando da escravidão perpétua aqueles infelizes africanos que estavam ameaçados de infalível escravidão.

Nesse louvável empenho o Coronel Menezes, de comum acordo com seu filho Dr. Antônio de Drummond oficiou ao Inspetor de Quarteirão da Barra de Serinhãem – Manoel Elias Salgado ordenando-lhe mui expressamente, que sem perda de tempo reunisse a maior força possível de paisanos, e com ela se fosse postar a bordo do mesmo Barco afim de evitar qualquer desembarque, e extravio.

De feito, esta força ali permaneceu durante aquela noite até a chegada de outra que na mesma ocasião requisitou ao Comandante de Destacamento, existente no Rio Formoso, declarando-lhe logo – que era para esse fim, e recomendando-lhe que dali seguisse imediatamente e com toda reserva para Barra de Serinhãem, mas que se no trajeto encontrasse algum inconveniente fosse com ele próprio entender-se no Engenho Trapixe, à qualquer hora como praticou, donde o fez partir, dando-lhe sem demora um guia, e as mais circunstanciadas e completas instruções, segundo depôs o mesmo Capitão no processo agora instaurado contra o dito Coronel Menezes, e adiante se vê no documento n° 15.

No dia seguinte, 13 de outubro de 1855, o Coronel Menezes ainda não restabelecido de sua enfermidade foi à Barra de Serinhãem em companhia do Escrivão da Delegacia, e de seu filho o Dr. Antônio de Drummond, e aí fez lavrar todos os termos da apreensão, redigir, e expedir toda correspondência oficial sobre ela ao Presidente da Província, e ao Chefe de Polícia da Província.

Cumpre porém observar que no ato de contar, e achar 162 africanos na Barra de Serinhãem foi o primeiro a declarar publicamente, que deles tinha havido roubo ou extravio pois que o Capitão lhe dissera que trazia 212 africanos, e apenas tendo morrido um na viagem, e outro ao chegar àquele porto faltavam, por conseguinte, 48.

Essa mesma circunstância o Coronel Menezes não ocultou àquelas autoridades, e antes dela fez expressa menção naquela sua comunicação, o que prova assaz, a lealdade, e lisura do seu proceder, como tudo consta dos mesmos ofícios anexos ao predito processo nos n° 2, 3 e 4.

Essa importante apreensão efetuada pelo Coronel Menezes, com tamanho sacrifício pessoal, em tão crítica emergência, e sem recursos alguns mereceu os mais subidos elogios, e agradecimentos abaixo transcritos sob n° 5, 6, e 7, do Governo Imperial, do de Inglaterra, e do Presidente da Província. […]

Recife, 9 de outubro de 1856.

O Coronel, Gaspar de Menezes Vasconcellos de Drummond. (DRUMMOND)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 05.04.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia   

DRUMMOND, Gaspar de Menezes Vasconcellos de. Breve Exposição Acerca dos Factos Ocorridos Antes e Depois da Apreensão dos Africanos: Efetuada na Barra de Serinhãem em Outubro de 1855 – Brasil – Recife, PE – Typographia Universal, 1856.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
  • E-mail: [email protected]

[1]   Atassalha: despedaça.

[2]   Palhabote: Barco de dois mastros e armação latina.

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