Travessia da Laguna dos Patos
10 a 18 de Abril de 2011 – Parte III

Farol de Bojuru – Laguna dos Patos, RS

Partida para Bojuru (13.04.2011)

Antes de partir, fui até a Praia, acompanhado pelo professor Hélio, fotografar o Farol. Depois parti­mos, o Romeu e eu, rumo a Bojuru. Aportamos, para descansar, em um banco de areia e avistamos, ao lon­ge, o veleiro parado. O Romeu resolveu remar rapida­mente na sua direção, achando que a intenção dos tripulantes era orientar nossa progressão e servir de apoio no meio da Laguna para descanso. Ledo engano!

A nave penetrou na densa e distante bruma que se formava e sumiu no horizonte. Eu tinha alinhado a proa diretamente para a Ponta do Bojuru para diminuir a distância da remada, mas o Romeu preferiu aportar a meio caminho para esticar as pernas. Alterei a rota e aportamos em uma Praia igualmente tomada pelos ne­fastos pinheiros.

Voltamos para a água e, como o Romeu não estivesse em condições de remar diretamente para a Ponta do Bojuru, alinhei a proa para um enorme barranco ao longe. A imagem era conhecida, o Comandante Geraldo Knippling havia imortalizado a falésia e suas centenárias figueiras (figueira-branca – Ficus organensis) no seu livro: “O Guaíba e a Lagoa dos Patos”. Aportamos aos pés do magnífico monumento natural, uma área de preservação permanente, onde a natureza era soberana.

A bela e diversificada mata nativa me encantava e resolvi escalar a falésia para registrar as belas imagens das cercanias. Do alto de uma centenária figueira, consegui contatar precariamente o Coronel Pastl e informá-lo de nossa posição. As três belas figueiras de Knippling estavam sendo ameaçadas por praticantes de Rallye. As duas trilhas tangenciavam suas colossais raízes, arrancando a vegetação rasteira e acelerando a erosão, expondo, dramaticamente as raízes dos formidáveis e seculares colossos naturais.

Curiosamente os praticantes deste esporte se intitulam “amantes da natureza”. Depois do descanso, partimos para mais um “tiro” de doze quilômetros até as ruínas do Farol de Bojuru onde nos aguardava a equipe de apoio.

Farol de Bojuru (ou Bujuru)
Fonte: Carlos Altmayer Gonçalves ‒ Manotaço

O antigo Farol de Bujuru foi construído junto com os faróis de Itapuã, Cristóvão Pereira e Ponta Alegre (este último na Lagoa Mirim). Estas obras iniciaram no ano de 1858. O projeto era o mesmo, com exceção ao de Itapuã, com a diferença que Cristóvão tem 30 metros de altura e os outros 2 apenas 20 metros. Bujuru já caiu. Quando eu o conheci há cerca de 33 anos, tinha ainda a casa do faroleiro, o pátio e as figueiras; coisas que hoje não existem mais, foram comidas pelas águas. Quem passa pela ponta de Bujuru avista uma ilhota, afastada cerca de 100 metros da ponta de areia. Aquilo é a ruína do farol. Note-se que ele foi construído a cerca de 100 metros da ponta de areia, terra adentro é claro. Logo a ponta recuou perto de 200 metros ao longo destes 150 anos. (MANOTAÇO)

Farol de Bojuru
(31°29′09,3″ S / 51°25′15,3″ O)

Aportei na Ilha onde antes existira o belo Farol para tirar algumas fotos das ruínas. As pequenas figueiras resistiam estoicamente agarrando-se nos escombros. Depois das fotos, partimos rumo ao “Ana Claci” para encontrar a equipe de apoio. Combinamos que, nas proximidades da Barra Falsa do Bojuru, eu iria de precursor do veleiro fazendo a sondagem, com o remo, verificando uma rota que permitisse ao “Ana Claci” chegar em segurança ao Porto. Durante o deslo­camento, eu admirava, extasiado, a bela vegetação do Capão de Mato da Barra Falsa do Bojuru ([1]).

