O Imbróglio do “Prince of Wales” – Parte I 

Semana Ilustrada nº 135, 12.07.1863

O naufrágio deste navio teve lugar na Costa do Albardão que compreende mais de quarenta léguas frequentadas por homens de má índole, em sua maior parte perfeitamente nomeados e ligados aos naturais do Estado Oriental que habitam as proximidades do Chuy até Castillos, conhecido pelo nome de Montonellos. Estes homens acodem às praias desde que nutrem esperanças de presas… (O MERCANTIL Nº 208)

Contrariando a ordem cronológica dos naufrágios, reportamos pormenorizadamente os funestos acontecimentos relativos ao Paquete “Rio Apa”, da Companhia Nacional de Navegação a Vapor, que soçobrou nos idos de 11 para 12.07.1887, nos capítulos anteriores, para que o leitor pudesse aquilatar os perigos daquela Costa inóspita e deserta, sujeita à ação do “Terrível Carpinteiro” e dos piratas litorâneos que saqueavam as cargas que vinham dar à praia.

– Mr. Christie

A “Questão Christie”, foi um impasse diplomático, entre o Império Brasileiro e o Britânico, que em decorrência do naufrágio do “Prince of Wales” desencadeou uma série de eventos, estimulados pela criminosa omissão de nossas autoridades que vinha represando uma grande insatisfação popular, em relação aos desmandos dos súditos britânicos que sistematicamente atentavam contra nossas leis e soberania.

O “Prince of Wales” foi o “gatilho” que precipitou esta “Questão” que ocorreu no período de 1862 e 1865, e que culminou, nos idos de 1863, com o rompimento das relações diplomáticas entre as duas nações. É importante, porém, conhecer alguns dos precedentes históricos que fomentaram a “Questão Christie”, segundo José Antônio Pimenta Bueno (1863):

− A “Questão do Pirara”, iniciada nos primórdios do século XIX e só resolvida em 1904 manteve estremecidas as relações entre os dois países em todo este período;

− A exigência do Governo Britânico à supressão do tráfico de escravos e à abolição da escravidão no Brasil (a produção nacional, graças a isso, crescia e se diversificava aumentando a competição com o comércio inglês);

− No dia 21.04.1839, vindo a barca de vapor “Especuladora” da ilha de Paquetá, próxima da capital do Império, com passageiros e famílias que tinham ido passear, como se aproximasse de um brigue inglês, para procurar a linha mais curta, a sentinela de bordo, Joseph Hain, bradou que se retirasse, e como do vapor ninguém ouvisse essa intimação indevida, fez fogo sobre os passageiros. Empregou sua bala brutal no Sr. João Soares de Bulhões, membro de uma família brasileira muito estimável, que, ferido mortalmente, poucas horas depois expirou.

− Em 09.11.1844, o Governo Brasileiro não renovou o Tratado de Comércio, de 1827, com o Império Britânico, que garantia privilégios aos comerciantes britânicos gerando grande descontentamento entre os ingleses;

− Em 08.08.1845, o Parlamento britânico, aprovou o “Slave Trade Suppression Act” ou “Aberdeen Act”, mais conhecido como “Bill Aberdeen” ([1]), que autorizava os comandantes da frota britânica a apreenderem qualquer navio suspeito de transportar escravos no Atlântico, gerando grande insatisfação na “Terra Brasilis”;

− O evento que ficou conhecido como os “Libertos da Barra de Serinhãem”, no dia 14.10.1855, em Pernambuco, envolvendo escravos africanos. O mal-entendido gerou uma nota arrogante do Encarregado de Negócios da Inglaterra no Brasil, culpando o governo brasileiro de negligência na repressão ao tráfico;

− Um oficial e tripulantes da Fragata “Emerald” envolveram-se num incidente que vitimou um guarda alfandegário no Rio de Janeiro; manipulado por Christie, o crime ficou sem julgamento;

