Jornada Pantaneira
Monumento aos Heróis – Parte I
A Revista Marítima Brasileira N° 133, de jan/fev de 1937 publicou um artigo detalhando o projeto do monumento aos Heróis de Laguna e Dourados erigido na Praça General Tibúrcio, Praia Vermelha, Bairro da Urca, Rio de Janeiro, RJ:
Revista Marítima Brasileira N° 133
Rio de Janeiro, RJ – janeiro/fevereiro de 1937
Monumento aos Heróis de Laguna e Dourados
Pelo Cap Jayme Alves de Lemos
(Da Comissão do Monumento)
I – Ligeiro Histórico
Está concluído o monumento aos Heróis de Laguna e Dourados, que é a representação da “Epopeia de Mato Grosso” no Bronze da História. Obra de arte de incontestável valor, do professor do Lyceu de Artes e Ofícios – Antônio Pinto de Mattos. Neste trabalho o artista se revela um profundo conhecedor dos segredos de sua arte. Apresentada a “maquete” em 1921, com 16 concorrentes, foi a 1ª classificada, após um julgamento rigoroso, de cujo júri era Presidente o Dr. Pandiá Calógeras, então Ministro da Guerra. Compunham a Comissão os senhores Dr. Felix Pacheco, Ministro das Relações Exteriores, Professor Souza Lima, da Escola Nacional de Belas Artes, Gen Monteiro de Barros, Comandante da Escola Militar, Capitão Norival de Lemos, Engenheiro militar e arquiteto, e como Presidente da Comissão central o atual Ten Cel Cordelino de Azevedo. O trabalho de fundição, a cargo dos irmãos Cavina, à rua Lins de Vasconcelos, 623, é digno de elogio pela competência revelada. Vejamos como nasceu a ideia da ereção do monumento. Em 1920, “O Jornal”, de 14 de junho ([1]), trouxe à baila a notícia de que os túmulos de Camisão, Antonio João e do Guia Lopes estavam em abandono e fazia um apelo à mocidade militar para que lhes colocasse uma lápide. A ideia encontrou, na mocidade da Escola Militar de Realengo, terreno fértil. Imediatamente se organiza uma comissão com o fim de angariar recursos para o fim citado. Por esta ocasião, o então 1° Tenente Pedro Cordolino Ferreira de Azevedo, professor daquele estabelecimento, rebatendo a ideia inicial, apresenta a sua e que já há muito o preocupava: em lugar de uma simples lápide, a concretização no bronze, não só dos feitos da “Retirada da Laguna e Dourados” como de toda a “Epopeia de Mato Grosso”.
Vitoriosa foi a ideia mas grande era a tarefa a realizar. São decorridos 17 anos e só quem acompanhou os trabalhos do Ten Cel Cordolino de Azevedo é que poderá avaliar quantos obstáculos, quanta indiferença teve que vencer e superar para que a sua ideia não morresse. As inúmeras comissões que teve o monumento, compostas de Cadetes, cada ano se revezavam, sempre sob a sua presidência e responsabilidade direta. Lutou, persistiu, teve confiança nos homens de bem, eis porque venceu.
Os recursos para o custeio vieram de várias fontes: das classes armadas, desde o Soldado, do Cadete até as etapas das praças do Exército, Marinha e Polícia; do povo por intermédio do extinto Congresso Nacional e Câmaras Estaduais e Municipais. Inicialmente foi cedido para local do monumento a Ponta do Calabouço, onde se lançou a pedra fundamental em 07.11.1926. Uma vez preparado o alicerce e aglomerada a parte de granito, os trabalhos foram suspensos em virtude da sua altura [26 metros] e as proximidades do Aeroporto.
A “Epopeia” esperou mais 8 [oito] anos pela nova instalação. Este atraso trouxe um prejuízo de cerca de 300 contos com os trabalhos já realizados e com o encarecimento do custo de vida. Novo local é designado, o da atual Escola Benjamin Constant à “Praça 11 de Junho”, devendo para isto ser demolida. Nova espera, os Heróis da Epopeia já haviam esperado tanto que mais algum tempo não faria mal. Entretanto, uma fase de realizações surpreende o nosso País. Imbuído pelo alto espírito de amor à classe, o atual Ministro da Guerra, Sr. General Eurico Gaspar Dutra, teve a feliz ideia de designar a Praia Vermelha para a sua ereção.
