Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim – Parte II 

Arroio Chuí ‒ Curva da Baleia e Foz

Relatos Pretéritos ‒ Lagoa Mirim e Arroio Chuí

Auguste de Saint-Hilaire (1820)

RIO GRANDE, 28 de agosto [1820]. – Há vários dias que o Conde Figueira deixou Rio Grande. Não pude segui-lo porque meus preparativos não estavam concluídos. Tenho o projeto de ir daqui, por água, a uma aldeia nova e muito florescente, situada junto ao Rio São Gonçalo, Canal que liga a Lagoa Mirim à dos Patos, acompanhando nessa viagem um charqueador chamado Chaves ([1]) no qual surpreendi um dos homens mais competentes da região. Entretanto, como o Sr. Chaves parece estar disposto a adiar sua partida, e como nada tenho a fazer aqui, estou em renunciar a essa excursão. […]

ESTÂNCIA DE JOSÉ CORREIA, cinco léguas, 22 de setembro [1820]. ‒ […] A uma légua de Capilha, en­contra-se o lugar chamado Taim, onde estão acam­pados alguns soldados. Outrora, Taim era o limite das divisões portuguesas. Do outro lado, os Campos Neutros [Campos Neutrais], que se estendiam numa extensão de trinta léguas, até a Estância do Chuí, onde começavam as possessões espanholas. Se for verdade o que me disseram, os Campos Neutrais foram, originariamente, povoados pelos portugueses, que, por força de um Tratado, se viram obrigados a abandonar suas possessões.

Homens pobres, vendo uma tão grande área de terras sem proprietário, sonharam aí se estabelecer, solici­tando, para isso, a posse dela aos comandantes portugueses da fronteira. Esses, para não se com­prometerem, recusaram-lhes autorização direta, mas se prontificaram a fechar os olhos a essa violação do Tratado, e recomendaram aos agricultores procura­rem entendimento com os comandantes espanhóis, que, por dinheiro, tudo consentiam. Assim foram os Campos Neutrais povoados pela segunda vez pelos portugueses. Mas, hoje, que essas terras são consideradas como parte do domínio português […]

CHUÍ, 3 de outubro [1820]. – […] O Arroio Chuí […] estabelecia, outrora, o limite dos Campos Neutrais, e aí havia uma guarda espanhola, à margem direita do Riacho. Depois que o General Lecor se apoderou de Montevidéu, o Tenente-General Manuel Marques de Sousa ficou acantonado durante mais de um ano nessa margem, com cerca de quinhentos homens. Essas tropas foram, depois, transferidas para Santa Teresa, levando consigo o material das barracas que tinham construído em Chuí: o Tenente-General pas­sou cerca de oito meses em Santa Teresa, mas nem lá nem no Chuí houve conflito algum entre ele e os espanhóis. O General Marques dependia do Capitão-General do Rio Grande, ao passo que a margem do Chuí era considerada como limite da Capitania e, somente no correr daquele ano, a fronteira avançou até Angustura.

Por um convênio difícil de compreender-se, o Conde de Figueira e o Cabildo de Montevidéu enviaram cada um à sua fronteira um oficial, para tratar dos novos limites. Esses dois homens, após combinações, recuaram a linha divisória até Angustura, que fica aproximadamente a treze léguas ao Sul do Chuí, e decidiram que ela passaria pelos banhados de Ca­nhada-Grande e São Miguel, que seguiria o Rio São Luís, até sua embocadura na Lagoa Mirim, contor­nando, em seguida, a margem Ocidental da Lagoa, a uma distância de dois tiros de canhão; passando pela embocadura do Rio Cebollatí, subindo pelas margens do Rio Jaguarão até às serras de Aceguá, atraves­sando, finalmente, o Rio Negro. […] (HILAIRE)

Domingos de A. e Silva (1865) 

Chuí [2] [Arroio do –]. Nasce em uns banhados junto ao Albardão ([3]), e deságua no Oceano Atlântico; serve de divisa entre o Império e o Estado Oriental do Uruguai. (SILVA)

– Notícia Descriptiva da Província do Rio… (Nicolào Dreys)

Nicolao Dreys (1858)

JUÍZO
SOBRE A OBRA INTITULADA
NOTÍCIA DESCRITIVA DA PROVÍNCIA DO RIO
GRANDE DE S. PEDRO DO SUL
POR NICOLÀO DREYS

A Comissão de Geografia examinou o livro publicado por Nicolào Dreys com o título de “Notícia descritiva da Província do Rio Grande do São Pedro do Sul”; e a respeito do mesmo expõe o seguinte:

O estilo do autor é em geral impróprio e empolado; e em vez de apresentar as suas descrições simples e claras, de modo que parecesse ao leitor o estar vendo os lugares descritos, pelo contrário, pelas palavras e frases de que faz uso, o guinda, e eleva tão alto, que lá se perde na região das nuvens, e fica sem entender o que leu […]

Na Parte Segunda, à página 10; depois de dar a entender a divisão de duas Lagoas distintas, com as palavras “dous mediterrâneos”, e no penúltimo parágrafo da página 21, diferenciando a Lagoa Mirim da Lagoa dos Patos; à página 22 as une, e confunde em uma: eis aqui as suas palavras ‒ “O Rio Grande não é senão o desaguadouro de uma grande Lagoa”. À página 28 diz o autor ‒ “a Lagoa Mirim comunica-se pelo Sangradouro com o Rio de São Gonçalo etc”.

–   Por este modo de expressar-se o autor considera como coisas distintas o Sangradouro e o Rio de São Gonçalo; quando em todos os mapas, e por todos os Geógrafos daqueles lugares, são designados como uma e a mesma coisa; a Lagoa Mirim não tem outro desaguadouro senão o Rio de São Gonçalo.