− Entre 5 e 08.06.1861, o navio britânico “Prince of Wales” naufragou no Albardão, Costa do Rio Grande do Sul, a 87 km da Barra do Arroio Chuí, e teve, como era usual naquele ermos dos sem fim, sua mercadoria saqueada pelos piratas litorâneos que assolavam a região em busca de presas fáceis. O Sr. William Dougal Christie exigiu que o Governo Brasileiro indenizasse as perdas;

− Em 17.06.1862 o Capelão George Geoffrey Ward Clemenger, o Tenente John Eliot Pringle e o Guarda-marinha Geoffrey Hornby da fragata britânica “HMS Fort”, embriagados e à paisana, desacataram e agrediram a guarda de um posto policial da Tijuca, no Rio de Janeiro, sendo imediatamente presos. Christie exigiu a demissão dos policiais envolvidos na prisão dos militares ingleses, além de continuar exigindo a imediata indenização da carga roubada do navio “Prince of Wales”;

− Como o governo brasileiro não atendesse as exigências do ensandecido representante britânico, este ordenou ao Almirante inglês Warren que os navios de guerra britânicos aprisionassem as naus brasileiras no porto do Rio de Janeiro;

− Em 1863, Dom Pedro II determinou o pagamento, “sob protesto”, da carga roubada do “Prince of Walles”, exigindo, porém, um pedido de desculpas oficial por parte dos britânicos em relação ao apresamento de navios brasileiros. Diante da negativa britânica, o Império rompeu as relações diplomáticas com o governo de S.M.B.

− Em 1865, o governo de S.M.B., finalmente, apresentou desculpas oficiais ao governo brasileiro que, só então, reatou as relações diplomáticas com os britânicos. (PIMENTA BUENO)

O Desvairado William Dougal Christie 

Para melhor entendermos esta Questão, é importante conhecer a vida pregressa de seu mentor intelectual, uma figura insana que jamais poderia ter sido nomeada para um cargo tão importante como o de Ministro de S.M.B. na Corte do Império do Brasil.

Renato Firmino Maia de Mendonça, na sua obra “Um Diplomata na Corte de Inglaterra – o Barão do Penedo e sua Época” relata-nos no capítulo “A Questão Christie”, as tresloucadas atitudes do Sr. William Dougal Christie:

Quando Mr. Christie partia para o Brasil como enviado diplomático de S. M. britânica, não o precedeu muito boa fama. Carvalho Moreira informava com exatidão sobre a personalidade do novo Ministro, “extraordinário indivíduo, que aprendeu a diplomacia no Território de Mosquito” ([2]).

De fato, Mr. Christie fora acreditado naquelas paragens meio perdidas da América Central, onde deu muito que falar. Seu temperamento cheio de suscetibilidades molestava-se com facilidade.

Pela primeira vez foi visitar a princesa herdeira, que estava em Petrópolis, com trajes não protocolares.

Os comentários e chistes chegaram a Londres, de onde Mr. Clark, correspondente do Jornal do Comércio, fez uma crônica divertida para o Rio. Mr. Christie não deixa passar em silêncio o episódio ridículo. Escreve uma carta ao conselheiro Sinimbu, Ministro de Estrangeiros, reclamando contra o artiguete. Sabia que Mr. Clark era empregado pago da Legação brasileira e amigo de Carvalho Moreira.

Na sua resposta, Sinimbu claramente rejeita a insinuação. O caráter do Ministro brasileiro era muito reconhecido e teria empregado todos os esforços para evitar a lamentável publicação…

Esse pequeno incidente, em outubro de 1860, não constituía bom agouro para o recém-chegado. A missão, de que estava investido, requeria todas as simpatias a seu favor, tanto do Governo como da imprensa.

