Helmo de Freitas – Parte II

General Zeca Netto sentado à esquerda

A Estancieira “Barbuda

Helmo de Freitas, nos seus versos, fala-nos do campo, da Laguna, do Rio, de suas vivências, curiosi­dades e estórias muito particulares de sua região como esta da estancieira Dona Anna Rodrigues de Oliveira, mais conhecida como “Barbuda”.

José Custódio de Oliveira, rico estancieiro e industrial da erva mate, casado com Dona Anna, mais conhecida como a “Barbuda estancieira”, residia na Estância “El Vichadero”, no Departamento de Rio Ne­gro, Uruguai, quando resolveu se mudar para a Fazen­da dos Galpões, em Camaquã.

Dona Anna Rodrigues de Oliveira

A Dona Anninha Barbuda, sogra e tia do General José Antônio Matos Neto (o Zeca Neto), faleceu em 1917 e foi sepultada no Cemitério dos Galpões.

Nos idos de 60, o então Padre Jacó Hilgert, hoje Bispo Emérito da Diocese de Cruz Alta, empenhado na reforma da Igreja Matriz (São João Batista), solicitou aos familiares os Mármores de Carrara do túmulo da Dona Anna, garantindo, em contrapartida, que seus restos mortais seriam transferidos para o altar mor da Igreja.

Músicas de Helmo de Freitas

Divisas com Ervas e Chibo
(Helmo de Freitas – O Carijó)

Na erva da Aninha
Não tinha daninha
Era seiva da mata
Lá da Bandeirinha.

Naquele local
Da Serra do Herval
Abriu-se divisas
Pra Banda Oriental.

A barbuda estancieira
Foi a primeira
A cruzar com erva a nossa fronteira
Saia dos galpões com bruaca e surrões ([1])
Nas cangalhas de mulas
Pras embarcações. (BIS)
Da grande Laguna entrava no Oceano
Rumo aos castelhanos o barco ia navegando
No porão o símbolo da União dos pampeanos
Que Sul do Rio Grande estava exportando
Da Colônia Canária, aqui dos Pomeranos ([2])
Com a leva da erva os tamancões lourencianos
Bota feita em Pelotas tinha gosto paisano
Para fazer chibo “aja” ([3]) com os Hermanos

Que ia e voltava com cinto forrado
De onça e condor ([4]) daquele mercado
De contrabando para ter ouro cunhado
Que vinha tapado no sebo do gado. […]

Lago Verde Azul
(Helmo de Freitas – O Carijó)
2º Lugar e Música Mais Popular do 11º Reponte da Canção Crioula de São Lourenço do Sul-RS em 1995

O medo de andar “solito” ouvindo vozes e gritos
E até do barco um apito na sua imaginação
Olhos esbugalhados do moleque assustado
Olhando aquele mar bravo ora doce ora salgado
Num temporal de verão

Sem camisa na beirada, bombachita arremangada
Botou o petiço na estrada quando a areia lhe guasqueou
Sentiu um arrepio com aquele ar frio
Que o açude e o rio e as águas que ele viu
Não lhe provocou
Coqueiro e figueira nos matos e a bela Lagoa dos Patos
Oh, verdadeiro tesouro
Lago verde azul que na América do Sul
Deus botou pra bebedouro

Tempos que ainda tinha o bailado da tainha
Quando o boto vinha com gaivota em revoada
E entre outros animais no meio dos juncais
Surgiam patos baguais que hoje não se vê mais
Este símbolo da aguada

Nas noites de lua cheia a gente sentava na areia
Pra ver se ouvia a sereia entre as ondas cantando
E hoje eu volto ali no lugar em que vivi
Onde andei quando guri, me olho lagoa em ti
E me enxergo chorando.

Lago Verde Azul

Meu Rio
(Helmo de Freitas – O Carijó)
Melhor Tema Sobre Ecologia e Meio Ambiente da 1ª Sapecada da Canção Nativa de Lages-SC em 1995

Com água no meu peito
Me doendo no coração
Ao ver o desmatamento
Cabresteando a erosão.

Ao longe se vê o clarão
Do fogo queimando o mato
Tarumã, cedro e angico
Em carvão, tábua e cavaco.  

Os redemoinhos dançando
Nesta água eu quero ver
Não me matem este rio
Ao menos em quanto eu viver. 

Rio…rio…rio…rio
Que mergulhou minhas lembranças
Rio da minha infância.  

Linha, caniço e bocó
Entre os dedos as tamancas
Quantos capinchos eu vi
Se jogando das barrancas.  

