Na desmesurada colocação dos seringais amazônicos, o seringueiro vive concatenado com o abrigo prodigioso da casa, enquanto o inebriante rio banha-a com toda a sua voluptuosidade e honradez. A casa abre-se imponente e dadivosa para receber as divindades das águas, das matas e do universo, e nessa divinal recepção ela acolhe prazerosamente o virtuoso e brioso lar ribeirinho.
A casa ribeirinha não escuta sons cacófatos, mas houve com benignidade os sons melodiosos dos pássaros nos concertos harmônicos dos palcos florestais, concomitante aos cantos eloquentes da mãe-d’água que acalenta e pacifica o encantatório lar. O formidável encontro dos sons provoca devaneios contagiantes que preenche o homem de paz e bem viver, abrandando a casa e suavizando a sua alma em estesia.
Quando a família adoece a casa tomba entristecida. A tristeza provoca um distanciamento entre a casa e a terra. A terra parece perder a sua fertilidade, pois sente a falta da batida dos pés do homem ribeirinho nos varadouros abertos no chão. A mãe da seringueira também sente a dor, pois escuta o choro da filha lamentando-se da ausência do seringueiro acariciando a sua pele para iniciar o corte da colha à espera do sagrado leite materno. A mãe da seringueira recorre ao pai da mata e pede por compaixão que ele ajude um lar doente a se curar. O pai da mata ordena ao vento que leve uma mensagem a uma distante colocação onde morava um benzedor. A brisa suave mensageira invade um velho tapiri e o benzedor em sonho profundo recebe a seguinte mensagem do vento: – o seu compadre está doente!
O benzedor acorda, e logo ao amanhecer do dia, ele pede ao filho mais velho que prepare o batelão e o leve até a casa do seu compadre. Ao anoitecer o batelão atraca no seringal Jerusalém, o benzedor corre apressadamente, entra na casa e encontra uma família esmaecida: o pai, a mãe e três filhos, cada um deitado em sua rede e todos em lamentável estado de exaustão. O benzedor e curandeiro acende um fogo no quintal da casa, coloca uma panela de barro no fogo com água e diversas plantas medicinais – Andiroba, Amapazeiro, Arnica, Assa-peixe, Bacaba, Cambará, Caroba e Carapanaúba – e em seguida coloca a panela dentro de casa. Ele segura um ramo de Arruda com Vassourinha, infiltra na panela, e depois esfrega o ramo na cabeça e pés de cada membro da família e começa a rezar. No amanhecer do dia vindouro a família levanta-se curada e abraçando o velho benzedor, agradece pela graça de poder continuar vivendo.
A magnitude fenomenológica dessa relevante sabedoria tradicional, infelizmente ainda continua fadada ao preconceito, a invisibilidade e ao anonimato. O benzimento como ritual de cura das enfermidades é uma singular ferramenta terapêutica que notavelmente acolhe e presta assistência, principalmente àqueles que vivem em estado de vulnerabilidade social e que não têm acesso à remédios alopáticos e à saúde pública estatal contemporânea.
POR: Marquelino Santana
FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor
Nota – A equipe do Ecoamazônia esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nas postagens são de responsabilidade do (s) autor (es) e não refletem, necessariamente, a opinião deste ‘site”, são postados em respeito a pluralidade de ideias