A honra do Brasil vale tanto como a honra da Inglaterra, e ante uma agressão violenta não se curva o seu justo orgulho nem mesmo ao imenso poder da soberba Albion. A recusa altanada de uma satisfação a que tem direito, responde o Brasil quebrando as suas relações com a Inglaterra. O Governo já se achava de atalaia. Moreira havia sumariado a situação numa carta a Sinimbu:

Para ab-rogar o “Bill Aberdeen” fala-se de um Tratado de Comércio, mas só não o queremos; propõe-se uma Convenção para julgar as proclamações por motivo de presas por meio de uma corte mista, com sede no Rio; apenas se começa a executá-la, é suspensa escandalosamente e sob pretextos frívolos; no mesmo tempo se expede essa raposa de Christie para atormentar-nos com a abertura do Amazonas, a solução da questão dos direitos da nacionalidade e de funções consulares…

Essas as condições da política internacional nos começos de 1860. A vergonha nacional da escravatura fornecia um motivo sempre doloroso e atual para invectivações ([3]) e censuras da Legação britânica no Rio. Para atender às reclamações que continuamente surgiam entre o Brasil e a Grã-Bretanha concordaram os dois países na assinatura de uma Convenção, a 2 de junho de 1858.

Mal a comissão mista criada pela Convenção iniciou suas funções, foi interrompida por uma nota de Mr. Christie ao Governo brasileiro, solicitando a retirada do representante inglês. Confirmavam-se as informações de Moreira. A “raposa velha” fora mandada para atormentar e, ansiosa no seu objetivo de fazer carreira, pretendia levar tudo a ferro e fogo.

É quando naufraga, em ponto deserto da Costa gaúcha, a barca inglesa “Prince of Wales”. O cônsul britânico referia à Legação que a carga fora pilhada e havia suspeita até do assassínio de alguns tripulantes. Mr. Christie dirige uma nota áspera à chancelaria brasileira, pedindo inquérito. A apuração demonstrou que alguns caixões atirados pelas ondas sobre a praia, tinham sido roubados.

Mas de assassinato nem vestígio. Quanto ao roubo, fora obra de malfeitores refugiados no Uruguai e cuja extradição se achava pedida. Antes da resposta decisiva, Mr. Christie exigiu a presença de um agente britânico no processo e gritou por uma indenização. O acaso favorecia os intuitos belicosos do diplomata treinado na terra do mosquito. Sem estar resolvido o incidente, aparece outro.

Três oficiais da marinha de guerra britânica tinham baixado da fragata “Fort”, à paisana. Em seguida se meteram num pileque profundo e resolveram desafiar um posto policial inteiro. Naturalmente passaram a noite num xadrez. Logo que foram reclamados pelo Vice-almirante inglês tiveram liberdade imediata e sem instauração de processo. Mr. Christie não podia perder ocasião de ameaçar. Queria fazer carreira e o seu comportamento irascível combinava com a ação necessária no momento.

O objetivo do Governo inglês – já observara Moreira na sua carta a Sinimbu – era arrancar-nos um Tratado de Comércio. Um Tratado de colonato, nos moldes dos anteriores conseguidos no velho reino, com tarifas escandalosamente preferenciais.

E se ameaçar com o “Bill Aberdeen” já não dava resultado, convinha buscar outra saída. Essa aparecia agora caolhamente, a Mr. Christie.

Entre o naufrágio da “Prince of Wales” em junho de 1861 e a prisão dos oficiais da “Fort” no mês de junho seguinte, mediava exatamente um ano, pretexto excelente para um ultimato.

Em 05.12.1862, o sucessor de Sinimbu na pasta de Estrangeiros, o Marquês de Abrantes, vem receber o ultimato de Christie. Indenização por ele arbitrada para o roubo da carga, solução para o primeiro incidente.

– Marquês de Abrantes

Castigo rigoroso da sentinela insultada pelos oficiais ingleses, demissão do alferes que os prendeu, censura ao chefe de polícia da corte e seu substituto, além de plena satisfação pelo ultraje – tal o meio de resolver o segundo incidente. O ultimato expirou a 20 de dezembro e a 31 era bloqueado ao pavilhão nacional o porto do Rio pelos navios de guerra britânicos. Cinco embarcações brasileiras apresadas e transportadas para a baía das Palmas, em águas territoriais. A nave capitânia ficava dentro do porto, ameaçando desembarque de parte da guarnição.