A lendária Praia Vermelha, onde outrora existiu a Escola Militar de ricas tradições, terá um marco como símbolo das excelsas aspirações da mocidade militar. Em 1903, naquele vetusto estabelecimento da Praia Vermelha, o então Major Lobo Vianna lançava a ideia de um monumento aos Heróis de Laguna. Um projeto de autoria do General Maciel de Miranda era apresentado e indicava para localização o pátio interno do Quartel General. Infelizmente nada foi feito. Uma particularidade vem enriquecer o valor histórico do monumento: é a de ter sido nele empregado o bronze de velhos canhões que defenderam a integridade da nossa Pátria nas lutas passadas e de hélices de velhos navios de guerra. O granito de que se compõe a parte arquitetônica, foi escolhido pelos competentes professores de Geologia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro: Drs. Ruy de Lima e Silva e Otthon Leonardos. A Prefeitura Municipal, por intermédio do Secretário da Aviação Engenheiro Edison Passos, deu início ao intensivo trabalho da preparação cio logradouro, no que tem sido incansável o engenheiro Francisco Ruiz.
II — Cooperação da Marinha na Epopeia
A Marinha Nacional cooperou com os seus feitos na confecção das heroicas páginas da “Epopeia de Mato Grosso”.
a) Ataque ao Forte de Coimbra.
Auxilia a defesa do Forte o “Anhambahy” Capitão Tenente Balduino de Aguiar.
b) A Retirada de Corumbá.
Uma vez resolvido o abandono do Forte é o “Anhambahy” que faz o transporte até Corumbá. Em caminho reúnem-se dois navios que iam levar auxilio ao Forte e com eles chega à Corumbá em 30 de dezembro. Abandonada aquela cidade os três navios e mais a escuna “Jacobina” são encarregados de levar toda a tropa e a população de cidade para Cuiabá.
c) Combate do Alegre.
No porto de Sará, no Rio de S. Lourenço, em 11.07.1867, se achavam dois navios brasileiros: o “Taurú” e o “Antonio João”. Ao cair da tarde aproxima-se um grande vapor paraguaio, o “Salto de Guayra” acompanhado de dois menores. Comandava nossos navios o bravo Capitão Tenente Balduino.
O “Jaurú” é abordado pelos adversários que o tomam de assalto. O “Antonio João” metralha o “Salto de Guayra”, com tal energia que o põe em retirada.
Balduino vê que o “Jaurú” está em poder dos paraguaios, investe sobre ele com “Antonio João” e consegue abordá-lo e novamente fica em seu poder. Graças ao heroísmo dos nossos marujos, embora em luta desigual, dois contra três, coube-nos a vitória.
III — A Expressão Significativa dos Pormenores
O corpo do monumento se compõe das seguintes partes:
1) O pé estilizado em fortaleza – tem de circunferência 53 metros;
2) A segunda parte se apoia sobre a precedente, consta de 3 altos relevos representativos de cenas trágicas e heroicas: a Marcha Forçada, o salvamento dos canhões e o transporte dos coléricos. Estes altos relevos tem 16 m de comprimento quando retificados e 1,80 m de altura;
3) A terceira parte consiste nas três figuras simbólicas: Pátria Espada, História e a Glória que medem sentadas 2,40 m;
4) Na face dos altos relevos se destacam as três figuras dos máximos heróis: Coronel Camisão, Ten Antonio João e Guia Lopes, medindo 1,90 m;
5) Acima da parte coberta pelo alto relevo eleva-se uma coluna estilizada em tubo de canhão, feita de granito, com 9,50 m de altura. Encimando esta coluna, uma estátua representando a Glória, com 4,20 m de altura e 6 m de envergadura de asas. Ao todo o monumento terá cerca de 26 m e peso de 300 toneladas.
Os Heróis
Antonio João – está representado no justo momento em que foi baleado pelo inimigo, quando cai, confirmando assim o que havia escrito:
Sei que morro, mas o meu sangue e o de meus companheiros servirão de protestos solene contra a invasão do solo de minha Pátria!
Guia Lopes – em atitude calma de homem do sertão com a serenidade contemplativa de quem sempre viveu no meio da natureza, e assim salvou a Expedição.
Coronel Camisão – é a figura curiosa de soldado, está em atitude meditativa ao mesmo tempo que prova possuir uma grande força de alma. Com uma das mãos empunha a espada, com a outra, o mapa.