Depois de um percurso exaustivo em que eu usara o remo para sondar e remar ao mesmo tempo, ancoramos no Porto do engenho de arroz do Sr. Paulo Santana (31°34′19,9″S / 51°27′38,4″O) que nos recebeu gentilmente e determinou ao seu capataz que nos desse toda a atenção necessária. Como se tivéssemos combinado o horário chegou o último membro da expedição, o Tenente-Coronel PM Luís Kruger, uma lenda viva do Corpo de bombeiros do Rio Grande do Sul ‒ um recordista de salvamentos.

O Ten-Cel Kruger mal chegou e já foi fazendo uma fogueira para assar uns frangos que comprara, na cidade de Bojuru, a mando do Coronel Pastl. Depois do jantar, fomos nos instalar em uma casa do engenho que tinha como ponto alto um chuveiro com água quente.

No dia 14 de abril permanecemos em Bojuru, tendo em vista a previsão de condições meteorológicas adversas. O Ten-Cel Kruger aproveitou para pescar alguns lambaris para o almoço e depois, atendendo a um convite do Romeu, correram 8 km.

Eu e o Hélio fomos de caiaque até o Capão de Mato que nos encantara no trajeto, na Ponta do Bojuru. Desembarcamos na ponta Sul do Capão e saímos a pé para apreciar e fotografar a vegetação nativa.

Os troncos das enormes figueiras eram verda­deiros jardins suspensos, tomados por bromélias, orquídeas, fungos e líquens. O passeio, pela diversifi­cada vegetação emoldurada pelas dunas majestosas, era uma verdadeira ode ao espírito e aos sentidos humanos, descobrimos um espécime de orquídea em plena floração extemporânea, encantamo-nos com as longas barbas de bode ondulando ao vento, produzindo um maravilhoso efeito de animação nos gigantescos e estáticos troncos dos formidáveis monumentos arbó­reos ao mesmo tempo em que impunham um ar fantasmagórico a um solitário ninho de João de Barro, experimentamos a textura dos exóticos fungos e liquens e fomos envolvidos pelo inebriante aroma das flores do funcho silvestre.

Ao retornar ao Porto, um espetáculo à parte, um belo cisne-de-pescoço-preto nadava despreocupa­damente a pouco mais de 50 m de nossos caiaques.

Ponta do Bojuru – Laguna dos Patos, RS

Partida para a Ponta dos Lençóis (15.04.2011)

Às nove horas, fomos informados que a previsão de mau tempo falhara e resolvemos partir imediatamente. Novamente atuei como precursor do veleiro, executando a exaustiva e morosa sondagem.

Liberado da sondagem, partimos diretamente para a margem a Oeste de nosso deslocamento. A pedido do Romeu, fizemos a primeira parada.

Meu companheiro, que em vez de tentar recompor as energias, no dia anterior, preferira correr oito quilômetros com o Coronel Kruger apresentava nitidamente sinais de cansaço. O Romeu continuava remando lentamente, embora as ondas de través não ultrapassassem os trinta centímetros. Fizemos mais uma parada para que o Romeu me alcançasse.

Fui até o veleiro e comentei com o Coronel Pastl a respeito de minha dúvida em relação à distância em que se encontrava a tal Ponta dos Lençóis.

Fiz mais uma parada aproando diretamente para um enorme bando de flamingos ([2]) que mariscavam desatentos. Cheguei a uns 40 metros deles e os belos animais me olharam sem esboçar qualquer tipo de reação. Aportei e dirigi-me lentamente até o bando que, finalmente, levantou voo exibindo sua magnífica plumagem rosada. Infelizmente eu havia deixado a máquina fotográfica no veleiro de apoio.

Hidratados, embarcamos nos caiaques e nos deslocamos rumo ao Canal dos Gordos (31°45’56,2” S / 51°39’27,3” O) um estreito Canal de 90 cm de profundidade, localizado a SO da Lagoa Doce. Lá chegando, fui até o veleiro perguntar ao Coronel Pastl aonde atracaríamos. Nosso caro amigo informou que havia se enganado e que nosso destino (Ponta dos Lençóis) ficava a 11 milhas náuticas (19,8 km) adiante.

