BOA VISTA (RR) – Às 17h de domingo, 12, famílias de migrantes venezuelanos em situação de rua se aglomeraram no entorno da rodoviária de Boa Vista. O Terminal José Amador de Oliveira-Baton, localizado próximo aos abrigos humanitários do posto de interiorização e posto de triagem, todos da Operação Acolhida, tornou-se uma ocupação espontânea criada pelos venezuelanos.

Famílias dormem em frente à rodoviária de Boa Vista (Wenderson Cabral/Reprodução) – Republicação gratuita, desde que citada a fonte. AGÊNCIA CENARIUM

O fluxo aumentou há mais ou menos quatro meses, especificamente, na rodoviária. Desde o início do ano, o fluxo também aumentou na fronteira com a Venezuela, no município de Pacaraima. O idioma espanhol é falado por todo o canto e a situação de vulnerabilidade foi ainda mais potencializada com o fechamento de alguns abrigos na capital roraimense.

Desde 2015, imigrantes venezuelanos atravessam a fronteira por causa da crise econômica e política na Venezuela. A partir de 2018, houve agravamento da crise migratória, com reflexões nos serviços públicos, principalmente, de Boa Vista.

De acordo com informações divulgadas pelo Portal da Imigração, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em setembro de 2023 foram registradas 5.502 entradas de venezuelanos no Brasil, o que representa um aumento significativo em comparação ao mesmo período do ano anterior, quando houve a entrada de 3.577 venezuelanos. Apesar de toda a estrutura do aparato humanitário, o aumento do deslocamento forçado de milhares de venezuelanos, por Roraima, cria um desafio na prestação da assistência humanitária.

“Eles se tornam os invisíveis e indesejados” aos olhos das autoridades, encontrando-se em situação de rua por diversos motivos que vão desde a abordagem ideológica da situação da migração venezuelana até episódios de expulsão dos abrigos por violação das normas. Além disso, há aqueles que aguardam por uma vaga nos abrigos ou perderam o emprego e não conseguem arcar com o custo do aluguel”, avalia Cíntia Barbosa Barros, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI-PRI), na Universidade Federal do ABC, onde atualmente pesquisa sobre Direitos Humanos nos abrigos em Boa Vista.

Condições precárias

Boa Vista é o principal destino dos venezuelanos que chegam ao Brasil. De acordo com dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), na capital, 854 migrantes estavam em situação de rua em setembro deste ano e outros 1.313 estão ocupando prédios abandonados. Um dos que ocupam, atualmente, o entorno da Rodoviária de Boa Vista, é Yusdelys Guzmán, que chegou a Boa Vista, com os dois filhos, há 18 dias.

“A Venezuela está caótica, as empresas fechando as portas, e não há trabalho. Precisamos vir para tentar algo para os nossos familiares. Muitos dos que estão aqui chegam com as famílias e precisam de uma chance”, conta.

Há uma diversidade de serviços no entorno: vendedores ambulantes e pequenas lanchonetes servem de apoio a quem chega em Boa Vista pelo terminal rodoviário e fomentam a economia local. Muitos dos ambulantes são venezuelanos e tentam vender alguns produtos em uma saída para conseguir sobreviver na cidade. Caminhando mais um pouco, é possível ver roupas estendidas nas grades que separam a rodoviária da rua, funcionando como um varal improvisado. À noite, o local se torna um espaço para dormir.

A Operação Acolhida, coordenada pelo Exército, disponibiliza quatro abrigos, em Boa Vista, para migrantes e refugiados venezuelanos e um em Pacaraima (RR), na fronteira com o País vizinho. A taxa de ocupação dos abrigos é de 88%. Em números absolutos, a capacidade total de abrigamento é de 7.769 e, atualmente, há 6.844 venezuelanos residindo em abrigos.

A Operação Acolhida foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um trabalho pioneiro na prestação de assistência humanitária. Apesar desse reconhecimento de atuação de agências internacionais e organizações da sociedade civil, Cíntia avalia que é um desafio gerenciar o deslocamento intenso de migrantes venezuelanos que ingressam, diariamente, por Roraima, e que é preciso que haja mais atuação das três esferas governamentais.

