Joaquim Caetano e D. Pedro II
Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Volume 240
Rio de Janeiro, RJ – Jul/Set, 1958, n° 240
Joaquim Caetano da Silva
Contatos com D. Pedro II
(Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança)
Muito se tem escrito recentemente sobre o autor do “L’Oyapoc et l’Amazone”. Com a crescente importância econômica do Amapá, a imprensa tem relembrado o Dr. Joaquim Caetano da Silva, exaltando seu valor e o inestimável serviço prestado ao nosso país. Com muito acerto, foi apresentado à Câmara Baixa do Congresso um projeto, no qual, o esclarecido e ilustre Deputado gaúcho Flores da Cunha, solicitou verba para a construção de um imponente monumento no Amapá, que pudesse simbolizar, parcialmente, a gratidão do Brasil a um dos seus mais ilustres e esquecidos filhos. Se ao Barão do Rio Branco couberam os merecidos louros da vitória do Brasil na questão com a Guiana Francesa, que nos deu o Amapá, ao Dr. Joaquim Caetano da Silva coube, inegavelmente, o mérito de proporcionar através de sua obra, uma base irrefutável à brilhante tese do grande Chanceler. “L’Oyapoc et l’Amazone”, na época, possibilitou ao Governo Imperial agir com mais firmeza diante da crescente avidez da França, e em nossos dias simboliza e testemunha o patriotismo desinteressado dos nossos maiores.
Poucos foram os que, na época, alcançaram e compreenderam o serviço prestado pelo gaúcho de Jaguarão ao Brasil. Teve eco dentro do venerando Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, mas, nas esferas oficiais, poucos até deviam ter lido o seu trabalho. D. Pedro II o orientou e o estimulou sempre, dando-lhe, também seu auxílio nas horas mais críticas. O Imperador, após a leitura de sua brilhante memória sobre os limites do Brasil com a Guiana Francesa, em 1851, o nomeia Encarregado de Negócios, a 14.11.1851, nos Países Baixos [em 17.02.1854 foi nomeado Cônsul Geral da Holanda], a fim de poder pesquisar nos Arquivos Holandeses, esclarecendo este controvertido caso dos limites do Brasil com a Guiana Francesa.
Da Europa, o Dr. Joaquim Caetano da Silva prestava contas e mantinha ao corrente o Imperador.
Em 02.08.1857, por exemplo, dirigia a D. Pedro II, eufórica missiva, na qual participava ao seu soberano as valiosas descobertas realizadas, que viriam esclarecer, definitivamente a controvertida questão. Diz o ilustre gaúcho:
Senhor
Senhor, quando eu asseverava ao Governo Imperial que provaria terminantemente o direito do Brasil ao Oyapoc do Cabo d’Orange, acrescentava ‒ sem embargo que quaisquer aparências em contrário ‒ precisamente tinha em mira, não só os mapas alegados por França [e outros mais graves que ela esqueceu] não só o texto de Berredo, mas também, e muito especialmente a formidável declaração oficial portuguesa, que bem conhecia desde Lisboa, por um ofício dos Plenipotenciários Portugueses em Utrecht, de 04.02.1713, de que logo passei cópia ao Governo Imperial, em 01.04.1852.
Também eu, Senhor, com grande mágoa de minha alma, muito tempo conceituei irrespondível aquele papel.
Ultimamente, porém, desde o princípio de janeiro de 1856, neste, e em todos os mais pontos da tenebrosa questão do Oyapoc, foi Deus servido aluminar-me resplandecente, que, sem o mínimo receio de ilusão, protesto, Senhor, a Vossa Majestade Imperial, que este renhido pleito, movido há 160 anos, no reinado de Dom Pedro Segundo de Portugal, ficará sentenciado por nós – ao menos quanto ao direito – no reinado gloriosíssimo de Dom Pedro Segundo do Brasil. Com os mais profundos acatamentos beijo a augusta mão de V.M.I.
De V.M.I.
Feitura addictíssima.
Joaquim Caetano da Silva
Novamente no dia 06.02.1859, dirigia de Paris a seguinte interessantíssima carta a D. Pedro II, na qual temos a exata impressão da certeza do triunfo da causa do Brasil que animava seu signatário:
Senhor
Hoje mesmo tive a certeza que está nomeado pelo Governo Francês para ir tratar diplomaticamente, no Rio de Janeiro, a questão do Oyapoc, e provavelmente partirá pelo vapor de março, o Major de Engenheiros Alfred de Saint Guantin, autor da Memória que o Príncipe Napoleão mandou inserir na “Revue Coloniale” de agosto e setembro de 1858 e logo publicar avulsa. E venho deprecar ([1]) a V.M.I., Augusto Defensor Perpétuo do Brasil, que, pelo amor do Brasil, não admita sobre a pendência do Oyapoc negociação alguma, enquanto não aparecer o trabalho terminante que estou redigindo. Falta-me talento o talento preciosíssimo de escrever depressa, mas em assunto de tanta magnitude o essencial é escrever com acerto. O Governo Francês vai vendo que do meu trabalho resultará infalivelmente o triunfo do Brasil; e por isso se empenha em promover um desfecho antes da minha demonstração e longe de mim.
Se V.M.I. resolve que não pode escusar a projetada negociação, em tal caso deprecarei a V.M.I. se digne escolher-me para seu negociador.
Com o mais profundo acatamento beijo a augusta mão de V.M.I.
De V.M.I.
Feitura addictíssima.