Os Símbolos
A Pátria – representada com capacete e vestes guerreiras, porém, a sua expressão é de bondade, firmeza e energia. Empunha a bandeira gloriosa que assistiu o martírio de seus filhos que a defenderam com o sacrifício da própria vida.
A Espada – representada por uma figura em recolhimento, concentrada mostrando a força de que é dotada. Sua nudez simboliza o heroísmo e coragem legados ao homem pela natureza.
A História – em intensa meditação, empunha a pena com que descreve os feitos dos homens.
A Glória – encimando o monumento, significa um pensamento superior que se move a certa altura, acima das cenas trágicas e agonizantes.
Os Baixo Relevos
São 3 com 1 m x 1,30 m e ficam na base do monumento.
1) Defesa do Forte de Coimbra: representa o assalto ao Forte pelo Batalhão paraguaio tentando escalar a gola Este, sendo repelido.
2) Retirada de Oliveira Mello: representa a passagem dos retirantes por um pantanal.
3) Combate de Alegre: o fato culminante é a retomada do vapor “Jaurú” por abordagem. No fundo do quadro, entre densas nuvens, a velha Corumbá, retomada pelo Coronel Maria Coelho.
Os Altos Relevos
- A Marcha Forçada: é o início da Retirada. Vê-se aglomeração de uma esquadra de soldados, é a marcha forçada. “Dia e noite atacados pelo inimigo, combatidos pelo fogo encharcados pelos aguaceiros, devorados pela fome, era preciso marchar a todo transe”. Nela figura o Visconde de Taunay empunhando a bandeira.
- O Salvamento dos Canhões: pela história sabemos que o Tenente Cesário de Almeida Nobre de Gusmão, “tudo fez para não os deixar como troféus ao inimigo”. Conduzir canhões por tremedais profundos, atoleiros imensos, debaixo de sol e chuva, representa a resistência física e o brio militar com que foi feita a Retirada da Laguna.
- O Transporte dos Coléricos: é a mais trágica das passagens daquela retirada. O 3° Alto Relevo representa “o transporte desses doentes, espetáculo tétrico e macabro, homens famintos e maltrapilhos carregam debaixo do clarão do incêndio macas improvisadas numa procissão para a morte”. É a inclemência da peste é a luta da peste. Cada dia que passa o número de doentes aumenta. Chega a um ponto que não é possível mais transportar todos e os que estão condenados à morte são deixados em uma lareira com o seguinte cartaz: “Compaixão para os coléricos”. E o inimigo, sem dó ou piedade os massacra.
Eis no “Bronze da História” os feitos dos nossos antepassados. Herança que orgulhando um povo indica o rumo a seguir na conquista de um ideal. (RMB N° 133)
Poesia
(Veterano Francisco Fortunato Souza Lírio, 1865)
Brasileiros, às armas correi,
Empunhando as armas ligeiro;
Nas campinas do vil Paraguai
Sustentai o pendão brasileiro.
É mui nobre o sangue ir verter-se
Pela Pátria que geme oprimida;
Voluntários, armai-vos depressa,
Tendo a fronte de louros cingida.
As mulheres e filhos deixando,
Voluntários da Pátria correi;
De espingarda ou espada na mão
Destroçai esse povo sem rei.
Essa horda selvagem de brutos
Que lá bramem no seu Paraguai
Aos valentes, povo brasílio,
Num momento aos pés calcai.
E vós, marinheiros valentes,
Vosso irmão vos cumpre vingar,
Do Leandro a cabeça arrancando.
Plantar ide à beira do mar.
Quem morre pela Pátria vive,
Faz na história seu nome brilhar,
As viúvas e filhos que deixam
Hão de em Pedro socorro encontrar.
O que vos prende, soldados valentes?
E vossos; nomes não ides escrever?
Ainda é tempo, correi pressurosos,
Ide glória buscar, ou morrer.
Eia, avante, e avante, coragem.
Sobres filhos do Império da Cruz,
Vossos nomes lançai nesse livro
Onde o fogo da Pátria transita.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 06.10.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
Bibliografia
RMB N° 133. Monumento aos Heróis de Laguna e Dourados (Cap Jayme A. de Lemos) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Marítima Brasileira N° 133, janeiro/fevereiro de 1937.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] O Jornal n° 362, de 14.06.1920 (página 8). (Hiram Reis)
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