“Para que esses resultados tenham um maior alcance, é fundamental que as demais esferas governamentais trabalhem em conjunto, uma vez que a centralização da solução das demandas apenas na Operação Acolhida demonstra uma limitação em lidar com a complexidade do fenômeno migratório. É necessário, portanto, que a governança seja multinível e que haja uma atuação solidária para solucionar a questão daqueles que se tornaram invisíveis”, acrescenta Cíntia.

Insegurança

Os impactos da ocupação de migrantes no entorno da rodoviária de Boa Vista são sentidos diariamente por servidores e comerciantes que trabalham no local e que reclamam do aumento da violência e cobram  vigilância constante e ininterrupta da Polícia Militar de Roraima (PMRR).

“O que queremos é que tenha um posto, uma guarita, um guichê ou uma sala com, pelo menos, um policial militar trabalhando todos os dias. Por aqui, passam milhares de pessoas e precisamos de um ambiente seguro para poder trabalhar em paz”, demandou o servidor à AGÊNCIA CENARIUM AMAZÔNIA sob condição de anonimato.

“Estou lá [na rodoviária] há alguns anos, mas as coisas estão piorando. Por exemplo, antes, os venezuelanos brigavam, mas não corriam para dentro da rodoviária. Agora, as brigas são na frente dos lanches, restaurantes e lojas. Tudo o que encontram pela frente, eles jogam uns nos outros. Quebram cadeiras e mesas durante o tumulto. As brigas são horríveis, porque são em bando”, contou a comerciante Josélia Alves, que trabalha no local há 13 anos.

Cobranças

As reclamações fizeram com que um grupo de 14 vereadores de Boa Vista se reunissem para tentar resolver o problema. Segundo o presidente da Câmara, vereador Genilson Costa (Solidariedade), a Casa pretende visitar a rodoviária e encaminhar um relatório da visita, ao governo federal, como forma de pressão, para que o problema seja solucionado quanto antes.

“Aqui está envolvendo toda a nossa população e, de certa forma, prejudicando quem mora aqui perto. Aqui virou uma coisa desproporcional para a nossa realidade”, destacou Genilson. Os vereadores de Boa Vista planejam ir a Brasília para cobrar, presencialmente, uma solução real do Governo Lula sobre o problema humanitário e econômico.

Oportunismo

A reação dos parlamentares, no entanto, foi qualificada como oportunista por integrantes do diretório do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em Roraima. Eles alegam que as declarações dos vereadores em relação à ocupação dos venezuelanos são oportunistas, desrespeitosas e um esforço político orquestrado para expor e estigmatizar os migrantes.

“Nós migrantes não somos um peso para Roraima, estamos nesse País porque precisamos, trabalhamos e pagamos nossos impostos como todos os brasileiros. Talvez se tivéssemos direito ao voto, os políticos nos tratariam diferente e pensariam em melhorar e sanar os problemas que sempre existiram no Estado. A migração é um direito humano e, por isso, fazemos isso devido à crise que vivemos em nossos países, em busca de um modo de vida melhor e digno, porque ninguém sai de casa, da família, do trabalho por simples capricho, no entanto, tentamos contribuir com o nosso grão de areia no Brasil, estamos também a serviço dessa nação, ainda que sejamos mal pagos e maltratados por nosso trabalho”, afirmou Jesús Contreras, membro da setorial migrante do partido em Roraima.

Sobre a violência no entorno da Rodoviária, a Polícia Militar de Roraima (PMRR) afirmou à CENARIUM que o policiamento é feito, diariamente, por meio de ronda policial em todo o bairro 13 de Setembro, onde fica o terminal. Conforme a PM, pelo fato de haver um abrigo de imigrantes próximo ao local, a segurança deve ser conduzida também pela Força Nacional e Exército, que fazem o controle de pessoas que acessam o ambiente e coíbem possíveis delitos.

Também à CENARIUM, o Governo de Roraima afirmou que tem prestado todo o apoio ao governo federal nas ações de acolhida aos venezuelanos e que pretende reforçar os programas sociais ofertados à população migrante. A Operação Acolhida e o governo federal não se manifestaram até o fechamento da matéria.

Winicyus Gonçalves – Da Agência Cenarium Amazônia – Editado por Jefferson Ramos – Revisado por Adriana Gonzaga – Republicação gratuita, desde que citada a fonte. AGÊNCIA CENARIUM – Agência Cenarium Amazônia (aamazonia.com.br)