A afronta causou a maior irritação vista na população da Corte. Impossível conter o furor contra os comerciantes, o consulado e a Legação britânicas. A polícia teve de recorrer à tropa de linha.

Com sorriso amarelo nos lábios, Mr. Christie não esperava tal reação e achou mais prudente declarar que aceitava o arbitramento nos dois incidentes.

A dignidade do Império pareceu a Abrantes diminuída com um arbitramento por cargas roubadas. Preferiu pagar sob protestos as três mil e duzentas libras exigidas por Mr. Christie. Aceitou, porém, a solução arbitral para o outro caso, que foi submetido a Leopoldo I, da Bélgica.

Cabia agora a palavra ao Ministro brasileiro em Londres. Ia precisar agir com o sangue-frio, que não soubera ter um inglês. Dirigindo o “Foreign Office”, estava Lorde John Russell, que se inspirava na política de defesa à “outrance” ([4]) dos interesses britânicos, tão alardeada pelo primeiro-ministro. As duas notas de Carvalho Moreira ao Conde Russell mostram um modelo raro na época, pela perfeição do seu estilo diplomático.

Na primeira de 05.05.1863, começa declarando:

que a intenção do Governo Imperial não é reabrir uma questão, que deu lugar a uma profunda diferença de opinião entre os dois governos,

mas chama a atenção para o modo por que foram executadas as represálias no Rio de Janeiro.

Depois de recapitular as demonstrações de força naval realizadas no porto da capital, fatos notórios, “considerados atos de guerra”, verdadeira “ofensa gratuita”, analisa as circunstâncias em que se deram, assumindo “o caráter de agressão” aos brios da nação brasileira.

O dano moral não viera sem fortes perdas materiais para a propriedade de súditos brasileiros, em consequência do apresamento de cinco navios mercantes.

Não faltava polidez a um diplomata, onde se reconhecia “a ideia elevada que têm os estadistas da Inglaterra das exigências da dignidade e da honra nacional”, para atender à justiça de uma dupla reparação.

Se o Governo Imperial desejava continuar relações amigáveis com o Governo Britânico, essas não podiam existir senão “em termos honrosos para ambos os países”. Formula assim a solução satisfatória para a dificuldade presente:

Que o Governo de Sua Majestade britânica exprima seu pesar pelos fatos que acompanharam as represálias, e declare que não tivera a intenção de ofender a dignidade e de violar a soberania territorial do Império; e quanto aos danos resultantes do apresamento dos navios, que concorde o Governo Britânico em atender, mediante liquidação arbitral, à reclamação feita em favor dos interessados.

Tornava-se difícil expor mais clara e minuciosamente as pretensões mínimas do Governo brasileiro. Uma linguagem sem subterfúgios. Uma manifestação serena do ofendido contra o ofensor.

Em 18.05.1863, depois de uma demora displicente, vem a resposta de Russell, lacônica e pálida no seu teor. As represálias não tinham partido de qualquer sentimento inamistoso [any feeling unfriendly] ou fim agressivo [designs of agression] para com o Imperador do Brasil ou o território de Sua Majestade. E terminava sugerindo a Mr. de Moreira que apresentasse a expressão desses sentimentos do Governo inglês, como uma contestação suficiente e satisfatória aos quesitos formulados na nota de 5 de maio.

Nenhum pesar manifestado pelos gestos de corsário. Muito longe qualquer ideia de reparar danos causados. Bastaria, aliás, restituir as 3.200 libras recebidas no Rio por Mr. Christie… Moreira sente-se no momento mais delicado de sua carreira até então. Representante de um país ofendido, a que se nega qualquer reparação, de ordem moral ou material.

Eliminar situações vexatórias foi um programa na sua gestão em Londres. Nas relações com a Grã-Bretanha diminuiu o tom agressivo e de desconfiança, graças em parte ao seu influxo conciliador. Chegava, porém, um momento de imprimir aos acontecimentos uma feição nova, mesmo carecendo de medidas radicais. Deixar de ser cordeiro para fazer também papel de lobo.