Informei que devido ao adiantado da hora não conseguiríamos chegar até a Ponta, mas que iríamos tentar nos aproximar o mais perto possível dela e que, antes disso precisávamos fazer uma pequena pausa para descanso. Depois da breve parada, partimos e observei preocupado que o veleiro continuava parado, mais tarde soube que eles não haviam notado nossa partida.

Entramos em uma área de pesca de camarão, os milhares de calões que suportam as redes lembravam o mastro de nosso veleiro dificultando sua identificação. A progressão, facilitada pelo vento de popa, permitia-me surfar rapidamente enquanto o Romeu lutava para dominar seu caiaque. Comecei a me preocupar, não enxergava o veleiro, de repente avistei uma luz no horizonte, achei que se tratava do mastro do “Ana Claci”, apontei a proa naquela direção e, logo em seguida, outras luzes começaram a pipocar em todos os calões.

Desisti de tentar identificar nosso barco de apoio. O Sol estava próximo do horizonte e voltei minha atenção para a margem em busca de abrigo. Identifiquei uma pequena Colônia de Pescadores e, mais além, apenas dunas de areia, decidi buscar guarida junto a eles.

Tatielly, Autor e Sr. Zé do Dedé – Estreito, RS

Comunidade de Pescadores do Estreito
(31°47’20,7” S / 51°45’19” O)

Contatei, em terra, a senhora Sabrina e perguntei se ela teria um lugar que pudéssemos pernoitar. Ela apontou para um barraco próximo e disse que, logo que o marido voltasse da pescaria, ele nos entregaria a chave do mesmo. Arrastei o meu caiaque para perto do barraco.

De repente, apareceu o Sr. José Luís Jardim da Silva (Zé do Dedé) que ajudou o Romeu a carregar o seu caiaque e disse que pernoitaríamos no seu barraco. Ofereceu-nos café e roupa seca já que nosso material estava todo no veleiro. Sua nora Tatielly Silva de Farias arrumou uma cama e cobertas para dormirmos em um barraco ao lado do deles.

Mais tarde, fomos presenteados com um saboroso prato de enormes camarões pelos amigos pescadores. Durante o jantar, o Zé apontou para umas luzes a SO, dizendo que deveriam ser nossos amigos atracados. As luzes se afastaram um pouco (soubemos, no dia seguinte, que o “Ana Claci” perdera uma das âncoras) e retornaram mais tarde.

Não estávamos em condições de arriscar uma navegação noturna até um alvo não confirmado. Depois do saboroso prato de camarão servido no jantar, fomos dormir.

No dia seguinte (16 de abril), estávamos tomando café quando o Zé avistou o veleiro passando em frente à Comunidade, o Romeu embarcou no Barco do Josué Amaral da Silva (filho do Zé) e eu montei na garupa da moto do José Luís e fomos à frente para sinalizar que estávamos por ali.

O veleiro ancorou e o Coronel Pastl subiu no barco do Josué e veio me encontrar em terra. O Coronel Pastl confirmou que eles haviam ancorado a Sudoeste da Comunidade onde tinham sofrido avarias no casco da embarcação que os forçara a passar a noite retirando água do veleiro. Precisavam retornar a Tapes para consertar o barco e nós teríamos de prosseguir sozinhos para Rio Grande.

Fomos a bordo pegar algumas roupas quentes, sacos de dormir e uma pequena barraca. Decidimos partir, no dia seguinte, diretamente para Rio Grande. De tardezinha, acompanhamos nossos amigos pescadores na sua faina diária de preparar as redes e colocar as luzes nos calões para atrair os camarões. (Continua…)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 03.11.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Barra Falsa do Bojuru: o nome de “Barra Falsa” foi dado em virtude de alguns incautos navegadores de outrora, por vezes, confundirem-na com a Barra de Rio Grande. (Sérgio Pastl)

[2] Flamingos (Phoenicopterus chilensis): animais de hábitos migratórios podem voar até 500 quilômetros por dia em busca de alimento e locais para nidificação. Botam apenas um ovo que eclode depois de 29 dias de incubação. Sua dieta compõe-se principalmente de vegetação e invertebrados aquáticos. Esses invertebrados ricos em caroteno conferem-lhes a coloração rosada.  

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