Dissertação defendida na pós-graduação em Diversidade Sociocultural, ofertada pelo Museu Goeldi, oferece contribuições para os campos da etnobiologia e etnoconservação com publicação de guia de primatas da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada entre os estados de Rondônia e Mato Grosso.
Agência Museu Goeldi – A caça está intimamente ligada à cultura do povo Paiter-Suruí, sendo tanto uma forma de obter alimentos e garantir a subsistência dos indígenas quanto uma estratégia para monitoramento da biodiversidade e gestão da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada na Amazônia Brasileira, entre os estados de Rondônia e do Mato Grosso. A ampliação do conhecimento e valorização dessa prática tradicional foi o objetivo da pesquisa de mestrado desenvolvida pelo biólogo Fabrício Gatagon-Surui no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Sociocultural (PPGDS), do Museu Paraense Emílio Goeldi. Um dos resultados foi a publicação do primeiro Guia de Primatas do Povo Paiter-Suruí.
A dissertação intitulada “Primatas e o povo Paiter-Suruí: Etnobiologia e etnoconservação em terras indígenas da Amazônia brasileira” foi orientada pelo pesquisador Glenn Harvey Shepard Jr. e apresenta informações sobre as espécies encontradas no território da etnia, destacando aspectos sobre os hábitos, a alimentação e as relações entre os indígenas e esses animais. Para isso, o pesquisador ressalta que foram cruciais o apoio e a participação de outros indígenas no trabalho, sobretudo dos anciões das comunidades.
“Como tenho particular e amplo interesse pelos estudos de primatas, percebi que era necessário produzir conhecimento científico em cooperação com o conhecimento tradicional, fortalecendo a importância dos territórios indígenas para a conservação da biodiversidade e especificamente dos primatas do território Paiter-Suruí”, explica Fabrício Suruí, que se tornou o primeiro etnoprimatólogo indígena formado no Brasil.
Ele conta que o interesse pela primatologia vem desde a graduação, quando realizou o levantamento dos primatas existentes em uma área florestal remanescente do município de Cacoal (RO). Posteriormente, em uma especialização, o biólogo investigou o conhecimento ecológico de jovens alunos Paiter sobre os primatas não humanos, o que, em seguida, o levou a buscar o mestrado em um programa que lhe proporcionasse uma formação interdisciplinar.
“A Etnobiologia e, consequentemente a Etnoprimatologia, surgiram na Antropologia basicamente para compreender profundamente essa relação do homem social com seu ambiente natural em que está inserido. Neste aspecto, fez muito sentido escolher o PPGDS/MPEG para desenvolver este trabalho com meu povo”, afirma. Assista o vídeo da série Pesquisadores Indígenas com Fabrício Suruí. Acesse aqui.
Guia de primatas – Além da dissertação, Fabrício Suruí elaborou um guia de bolso que ajuda na identificação e divulgação do conhecimento indígena sobre as diferentes espécies de primatas encontradas na Terra Indígena Sete de Setembro. No total, dez animais são retratados na publicação com seus nomes vulgares, científicos e na língua tupi-mondé.
Outro diferencial é a apresentação das especificidades de interação dos Paiter com cada macaco. A leitura do guia permite saber, por exemplo, que o macaco-aranha-de-cara-preta (Ateles chamek), conhecido pelos indígenas como Arime-iter, é considerado o mais importante e sagrado de todos os macacos. Sua carne pode ser consumida pela população, independente da faixa etária, enquanto que a gordura é utilizada na medicina tradicional e seus dentes e ossos são usados na produção de artesanato.
Por sua vez, o sagui-de-cabeça-preta (Mico nigriceps), conhecido pelos Paiter como Akop-lirüd, é tido como uma criatura admirável e carismática, porém nunca utilizado como fonte de alimento. De acordo com a obra, existe entre os indígenas e os saguis uma relação intrínseca fortalecida pelo hábito das mulheres criarem filhotes do Akop-lirüd, o que serve de base para o desenvolvimento do respeito e da conexão com os seres vivos na floresta.
Para a elaboração do material, Fabrício Suruí contou ainda com a colaboração de especialistas não indígenas nas áreas de mastozoologia, primatologia e ilustração científica. A ideia é publicação seja uma ferramenta educacional para as escolas indígenas, ajudando na disseminação do saber tradicional e valorizando seu papel na conservação ambiental.
“O guia de primatas é basicamente um início de trabalhos futuros relacionados à sociobiodiversidade e conservação de espécies em territórios diante das mudanças sociais e do momento atual, em que temos visto grande devastação ambiental nos últimos tempos. Logo, o guia de primatas é fundamental para a preservação do conhecimento tradicional do povo e, ao mesmo tempo, serve de material didático para jovens, estudantes e ao povo Paiter-Suruí”, declara o mestre em diversidade sociocultural. A publicação está disponível neste link.
Pesquisa integrada – As pesquisas desenvolvidas pelo PPGDS, assim como pelos PPG’s em Biodiversidade e Evolução (PPGBE) e em Botânica Tropical (PPGBot, oferecido em parceria com Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA) estarão em destaque durante a programação do I Seminário Integrado de dos Programas de Pós-Graduação do Museu Goeldi. Com o tema “Mudanças na Amazônia: Desafios e Perspectivas”, o evento ocorre de 4 a 8 de março, no Campus de Pesquisa (Av. Perimetral, nº 1901. Bairro: Terra Firme) e conta com palestras, rodas de conversa, apresentações orais e de banners e minicursos. Confira toda a programação no site.
Texto: Fabrício Queiroz – Edição: Joice Santos – Publicado por: Museu Goeldi – Pesquisa evidencia conhecimento Paiter-Suruí relacionado a primatas e à conservação da biodiversidade — Museu Paraense Emílio Goeldi (www.gov.br)