Em sua nota, de 25.05.1863, declara desde logo a Russell que não foi dada ao Governo Imperial a reparação de esperar, por parte do Governo britânico. A recusa peremptória de atender as reclamações enunciadas só faz “agravar, se é possível, a ofensa feita ao governo do Brasil”. E insiste no seu intuito amigável quando a nota de 5 de maio mostrou uma “abstenção conciliatória no tocante às questões anteriores às represálias”, o que não justifica a reparação de agravos ulteriores recebidos – “duas coisas inteiramente diversas”.

Aludia ao naufrágio da “Prince of Wales” e à prisão dos oficiais da “Fort”, questões anteriores às represálias. Recapitula a atitude das autoridades britânicas. O bloqueio do porto do Rio de Janeiro durante uma semana. As ameaças do navio almirante no interior do porto. O desembarque premeditado de marinheiros. O cruzeiro nas águas territoriais do Império e a captura de cinco navios mercantes guardados por um vaso de guerra inglês, a pouca distância da capital… E todas essas represálias se pretenderam dominantes, “pacíficas…”

Esperava que melhor informado o Governo britânico se abstivesse “de ratificar os procedimentos exorbitantes de sua Legação no Rio de Janeiro”. Perdida essa esperança via o Governo brasileiro a recusa de uma reparação “pelos atos de violência gratuita praticados contra uma nação amiga, e que o governo britânico a nenhum preço houvera tolerado de qualquer potência do mundo”. Não lhe falta coragem para dizer alto a verdade: – “A superioridade de forças não deverá constituir um privilégio acima do direito e da justiça.” A indignação do jurista reponta nessas palavras, excitada pela realidade cruel…

Diante da recusa formal do Governo britânico em admitir as reclamações perdidas, “não podendo sujeitar-se ao peso de uma ofensa irreparada”, declara interrompidas as relações com a Grã-Bretanha.

E pede passaporte para si, sua família e todo o pessoal da Legação. Às dez horas da noite do dia 28.05.1863, Carvalho Moreira teve os passaportes em mão, deixando Londres a 4 do mês seguinte. Pela manhã fria, atravessando a Mancha, o gentleman honorário de Londres ia aplicando a si as palavras, que Corneille pôs na boca do velho pai dos Horácios:

Que vouliez-vous qu’il fît contre trois? – Qu’il mourût.

E de Paris glosava, em carta ao saudoso amigo e compadre Sinimbu, que não se considerava morto. Pelo contrário posso dizer com o nosso poeta:

A minha terra ergui, e a minha gente!

Não andava desarrazoado esse contentamento consigo mesmo, na pessoa do diplomata brasileiro que tinha podido revidar pela primeira vez uma entre as duas afrontas do Governo inglês. Tanto mais quanto a medida fora drástica e mostrava uma espinha dorsal no antigo domínio português. A interrupção das relações diplomáticas teve um efeito inédito na Inglaterra, especialmente no comércio, verdadeiramente surpreso com o desfecho.

Todos os jornais da Inglaterra, França e Alemanha publicavam a troca da correspondência entre o “Foreign Office” e a Legação em Londres, terminada pelo pedido dos passaportes. O Times perfidamente exagerava elogios à pessoa do Ministro Brasileiro, para atacar a conduta do seu governo. Lorde Derby dirigia a Moreira uma carta em 30.05.1863, convidando-o para um drink, começando por um “Regret extremely” ([5]). Lorde Russell é que “não quis jamais dar uma expressão de regret, e quanto à indenização, disse que nem tomou conhecimento”.

– Lord John Russel

Enquanto Palmerston declarava no Parlamento, referindo-se a Christie, “o seu agente e o Governo inglês são only one”, esperava Moreira ver ainda aprovada a sua conduta.

