Jornada Pantaneira 

Jayme Caetano Braun

Meus Bons Amigos de Longa Data

Payador, Pampa e Guitarra
(Jayme Guilherme Caetano Braun)

[…] Pampa – matambre ([1]) esverdeado
Dos costilhares ([2]) do Prata
Que se agranda ([3]) e se dilata
De horizontes estaqueados,
Couro recém pelechado ([4])
Que tem Pátria nas raízes
Aos teus bárbaros matizes,
Os tauras ([5]) e campeadores
Misturam sangue às cores
Pra desenhar três países. […]

Por vezes, afasto-me de minhas salutares e benfazejas odisseias náuticas e de minhas empolgan­tes, algumas vezes, áridas, fatigantes e improdutivas pesquisas, dispo-me de minha monástica e espartana rotina permitindo-me momentos de descanso e lazer empreendendo longas e infindáveis marchas, de até seis horas (34 km), pelo meu amado Pampa bajeense. Nessas ocasiões, não raras vezes, as belas paisagens campesinas embalam minha alma que se entrega aos mais arrebatadores devaneios ‒ a poesia nativa, desta feita, parecia emanar de um enorme e centenário eucalipto que irradiava de seu cerne longas nuvens “crista de galo”, que, longe de prenunciar uma frente fria, assumiam a silhueta de gigantescas asas de um condor.

A visão do ciclópico pássaro andino arrebatou minha mente e telúricos versos invadiram todo meu ser. “Madrugando no passado”, engarupei faceiro na anca da história e senti ou ouvi mesmo, já nem sei, os célicos versos “Payador, Pampa e Guitarra” declamados pessoalmente pelo augusto poeta do meu Pampa ‒ nosso maior Payador – Jayme Caetano Braun.

De repente, galguei nas minhas lembranças mais recentes e gineteando ilusões rompi as barreiras temporais, ultrapassei fronteiras e vislumbrei, por fim, a fantástica serra de Maracaju, além dela minha cara e saudosa Aquidauana, debruçada à margem direita do homônimo Rio, onde como Capitão e Major de Engenharia tive a ventura de integrar, de 1987 a 1889, os quadros do 9° Batalhão de Engenharia de Combate (9° B E Cmb) ‒ Batalhão Carlos Camisão e, graças à empresários locais, tornar-me canoísta profissional.

Quando lá cheguei, em 27.06.2015, o Coronel José DIDEROT Fonseca Júnior dispensou-me o carac­terístico cavalheirismo da nobre arma azul-turquesa permitindo que eu me hospedasse no 9° B E Cmb onde tive a oportunidade de rever caros camaradas de outrora. Visitei as instalações de minha antiga e querida Unidade e, na viatura do Comandante, me desloquei até o monumento erguido no Porto Canuto, margem esquerda do Rio Aquidauana, em homenagem aos heróis da Retirada da Laguna acompanhado do Tenente SIDNEY Vargas Lima e do Cabo Waldir OLÍMPIO de Andrade.

Tive a honra de servir, no período de 1976 a 1977, no 6° Batalhão de Engenharia de Combate – “Batalhão Tenente-Coronel José Carlos de Carvalho” (6° B E Cmb), São Gabriel, RS, onde tive o privilégio de ter sido instrutor do SIDNEY no Curso de Formação de Sargentos (CFS).

Dez anos depois, nos encontramos, novamente, no 9° B E Cmb, em Aquidauana, MS, e o SIDNEY con­servava, como até hoje, o mesmo vigor, a mesma determinação e a mesma alegria que o distinguia dos demais companheiros do CFS.

Depois do Porto Canuto desfrutei da hospita­lidade do caro amigo SIDNEY conhecendo seus fami­liares e almoçando em sua casa.

Hospitalidade
(Jayme Guilherme Caetano Braun)

No linguajar barbaresco
E xucro da minha gente
Teu sentido é diferente
Substantivo bendito,
Pois desde o primeiro grito
De “o de casa” dado aqui,
O Rio Grande fez de ti
O mais sacrossanto rito! […]

Dizem uns, que te trouxeram
De Espanha e de Portugal
E que neste chão bagual
Criaste novo sentido,
E o que além era vendido
Transformou-se aqui num culto
Onde o dinheiro é um insulto
Com violência repelido!

