MANAUS – A licença para exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, próximo ao Amapá, segue sem definição. O principal impasse está relacionado aos possíveis impactos nos povos indígenas da região. Embora o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tenha afirmado que terá uma resposta sobre o licenciamento para a Petrobras no início de 2024, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) afirma que a análise encontra-se parada na Fundação.

Em nota enviada à REVISTA CENARIUM, a Funai informa que o processo de licenciamento no Ibama foi iniciado em 2014, mas apenas em 16 de outubro último, o órgão solicitou a manifestação da fundação sobre os impactos nos indígenas na região.

Segundo o Ibama, a consulta à Funai é necessária devido ao sobrevoo de aeronaves em regiões com aldeias no município de Oiapoque, no extremo norte do Amapá, a 590 quilômetros da capital, Macapá, onde há grande concentração de povos indígenas.

Na nota, a Funai afirma que o Ibama recomendou o arquivamento do processo de licenciamento para a realização prévia de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) e disse que “acompanha o parecer do órgão ambiental”. A AAAS é considerada um importante instrumento técnico de planejamento econômico e ambiental, que permite uma análise mais aprofundada dos projetos de produção de gás natural e petróleo em áreas ainda não exploradas.

Segundo a Funai, o parecer prévio do Ibama apontou impacto já ocorrido nas comunidades indígenas, o qual não foi previsto no Estudo de Impacto Ambiental. “Sendo assim, faz-se necessária a realização de uma devida Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) do Componente Indígena, para só então ocorrer o detalhamento das ações de mitigação e compensação, caso viável“, concluiu em nota.

Já o Ibama afirma que deve responder no início de 2024 ao pedido da Petrobras para a exploração de petróleo na região da Foz do Amazonas. O presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, fez a afirmação nesta quarta-feira, 22, em entrevista, após reunião com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.

O presidente afirmou que ainda não há uma conclusão sobre o pedido. “O Ibama está realizando um trabalho prioritário em relação a isso e, provavelmente, no começo do ano, teremos alguma resposta relacionada a este pedido específico”, afirmou Agostinho.

Impactos

Segundo o Governo do Amapá, no Norte do estado, moram aproximadamente 10 mil indígenas que habitam 67 aldeias. A cidade de Oiapoque tem 28 mil habitantes (IBGE, estimativa 2021), dos quais um terço é indígena. O município possui três terras indígenas, com algumas aldeias localizadas nas margens da BR 156 AP Norte, que liga a capital amapaense a Oiapoque. O trecho final da rodovia atravessa cerca de 40 quilômetros da Terra Indígena Uaçá. Outras aldeias estão situadas às margens dos rios Oiapoque e Uaçá. Esse território, sujeito a fortes influências das marés, é muito sensível e possui grande importância sob a ótica da biodiversidade.

Estas comunidades são administradas pelo Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque (CCPIO). A organização informou, no início deste ano, que já havia solicitado que a Petrobras se comprometesse a seguir o Protocolo de Consulta Prévia dos Povos Indígenas do Oiapoque. O pedido foi feito em reunião do conselho, na aldeia Manga, na Terra Indígena Uaçá, no dia 13 de fevereiro. Ao fim do encontro, ficou acordado com o cacique Edmilson Oliveira, do povo Karipuna, que o CCPIO criaria um grupo de trabalho com representantes indígenas da Petrobras para acompanhamento das atividades na Foz do Amazonas.

Na ocasião, os indígenas informaram que a presença da empresa na região já começou a afetar a vida dos povos indígenas, pois a movimentação provocada pelo uso do aeroporto de Oiapoque levou à mudança de um lixão da região. O cacique Edmilson destacou a insatisfação com a mudança.

“Já estamos sofrendo impacto com a mudança do lixão da cidade para o quilômetro 21 da BR, na terra indígena. [Hoje, o lixão] está na rota dos aviões; agora vai ficar na aldeia, perto dos igarapés do Rio Curupi. É nosso berçário de peixes que sobem no verão para desova. É um impacto que já vamos sofrer”, alertou.

Já a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) se manifestou contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas em toda a região amazônica. Segundo nota emitida por lideranças indígenas, o empreendimento dessa magnitude não condiz com o discurso de valorização da Amazônia ao desrespeitar os povos que fazem parte do bioma.

“A segunda maior contribuição para o aumento do efeito estufa provém da exploração de petróleo; portanto, não há lógica em possuir um discurso de sustentabilidade e desejar ‘explorar’ recursos em detrimento da vida de toda a humanidade. Apenas preservar as florestas em pé não será suficiente para impedir que nosso planeta ultrapasse o aumento de 1,5ºC da temperatura global, acelerando a crise climática para um ponto sem retorno.”

Para o órgão, a exploração de petróleo ameaça os lençóis freáticos, devido à exposição a produtos químicos presentes no petróleo.

“A Petrobras, em vez de explorar mais uma região da Amazônia, deve seguir o caminho para uma transição energética justa, contribuindo com as metas traçadas nas cúpulas do clima. E o governo deve alinhar o discurso com a prática, principalmente no tocante à região amazônica. É uma realidade muito dura para nós, povos indígenas, que defendemos territórios com nossas vidas e prestamos um serviço climático para todo o planeta, perceber que mais uma vez somos silenciados e desrespeitados em decisões que nos afetam diretamente”, afirma a nota.

Licença

O Ministério Público Federal (MPF) informou que acompanha a emissão da licença e, em março deste ano, recomendou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que negasse a licença de exploração de petróleo no local pela Petrobras, o que acabou ocorrendo. A estatal pediu reconsideração, e o MPF recomendou novamente a negativa.

No MPF, tramitam dois inquéritos civis para apurar possíveis falhas no processo de licenciamento ambiental no qual a Petrobras solicita ao Ibama a expedição de Licença de Operação para explorar petróleo no bloco FZAM-59, na Foz do Rio Amazonas, e de licenciamento para Atividade de Perfuração Marítima no mesmo local. Inicialmente, a empresa BP Energy do Brasil era a interessada nessa exploração, e agora, a Petrobras.

Confira a íntegra da recomendação.

Riscos

Já a Petrobras defende que a margem equatorial é provavelmente a nova fronteira energética do Brasil, abrangendo cinco bacias em alto mar. O licenciamento solicitado busca verificar a presença de petróleo em alto mar (cerca de 175 km da costa do Amapá), perfurando um único poço durante cinco meses.

Segundo a estatal, a atividade de perfuração ocorrerá a mais de 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas, em uma profundidade oceânica acima de 2.800 metros, numa área que não possui registros de unidades de conservação próximas, terras indígenas, nem está localizada próxima a rios, lagos, várzeas ou sistemas de recifes.

Além disso, a empresa garante não haver impactos diretos na região que afetem os povos indígenas. “Porém, atendendo ao pedido do Ibama, a Petrobras alterou as rotas de voo e altitude das aeronaves que operam no aeroporto da região, homologado pela Anac”, informou a empresa.

Rogger Luke – Da Agência Amazônia – Editado por: Yana Lima – Revisão por: Gustavo Gilona – Republicação gratuita, desde que citada a fonte. AGÊNCIA CENARIUM – Exploração de petróleo no Amapá não tem parecer da Funai – (ver galeria de fotos)

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