Manaus (AM) – Setembro, marcado por um inebriante cheiro de queimada e neblinas ao longo do dia, foi o segundo mês com mais focos de calor na Amazônia Legal nos últimos 25 anos. Na última segunda-feira (2), os termômetros da capital amazonense chegaram a 39,2ºC, superando um recorde de três décadas. Oito Estados amazônicos enfrentam agora a mais severa seca dos últimos 40 anos. No rio Amazonas, o nível da água está descendo cerca de de 13 a 14 centímetros diários, considerados abaixo da normalidade conforme boletim do Serviço Geológico do Brasil. Rios e igarapés desaparecem por toda parte, transformando por completo a paisagem.
O que está acontecendo com a Amazônia? Por que o clima na maior floresta tropical do mundo dá sinais de esgotamento? Se hoje, os supercomputadores podem prever com precisão as variações climáticas, por que os alertas dos pesquisadores não foram ouvidos? Para responder a essas e outras questões, a Amazônia Real procurou cientistas prestigiados da região para explicar como a ciência explica essa seca histórica. Em comum, eles alertam: vai piorar.
“A tendência é que vai se agravar, tanto no decorrer do atual evento como na frequência e intensidade de eventos desse tipo no futuro”, explica Philip Martin Fearnside, uma das maiores referências científicas da Amazônia, prêmio Nobel da Paz com a equipe do IPCC em 2007 e colunista da Amazônia Real. “É uma seca anômala, e de fato só está começando. Então ela pode ficar ainda pior”, atesta Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam e coordenadora do Mapbiomas Fogo.
O estado amazonense encontra-se em situação de “emergência ambiental” em 55 dos 62 municípios desde 30 de setembro, segundo a Defesa Civil. O governo do Amazonas instituiu a Operação Estiagem 2023 com um decreto válido por 180 dias e abrangendo os municípios em estado de emergência. No Acre, o governo estadual decretou situação de emergência nesta sexta-feira (6), por causa da “diminuição abrupta” dos rios Acre, Purus, Juruá, Tarauacá, Envira, Iaco e Moa. O Ministério da Pesca e Aquicultura, por meio do superintendente federal Paulo Ximenes, oficiou o governo de Gladson Cameli (PP) para que ele decrete situação de calamidade hídrica imediatamente.
De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o aumento da temperatura e a redução na umidade dos solos amazônicos já afetam áreas destinadas para a agricultura e a pecuária em 79 municípios, sendo 55 no Pará e 13 em Roraima.
Philip Fearnside volta ao passado para ajudar a dimensionar a gravidade da seca deste ano. Mais exatamente aos anos de 2015 e 2016, quando o mesmo fenômeno El Niño produziram cenas de destruição semelhantes às atuais, com animais morrendo dentro dos quentes rios, pobres em oxigênio. Mas o cientista alerta que, desta vez, as temperaturas estão mais altas, conforme mostram os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
“Uma mancha na parte leste do Oceano Pacífico equatorial já está bem quente, ainda mais do que foi durante o El Niño “Godzilla” de 2015-2016. Esta mancha está se alargando, chegando à região central do Pacífico, que é a região que provoca El Niños dos tipos que aconteceram em 1982-1983”, explica Fearnside. “Estes aquecimentos no Pacífico afetam principalmente a parte norte da Amazônia, mas, ao mesmo tempo, temos uma mancha de água quente no Atlântico Tropical Norte, o que implica em seca na parte sul da Amazônia, como aconteceu em 2005 e 2010.”
Por Wérica Lima
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