Tenho pra mim que és crioula
Do velho pago infinito
Onde até o índio proscrito
Egresso da sociedade
Na xucra fraternidade
Dos deserdados da sorte
Não respeita nem a Morte
Mas cumpre a Hospitalidade! […]

O charque de carreteiro
Picado sobre a carona;
É o lamento da cambona
Que se perde campo fora;
É china linda que chora
Num derradeiro repique
Pedindo que a gente fique
Até que se rompa a aurora!

Depois de cumprir minha Missão Pantaneira, navegando os Rios Aquidauana e Miranda fui resgatado por dois grandes amigos o Capitão RONEY Bento Alves Ribeiro e o SIDNEY, infelizmente, naquela ocasião, um erro de comunicação levou o Capitão ISRAEL Nantes Gonçalves e o Sargento Gilberto Barbosa da CRUZ, horas depois a se deslocarem também até o Passo do Lontra para me apoiarem.

Um contratempo talvez para a segunda equipe, mas, certamente, para mim uma demonstração da grande camaradagem destes caríssimos amigos de longa data. Chegando a Aquidauana, aceitei o convite do RONEY, pernoitando na residência dele.

Embora o RONEY tenha colocado um de seus carros à minha disposição para facilitar meu deslocamento em Aquidauana, considerando que sua casa fica um pouco distante do centro, preferi declinar da oferta, e, no dia seguinte, me mudei, com seu apoio, para a residência da grande amiga Noise Resstel Correa Santos e de seus queridos filhos Mauro e Marco Túlio.

Novamente a hospitalidade dos amigos panta­neiros deu sobejas demonstrações de que nada ficava a dever ao “sacrossanto rito” gaudério. Na minha estada em Aquidauana recebi a visita de alguns diletos amigos na casa da Noise: o Coronel José Bento MARTINS FILHO, o Coronel JURANDIR Nascimento dos Santos (meu ex-Cadete), o Tenente Milton Viegas FANAIA, os Sargentos Adão CARNEIRO e Abrão Francisco de Souza MACIEL e o Cabo GALDINO Correa.

Fui homenageado com um churrasco muito especial na residência do Ir:. RONEY, onde compareceram, além dos amigos que me visitaram na residência da Noise, os Capitães ISRAEL Nantes Gonçalves e ISAÍAS Dias da Silva, os Tenentes SIDNEY e Joaquim PASSOS da Costa (meu parceiro de estradas no 9° B E Cnst, Cuiabá, MT), Subtenente Augusto Simão Nogueira e o Sargento Sebastião Ramiro VIEGAS.

O Ir:. RONEY ainda me proporcionou duas interessantes viagens, uma a Campo Grande e outra a Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, no Paraguai. O incansável Ir:. RONEY acordou uma palestra minha na Loja Maçônica Acácia Branca onde tive a grata oportunidade de conhecer as lideranças mais notáveis de Aquidauana e rever alguns Ir:. militares do 9° B E Cmb. No meu retorno a Porto Alegre, mais uma vez, o Ir:. RONEY conseguiu uma carona até Campo Grande. Coincidentemente eu e sua simpática filha tínhamos feito reserva no mesmo voo para Porto Alegre, RS.

Nas minhas longas caminhadas pelas cercanias de Aquidauana cruzei, quando realizava uma delas, pelo dinâmico amigo Cabo Dinarte RONDON, hoje encarregado da “Fazendinha” ‒ Campo de Instrução do Batalhão. Quando S/4 do 9° Batalhão empenhei-me em melhorar as instalações físicas da mesma além de construir uma quadra de vôlei próxima à represa e uma pequena pocilga.

Desempenhando a mesma função (S/4) plantei, no 9° Batalhão, ao longo da pista em que realizávamos o Teste de Aptidão Física (TAF), duas fileiras de eucaliptos margeando a trilha permitindo aos militares que ali corressem, no futuro, à sombra. Alguns dos enormes eucaliptos ainda lá se encontravam, vários deles tinham sido abatidos há alguns anos para serem trocados por pranchas de madeira.

Não posso deixar de referenciar a excelente entrevista proporcionada pelo meu grande amigo e excelente Jornalista, Radialista, Produtor e Repórter Armando de Amorim Anache da Rádio Independente AM 1020. O Armando é oficial R/2 da arma de Engenharia Exército e, por isso mesmo, tem para com a Força Terrestre um tratamento e uma afinidade muito especial. Foi uma entrevista extremamente agradável onde tive tempo suficiente para expor meus projetos náuticos e na oportunidade concordei, entusiasmado, em participar, oficialmente, como colunista do seu Jornal Pantanal News, enviando periodicamente artigos de minha lavra. Tive também a grata oportunidade de rever dois grandes amigos, primorosas figuras humanas e exce­lentes canoístas que são o Fauzi Sulleiman (ex-Prefeito de Aquidauana) e Roberto Giroto (Presidente do Clube de Canoagem de Aquidauana).