No remanso a garça branca
E a moura tinha um sossego
O biguá corria na água
Na frente do cisne negro  

“De um lado eu nasci,
Do outro cresci
Deixei minha fome na pitanga,
Meu sangue na japecanga
Rio, rio que me deixou assustado
Com o meu primeiro dourado”.

Domador das Sesmarias
(Helmo de Freitas – O Carijó)
Linha de Manifestação Campeira e Troféu Calhandra de Ouro – Prêmio Máximo da 23ª Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana-RS em 1993  

Brotam campos, abrem flores
Largam os reprodutores
Pro focinho da potrada
Os buçais dos domadores 

Deixam os ranchos e os seus
Hereges, pobres plebeus
Ficam em volta aos rosários
Chinas rezando pra Deus
Dando dentada nas loncas
Entre flores de açucenas
Em garrões de rudes pés
Vão cantando as chilenas 

Travasse uma luta bruta
Entre os dois animais
Por natureza e instinto
Vencem sempre os racionais 

Com jeito de tapejara
Soprando e tapeando a cara
Volta em coxilhas morenas
Quando a noite é lua clara 

O ronco da virilha
E o ringir do arreio
Espantam os quero-queros
E se levanta o rodeio. 

Dançam entre ao vivente
Lambem bota e tirador
Os cachorros que festejam
A volta do domador.

Bilhete do “Cumpadre”
(Helmo de Freitas – O Carijó)

Compadre velho vem me visitar
Tou com saudade das nossas folia
Tira uma hora vem cá matear
“Bamo” botar a nossa prosa em dia.  

Tou te deitando estas simples linha
E desculpa a letra do “biete” ([5])
Pra te lembrar do feijão carioquinha
O fumo em corda e o milho cadete ([6]).  

Prende os cavalo na tua carroça
Vem passar Natal e Ano Novo
Traz o produto que colheu na roça
Pra fazer uns cobre aqui no povo.  

Vamos beber um vinho feito em casa
Comer um macucho ([7]) com batata assada
Botá um borrego ([8]) pra pingar na brasa
Contar proezas, mentir e dar risada.  

Meter um baile lá na bailanta ([9])
Gastar um pouco do nosso dinheiro
Marcar um xote e molhar a garganta
E enticar ([10]) com as moça do povoeiro ([11]).  

E se tu ficares até o dia seis
Têm uns ranchos pra nós visitar
Não esquece do tambor do Reis ([12])
Fiz um terno ([13]) pra nós dois cantar.

Soneto do amigo
(Vinicius de Moraes)

[…] O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…

Recado aos Amigos Distantes
(Cecília Meireles)

Meus companheiros amados,
Não vos espero nem chamo:
Porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo. […]

Não condeneis, por enquanto,
Minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
Fico vossa prisioneira.

Autobiografia
(Fernando Pessoa)

Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais. […]

Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste. […]

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 10.01.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP);  
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected]

[1]    Surrões: recipientes, feitos de. couro para transporte variado colocado, neste caso, nas cangalhas equilibradas no lombo das mulas. (Hiram Reis)

[2]    Pomeranos: imigrantes originários do Mar Bálticoque vieram para o Brasil no século passado fugindo dos horrores da guerra. (Hiram Reis)

[3]    Aja (espanhol): lá com os hermanos. (Hiram Reis)

[4]    Onça e Condor: prata e ouro contrabandeados vinham escondidos sob o sebo do gado. (Hiram Reis)

[5]    Biete: bilhete. (Hiram Reis)

[6]    “Geographia do Brasil” de Delgado de Carvalho, 1929: Cultiva-se no Brasil variedades de milho, “milho cadete”, milho amarello, milho perola, crystallino, etc. (Hiram Reis)

[7]    Macucho: porco. (Hiram Reis)

[8]    Borrego: cordeiro novo. (Hiram Reis)

[9]    Bailanta: festa popular onde se dança. (Hiram Reis)

[10]  Enticar: implicar. (Hiram Reis)

[11]  Povoeiro: habitantes de um povoado. (Hiram Reis)

[12]  Reis: a tradição dos Ternos de Reis, que celebra o Dia dos Reis Magos a cada 6 de janeiro, ainda persiste em algumas localidades do Rio Grande do Sul. (Hiram Reis)

[13]  Terno de Reis: é como são chamadas as canções, ou os pequenos grupos de músicos que as realizam, que têm como referência a história bíblica dos Três Reis Magos (Hiram Reis)  

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