Em setembro deste ano, foi detectada uma mortandade de botos-vermelhos e tucuxis sem precedentes no Lago Tefé, município de Tefé, Amazonas. Desde então, mais de 150 animais mortos foram registrados na região, sendo que apenas no dia 28/09 foram contabilizados 70 indivíduos mortos. Esta situação gerou um alerta, visto que nunca havia sido registrado um evento de mortandade de golfinhos de rio dessa proporção, levando à instauração de uma operação para lidar com a emergência ambiental comandada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com apoio técnico do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e parceria de diversas outras instituições.
Além do esforço hercúleo que cada instituição parceira desempenhou no atendimento à crise ambiental e humanitária que assola Tefé e região, há outros agentes fundamentais que atuam diariamente na linha de frente da operação. Muitos não são filiados a uma grande instituição e frequentemente não são reconhecidos como peça-chave da engrenagem que permite uma operação deste porte funcionar de forma eficiente.
São eles os barqueiros, motoristas, cozinheiros, pescadores, assistentes de campo e de pesquisa e voluntários, moradores locais da cidade de Tefé. Muitos cresceram na região e há décadas percebem as mudanças ambientais que estão em curso, como as secas e cheias mais severas e a temperatura que vem aumentando. Porém, nenhum havia vivenciado uma situação como esta, onde tantos botos-vermelhos e tucuxis morreram simultaneamente. “No primeiro dia que eu ouvi dizer que estava morrendo boto, aquilo foi um susto pra mim. Me disseram que viram 18 botos mortos, depois mais 70. Isso é assustador para a gente que é aqui da região, que pela nossa experiência o boto não morre assim tão fácil”, conta Valdinei, mais conhecido como “Soldado”.
O conhecimento tradicional tem sido fundamental para compreender a situação, e este conhecimento foi implementado em estratégias de intervenção da operação. Por exemplo, para evitar a entrada de botos e tucuxis em uma área crítica do Lago Tefé, foi construída uma barreira com estacas chamada “pari”, idealizada e fixada por assistentes de campo locais e pescadores da região que se prontificaram a ajudar. “Com as nossas experiências, a gente confia que não vai mais ter mortandade de boto, estamos trabalhando para isso. Por enquanto, acho que o trabalho vai dar certo, dependendo da gente continuar monitorando pra não acontecer o que aconteceu”, afirma Bola, um dos pescadores que ajudou na montagem do pari.
Como todo o transporte pelo Lago Tefé é realizado por meio de embarcações, outra figura importante na operação é a dos barqueiros. A navegação durante uma seca muito extrema, como a que ocorre esse ano, se torna difícil e perigosa. A experiência de quem conhece a região há décadas se torna ainda mais imprescindível para que a logística flua de maneira segura e eficiente. Os barqueiros locais conhecem cada poço de água mais profundo, cada banco de areia e sabem por onde os barcos conseguem passar, minimizando o risco de encalhes. Além disso, como o lago fica bastante seco, o fluxo de embarcações se concentra em uma área estreita, aumentando o risco de colisões e salientando a importância da experiência de barqueiros locais.
Em uma operação que contou com mais de 100 pessoas, muitas delas trabalhando em campo sob condições extenuantes, parte essencial do dia a dia é a alimentação. As refeições da equipe que trabalhou no Lago Tefé foram providenciadas por uma experiente cozinheira da região, a Eliziene Padilha, conhecida como “Eli”, que todos os dias preparava o almoço para 10, 20 ou às vezes mais de 30 pessoas. Monitorar o Lago Tefé e a população local de botos e tucuxis e realizar as necropsias das carcaças são tarefas árduas, e uma boa alimentação é fundamental para a saúde da equipe e sua capacidade de trabalhar frente à crise.
Cada vez mais se reconhece a importância de comunidades locais na pesquisa, na proteção do ambiente e no manejo dos recursos naturais. Nesta operação, não foi diferente. O apoio e a experiência destes atores locais não foi sido essencial, como foi um componente vital para viabilizar toda a operação, possibilitando a resposta à emergência.
Texto: Miguel Monteiro – Instituto Mamirauá – Bastidores da Operação Emergência Botos Tefé: A participação da população local na crise ambiental (mamiraua.org.br)