Tivemos, sem sombra, de dúvida um grande responsável pelo incrível ambiente de trabalho que reinava no 9° B E Cmb e a salutar integração com a sociedade aquidauanense que frequentava o Clube Militar, sem quaisquer restrições. Os civis participavam ativamente de diversos eventos que eram coordenados em conjunto com o Batalhão.

A grande figura humana, o artífice de todo este processo foi, sem sombra de dúvida, o General de Divisão Nelson Borges Molinari, na época Coronel Comandante do 9° B E Cmb com quem temos uma eterna e impagável dívida de gratidão.

Assumo aqui o compromisso de, se devidamente autorizado pelo meu amigo, Ir:. e Comandante Militar do Sul General de Exército Antônio Hamilton Martins MOURÃO, em abril de 2016, concluir a navegação do Rio Miranda e participar do Dia de Engenharia no Batalhão Carlos Camisão.

A Retirada da Laguna
(Dom Francisco de Aquino Corrêa [6])

Fora tão bela e heroica essa avançada!
Trazíeis tantos louros ao Brasil,
Quando eis que o céu e o fogo e a peste irada,
Tudo vos assaltou com fúria hostil!

Martírio atroz! Toda essa terra amada
Banhou-se em vosso sangue tão gentil!
Ah! Fostes mais heróis na Retirada
Do que batendo a fera em seu covil!
Qual outrora os Dez Mil, vendo raiar,
Ao longe, o azul da imensidade equórea ([7]),
Romperam neste grito: O Mar! O Mar!

Assim vós, ao entrardes para a História,
Que então se vos abriu, de par em par,
Fostes cantando: a Glória! a Glória!

Porto Murtinho
(D. Francisco de Aquino Correia)

Num doce farfalhar de carandás e numa
Palpitação do rio a beijar-te, incessante,
Vi-te ao sol! E essa linda aquarela brilhante,
Nunca mais da minha alma encantada se esfuma!

Palma-Chica, a jusante, espia-te da bruma,
E o Pão de Açúcar, lá, remira-te, a montante,
Ó náiade sorrindo ao zéfiro cantante,
Que a fragrância do mate ainda hoje perfuma.

Na alta riba que, além, rubros tetos ostenta,
Tomba-te na hecatombe a boiada ferida,
Em holocausto à Indústria, a nova deia cruenta!

E tudo aqui te fada ao progresso e à vitória:
O grande Paraguai acena para a vida,
E mil palmas, no azul, acenam para a glória!

Pantanal
(D. Francisco de Aquino Correia)

Verde mar de gramíneas, mar parado,
Que os corixos, qual serpe desconforme
De cristal, vão cruzando, lado a lado,
O imenso pantanal se estira e dorme.

Pasta, em manadas plácidas, o gado.
Lá foge um cervo. E, de onde em onde, enorme,
Como velho navio abandonado,
Uma árvore braceja a copa informe.

Não vibra um eco só de voz alguma:
Ao longe, silencioso e desmedido,
O bando das pernaltas lá se perde.

Mas, de repente, em amplo voo, a anhuma
Enche do seu nostálgico gemido,
A infinita solidão do plaino verde.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 16.10.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected]

[1]    Matambre: manta localizada entre a costela e o couro do animal. Não era apreciada pelos colonos que a destinavam aos escravos para “matar la hambre” (matar a fome). (Hiram Reis)

[2]    Costilhares: região das costelas do gado vacum. (Hiram Reis)

[3]    Se agranda: torna-se grande. (Hiram Reis)

[4]    Pelechado: mudou de pelo. (Hiram Reis)

[5]    Taura: guapo, valente, destemido. (Hiram Reis)

[6]    O grande poeta e escritor Dom Francisco de Aquino Corrêa, foi “Presidente” do Estado do Mato Grosso, no período de 1918 a 1922, e criador dos dois símbolos oficiais mais importantes do Estado: o Hino e o Brasão. (Hiram Reis)

[7]    Equórea: alto mar. (Hiram Reis)

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