Órgão requer tomada de medidas urgentes para criação e reconhecimento de escolas indígenas das TIs Bragança Marituba e Munduruku-Takuara
Com o objetivo de zelar pelo direito à educação especial aos povos indígenas, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação e pedido de tutela de urgência para que o município de Belterra (PA) faça adequações estruturais imediatas de regularização da situação das escolas indígenas locais. A medida busca evitar a continuidade de quadro generalizado de incompatibilidade com os preceitos legais que garantem o ensino escolar diferenciado e de qualidade aos povos originários, além do pagamento de indenização a título de danos morais coletivos às comunidades das terras indígenas Bragança Marituba e Munduruku-Takuara.
A ação civil pública foi instaurada após o MPF se esforçar para resolver a situação a partir de tratativas extrajudiciais com o município paraense que, segundo o órgão, apresenta resistência injustificada em reconhecer e cadastrar as instituições localizadas nas TIs como escolas indígenas. A omissão em efetivar o direito à educação diferenciada e de qualidade às comunidades indígenas, na avaliação do órgão ministerial, tem o potencial de impedir o acesso a políticas públicas e recursos específicos, além de caracterizar “política racista que induz à invisibilidade dos povos originários”.
Em abril de 2023, o Ministério Público recomendou à Secretaria de Educação e à Prefeitura de Belterra que tomassem providências urgentes para o reconhecimento formal das escolas como educandários indígenas. O órgão destacou a necessidade um ensino cultural com notório saber, direitos étnicos, territoriais e outros que fossem essenciais para a reafirmação da identidade dos povos. Ainda solicitou a participação ativa da comunidade indígena na gestão democrática das escolas, o oferecimento de condições de infraestrutura adequadas e o regular fornecimento de merenda e transporte escolar.
No entanto, a recomendação não foi cumprida e a posterior proposta de termo de ajustamento de conduta (TAC) foi rejeitada. “O oferecimento irregular do direito fundamental ao ensino escolar indígena agravou e agrava o quadro de desigualdade histórica e estrutural contra as populações indígenas da região, fato que, por seus efeitos, se traduz em racismo institucional. O MPF abriu amplo espaço para dialogar. Na contramão dessa abertura, o município optou pelo silêncio”, destacou o procurador da República Vítor Vieira, que está à frente do caso.
Irregularidades – Na ação civil pública, o MPF destaca que o sucateamento das três escolas das TIs Bragança Marituba e Munduruku-Takuara tem prejudicado as comunidades. Disciplinas relacionadas à cultura e língua, que deveriam constar no currículo de ensino diferenciado – como Língua Materna e Saberes Indígenas – ou são ofertadas como optativas, ou sequer constam na grade curricular. A ação também destaca a precariedade na participação das comunidades no processo de construção, formação e decisão sobre a educação escolar, o que contraria a diretriz prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A falta de infraestrutura física é um dos pontos mais preocupantes. Na aldeia Marituba, os alunos frequentam as aulas em espaço improvisado, uma vez que o edifício onde funciona a escola corre risco de desmoronamento. Já em Bragança, rachaduras e problemas elétricos dificultam a permanência dos alunos no prédio. O transporte escolar disponibilizado após recomendação do MPF não presta serviço em todas as comunidades próximas, o que impede a participação de muitos alunos nas atividades escolares e contribui para a evasão escolar.
Outras violações também estão relacionadas à prestação de serviço de internet incapaz de suprir a demanda escolar, à merenda fornecida em quantidade insuficiente e à mistura de alunos em diferentes níveis de aprendizado em uma mesma turma. “Cabe ao Estado não somente garantir acesso à educação, e, no presente caso, à educação indígena, mas também garantir que essa prestação seja realizada dentro de certos parâmetros de qualidade”, afirma Vítor Vieira.
Segundo o procurador da República, o município de Belterra se omite quanto às ações de implementação de condições mínimas para a fruição de uma educação escolar indígena diferenciada e de qualidade, mesmo tendo recebido verbas da União e do estado do Pará. A ausência na prestação do direito à educação indígena diferenciada, destaca Vieira, provoca lesão a direitos extrapatrimoniais e prejudica o processo de aprendizagem das crianças e adolescentes indígenas de Belterra.
Pedidos – Considerando a possibilidade da intervenção judicial em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, conforme jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o MPF pede a concessão de tutela de urgência para que o município altere o sistema de ensino das escolas das TIs Munduruku-Takuara e Bragança Marituba, caracterizando-as como educandários indígenas; inclua as disciplinas de Língua Materna Munduruku e Ensino Cultural como obrigatórias na grade curricular das escolas, com início de oferta para o ano letivo de 2024; forneça formalmente profissionais para atuar como professores nessas disciplinas, sob o mesmo regime jurídico do magistério comum, abstendo-se de exigir formação formal específica para a contratação desses professores e de quebrar o vínculo no meio do ano ou em um ano a fim de evitar fraude ao direito de férias.
O órgão requer ainda que o ente federado não condicione a oferta de ensino ao número mínimo de alunos por turma ou junte turmas, devendo organizá-las por faixa etária e níveis de conhecimento; abstenha-se de editar qualquer ato administrativo ou legislativo que possa afetar as aldeias sem antes consultar as comunidades diretamente afetadas; regularize a oferta do transporte escolar durante todos os dias do ano letivo, sob condições seguras de uso e prestando serviço em todas as comunidades não indígenas onde existem alunos vinculados às escolas indígenas; entregue merenda escolar todos os meses letivos do ano, de forma adequada, com alimentos diversificados e respeitando o mínimo previsto em lei para compra de produtos oriundos da agricultura familiar e comunidades tradicionais.
O município também deve apresentar, em até 30 dias, plano de reestruturação educacional escolar indígena municipal, cujo conteúdo garanta instalações físicas e equipamentos adequados nas escolas indígenas de Belterra, materiais didáticos apropriados, internet de qualidade, merenda escolar suficiente, supervisão pedagógica permanente e gestão democrática e participativa, executando fielmente esse planejamento – que será fiscalizado pelo MPF, Justiça, e comunidades indígenas – além de apresentar relatórios trimestrais sobre a execução. Todos os pedidos incluem pena diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
Por fim, o Ministério Público requer a condenação do município ao pagamento de indenização a título de danos morais coletivos em favor das comunidades indígenas atingidas e das escolas, em quantia não inferior a R$ 680 mil.
Processo distribuído sob o número 1000395-98.2024.4.01.3902 para a 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Santarém/PA
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