Pela descrição desse lugar, que ele diz que não é ‒ “nem terra nem Mar, etc.” ‒ supõe a Comissão que ele quis designar o baixio ou tabuleiro do Canguçu, que está muito ao Norte da entrada do mesmo São Gonçalo, e aonde encalham às vezes os barcos, antes de entrarem na Lagoa dos Patos; o certo é que não é nesse baixo, nem perto dele, que deságua a Lagoa Mirim, mas sim pelo São Gonçalo, que entra no Rio Grande três ou quatro léguas mais ao Sul do mesmo baixio, que é água com pouco fundo, mas não terra. […] Apesar deste, e mais defeitos, a Comissão é de parecer que a ‒ Notícia Descritiva do Rio Grande de S. Pedro do Sul, ‒ seja guardada na Biblioteca do Instituto, e recomenda mesmo a sua leitura, porque dá bastantes ideias da Província, e porque o seu estilo esquisito diverte ao leitor.

Sala das Sessões, 11.01.1840.
José Silvestre Rebello.
Dr. Lino Antônio Rabelo. (DREYS)

Domingos de Araújo e Silva (1865)

–   Arroio Chasqueiro: nasce no Município de Piratini, e lança-se na Lagoa Mirim na Latitude Sul de 32°37’30”.

–   Arroio d’El-Rei: é formado pelas águas das Lagoas do Embira e Silveira, e deságua na Lagoa Mirim na Latitude Sul de 32°57’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do RJ de 09°50’59”.

–   Arroio do Juncal: nasce nos campos da margem do Rio Jaguarão, e deságua na Margem Ocidental da Lagoa Mirim na Latitude Sul de 32°22’45” e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 10°01’29”, e ao Norte da Foz do Rio Jaguarão.

–   Arroio Grande do Herval [hoje Arroio Grande]: nasce na Serra de São João do Herval, e faz Barra na Margem Ocidental da Lagoa Mirim ao pé da Ponta Alegre na Latitude Sul de 32°19’40”.

–   Arroio São Miguel: nasce nos campos paludosos a Este dos Cerros de S. Miguel, e faz barra na extremidade Ocidental da Lagoa Mirim na Latitude Sul de 33°36’20” e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 10°25’29”, sete léguas ao Nornoroeste de Santa Tereza.

–   Ilha de Tacuarí: Ilhas da Lagoa Mirim, situadas 5 léguas abaixo da Foz do Rio Tacuarí entre 32°53’ e 32°55’ de Latitude Austral e 10°12’ e 10°25’29” de Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro; são em número, de 8, sendo 3 grandes e 5 pequenas, e todas pertencentes ao Império.

–   Lagoa da Mangueira: grande Lagoa situada en­tre o Oceano Atlântico e a Lagoa Mirim, e junto ao Albardão; deságua nesta Lagoa por um Sangra­douro conhecido com o nome de Arroio Taim, tem 18 léguas de comprimento sobre 2 de largura, e era antigamente denominada Saquarumbu.

–   Ponta Alegre: Ponta da Lagoa Mirim situada na Latitude Sul de 32°24’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 09°43’29”.

–   Ponta dos Latinos: Ponta da Lagoa Mirim situada na Latitude Sul de 32°45’ e Longitude Oeste do Meridiano do Observatório do Rio de Janeiro de 09°56’29”; fica fronteira a uma pequena Ilha.

–   Rio de São Gonçalo: sangradouro que comunica a Lagoa Mirim com a dos Patos, e cuja extensão é de 12 léguas; na sua margem Ocidental está assentada a cidade de Pelotas: é navegável em toda a sua extensão, e suas águas são sulcadas por grande número de embarcações. Foi sobre a margem esquerda deste Rio, que teve lugar o combate entre os cento e tantos bravos do valente Coronel Albano de Oliveira Bueno, e setecentos e tantos dissidentes, ficando prisioneiro o dito Coronel e o bravo Major Manoel Marques de Souza [hoje Barão de Porto Alegre]; […] (SILVA)

Dicionário Histórico e Geográfico … (Domingos de Araújo e Silva)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 12.02.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia:  

DREYS, Nicoláo. Juízo Sobre a Obra Intitulada “Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul” ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista Trimensal de História e Geografia ‒ Tomo 11 ‒ 1° Trimestre, 1858.

HILAIRE, Auguste de Saint-. Viagem ao Rio Grande do Sul – Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1939.

SILVA, Domingos de Araújo e. Dicionário Histórico e Geográfico da Província de São Pedro ou Rio Grande do Sul ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Casa dos Editores Eduardo & Henrique Laemmert, 1865.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;     

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);
  • E-mail: [email protected].

[1]   Chaves: Sr. Antonio José Gonçalves Guerra. (Hiram Reis)

[2]   Arroio Chuí: nasce no Município de Santa Vitória do Palmar e atravessa o Município do Chuí até desaguar no Oceano Atlântico junto à Barra do Chuí, Santa Vitória do Palmar. O ponto Extremo Meridional do País é a Curva da Baleia (Imagem 01) no Chuí (33°45’09” S / 53°23’22” O), 2,76 km ao Sul de sua Foz (33°45’03” S / 53°23’48” O) – Extremo Sul do litoral brasileiro. (Hiram Reis)

[3]   Albardão: tem o formato semelhante ao de uma grande albarda (sela). (Hiram Reis)

     Albarda, s. f. [do árabe albardaá] Espécie de sela feita de um pano grosseiro ou lona, cheia usualmente de palha; põe-se sobre o lombo das bestas para que a carga as não magoe, e ao mesmo tempo para equilibrá-la; prende com uma cilha (cinta) e com atafal (rabicho ‒ correia que passa sob a cauda do animal). (VIEIRA)

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