Joaquim Caetano da Silva
Os termos firmes e convictos, nos quais se dirige ao Monarca dão-nos um quadro fiel do “trabalho terminante” que estava prestes a ser concluído.
O “triunfo do Brasil” viria somente muitos anos mais tarde, todavia acreditamos que já estas cartas do nosso notável e estudioso patrício, tenham alcançado seu alvo, permitindo outras atitudes do Governo imperial. E, quando Joaquim Caetano da Silva acabou seu trabalho sobre limites, pronunciando 26 conferências na Sociedade de Geografia de Paris, é mais uma vez D. Pedro II que o ajuda na publicação das mesmas, financiando o livro “L’Oyapoc et l’Amazone”.
Pois no ano seguinte ([2]), o Dr. Joaquim Caetano da Silva encontra-se em seriíssimas dificuldades, diante de “uma categórica repulsa do meu instante pedido”, mediante despacho do Ministério ([3]). Recusou-lhe este os meios para custear a publicação de sua obra.
Recorre então, novamente, ao seu Augusto Protetor. O apelo é comovente, deixando bem claras as dificuldades, nas quais devia-se encontrar. A carta dessesperada vem de Paris [Rue Du Chemin de Versailles, 39] com data de 23.10.1860.
Senhor
Recebi ontem, por despacho ministerial, de 21 de setembro, uma categórica repulsa do meu instante pedido de 06 de março, 06 de julho e 06 de agosto do corrente ano ([4]). Em tamanho desespero viro-me, de novo, para a augusta pessoa de Vossa Majestade Imperial, depositando em seu coração paternal esta confidência tremendíssima; que, nos termos em que me acho, nem poderei tirar da tipografia os dois volumes franceses do meu trabalho do Oyapoc… Já vê Vossa Majestade Imperial a profundidade do abismo. Pelo amor do Brasil, pelo amor da Família Imperial, pelo amor de Deus, não me deixe Vossa Majestade Imperial cair nele.
Salve-me Vossa Majestade Imperial, outra vez, e para sempre, ouvindo compassivo a esta súplica lacrimosa: valer-me a Casa Imperial com mil Libras Esterlinas, para eu ir repondo por quotas trimensais de cem Libras desde julho de 1861. Ah, Senhor! Se por este mesmo paquete se resignasse Vossa Majestade Imperial acudir-me com metade! Calado de dor, beijo a augusta mão de Vossa Majestade Imperial.
De V.M.I.
Feitura addictíssima.
Joaquim Caetano da Silva
Em 02.01.1861, pede de Paris transferência para Bruxelas, aspiração que o Imperador não satisfez. Finalmente, a 23 de julho do mesmo ano e também de Paris, escreve a D. Pedro II, pedindo desculpas por não ter enviado a S.M., a Imperatriz e às Princesas, os volumes encadernados de sua obra. Cedo, o imperador compreendeu o que significava para o Brasil a memorável obra “L’Oyapoc et l’Amazone”, pois, após uma reunião do Ministério, lança no seu diário particular, com data de 22.02.1862, a seguinte nota:
Lembrei que seria injusto e impolítico ([5]) deixar sem emprego ao Dr. Joaquim Caetano da Silva, depois da obra imponente sobre a questão Oyapoc, obra que, aliás, nenhum dos Ministros parece ter lido por inteiro.
Vemos que, na ocasião, ninguém dos Ministros se preocupava ou dava o justo valor ao grande esforço do Dr. Joaquim Caetano da Silva. No mesmo diário encontramos mais uma nota do dia 08 de março do mesmo ano, na qual D Pedro II se refere novamente ao Dr. Joaquim Caetano da Silva com as seguintes palavras:
Depois falei com o Euzébio a respeito da cerimônia do dia 25 deste mês, e com o Joaquim Caetano da Silva, a quem disse que, como indivíduo e soberano, tinha feito tudo o que posso para o bem dele e apreço de sua obra muito importante sobre o Oyapoc; mas ele lembrou-me de alguma graça que enquanto não obtivesse remuneração que lhe desse para viver e o considerasse perante o público, e eu respondi que proporia essa graça em despacho, como o fiz, constando os Ministros em que eu lhe desse a Comenda da Rosa, ou o Grau Superior ao que já tivesse na Ordem.
Sua Majestade considerava a obra “muito importante”, porém, perante a opinião pública, Joaquim Caetano da Silva queria receber “alguma graça” que fosse como recompensa ao seu esforço. De fato foi promovido de Oficial para Dignitário da I Ordem da Rosa. Seus contatos D. Pedro II demonstram quanto ambos pensavam patrioticamente. Seus esforços foram vitoriosos e, hoje, o Brasil todo deve-lhe gratidão e sua memória deve ser venerada.
Faço minhas as palavras de Sílvio Romero:
Joaquim Caetano da Silva é a glória mais doce, mais pura, mais desinteressada do Brasil. (BRAGANÇA)
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 23.02.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
REVISTA IHGB, 1958. Joaquim Caetano da Silva, Contatos com D. Pedro II – Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume 240, Julho – Setembro, 1958 (páginas 84 a 91).
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
- E-mail: [email protected].
[1] Deprecar: implorar. (Hiram Reis)
[2] Ano seguinte: 1860. (Hiram Reis)
[3] Ministério: Gabinete Ferraz. (Hiram Reis)
[4] Corrente ano: 1860. (Hiram Reis)
[5] Impolítico: descortês. (Hiram Reis)
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