É certo que Russell declarou em conferência a Moreira ter aconselhado a Rainha Vitória a demissão de Mr. Christie. Mas o que aparecia aos olhos de toda a gente era a ovação de Palmerston, considerando o agente britânico “as a man of honour” ([6]) e chamando o Governo brasileiro de caluniador…

Moreira, no entanto, não conseguia esconder a sua inquietação. Na dúvida e na incerteza, tinha feito em meio ao atropelo da mudança um ofício ao Marquês de Abrantes. Antes já pedira a Itamaracá que comunicasse o sucedido para o Brasil, pelo primeiro paquete de Bordéus.

Agora em 06.06.1863, novamente se endereçava a Abrantes, “oferecendo para as urgências do Estado a quantia de Rs. 4:000$000, meus vencimentos de um ano…”

Depois desse sacrifício no altar da Pátria, ainda reforçava sua posição junto a Sinimbu: aguardo com toda confiança que o Governo Imperial me dará, nesta ocasião, a mais solene de toda a minha vida diplomática, uma marca pública de que aprovou sem equívoco nem reserva toda a minha conduta nesta questão de honra nacional. A ocasião mais solene de toda sua vida diplomática, sim. Agora experimentava uma necessidade viva de aprovação, porque sentia haver rompido completamente com o passado, com as tradições da inércia e do abatimento em que “por longo tempo vivemos ‘vis-a-vis’ ([7]) do governo inglês”.

Renegando essa “teoria do medo pro bono pacis” ([8]), não invejava a glória dos seus adeptos. Temia, porém, qualquer vacilação do Governo Imperial em assentir cabalmente naquele gesto de energia e dignidade. No Brasil, o conselheiro Carvalho Moreira encontrava na imprensa e na opinião um apoio caloroso. Todos se sentiam vingados das insolências de Mr. Christie. E o “leão do Rio” ([9]), que foi tão requisitado nos bailes e festas da sociedade, revivia dessa vez para o grande público, a massa popular nas caricaturas dos periódicos e semanários.

O famoso Henrique Fleiuss desenhava para a Semana Ilustrada um esboço animado sobre a ruptura das relações com a potência insular. De pé, altaneiro e impecável no seu fraque, Carvalho Moreira rasgava um diploma, onde se viam escritas “relações entre Brasil e Inglaterra”. Sentado à mesa de trabalho, Lorde Russell lhe estendia, com um riso cínico, os passaportes, enquanto o leão de Albion se enroscava soberbo… “A honra do Brasil vale tanto como a honra da Inglaterra” – dístico excelente para justificar até uma declaração de guerra. O Governo Imperial não falhou na hora necessária. Mr. Christie tinha os seus passaportes, largando atrás de si uma onda de antipatias na sociedade e uma avalanche de impopularidade.

E a 29 de julho de 1864, Carvalho Moreira era agraciado com o título de Barão do Penedo, por um decreto imperial. Muitos instantes de dúvida perpassaram até esse resultado feliz. (MENDONÇA)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 27.03.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

MENDONÇA, Renato Firmino Maia de. Um diplomata na Corte de Inglaterra: o Barão do Penedo e sua Época – Brasil – Brasília, DF – Senado Federal, Conselho Editorial, 2006.  

PIMENTA BUENO. José Antônio. Direito Internacional Privado e Aplicação de Seus Princípios com Referência às Leis Particulares do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Typographia Imp. e Const. de J. Villeneuve E C., 1863.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
  • E-mail: [email protected].

 

[1]   Conde de Aberdeen: Lorde George Hamilton-Gordon.

[2]   Mosquitos: a Costa dos Mosquitos [ou Misquitos], também conhecida como Mosquítia, é uma região histórica do Caribe, formada pela costa atlântica das atuais Nicarágua e Honduras. Seu nome vem da tribo indígena local, os misquitos, e foi dominada por muito tempo pelo Reino da Grã-Bretanha. (pt.wikipedia.org)

[3]   Invectivações: acusações.

[4]   Outrance: falta de misericórdia.

[5]   Regret extremely: lamento extremamente.

[6]   As a man of honour: Como um homem de honra.

[7]   Vis-a-vis: face a face.

[8]   Pro bono pacis: para o bem da paz.

[9]   Leão do Rio: Carvalho Moreira

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