Pesquisadores do Trans-Amazon Drilling Project levam ciência para estudantes da rede pública, compartilhando informações sobre o projeto de pesquisa que desvenda o passado da Amazônia e sua importância para o presente e o futuro
Um grupo de pesquisadores do Trans-Amazon Drilling Project (TADP), programa internacional de pesquisa científica sobre a Amazônia com uso de perfuração de subsolo que está em curso em Rodrigues Alves, no Acre, realizou no dia 21 de agosto uma ação de integração com estudantes da rede pública do município.
Em torno de 150 alunos dos ensinos fundamental e médio da Escola Estadual Cunha Vasconcelos participaram da atividade, que teve como objetivo difundir informações científicas sobre o TADP e o funcionamento do trabalho de campo que vem movimentando a região desde maio deste ano, com a instalação em um terreno particular de uma praça de sondagem e uma série de equipamentos que chegaram por meio de dez caminhões.
Entre os tópicos abordados estão o papel desenvolvido por um pesquisador em geociências, que busca compreender a Terra, como funcionam a perfuração e análise das amostras coletadas na perfuração e quais os fósseis encontrados no Acre. O destaque foi o Purussaurus brasiliensis, uma espécie extinta de jacaré gigante que viveu na América do Sul de 20,4 a 5,3 milhões de anos atrás.
“Também levamos materiais para tornar mais palpável o que estávamos abordando, como caixas de mola, que é de onde saem as amostras de core catcher utilizada para análises em campo, a coroa usada para a primeira fase de perfuração, capacete, um testemunho coletado, lupa e amostras de rochas e de arenito para observação, além de fotos, vídeos e dos drones utilizados no projeto”, explica a geóloga e doutoranda do Instituto de Geociências (IGc) da USP Camila Althaus, que atua na área de sedimentologia do TADP.
Para fazer com que o projeto científico fosse entendido de forma efetiva por alunos das mais diferentes idades, os pesquisadores adotaram uma linguagem simples e didática. “De forma resumida, explicamos que o projeto busca compreender o passado (origem da biodiversidade, evolução da paisagem física sobre a biota) e com base nisso, fornecer informações que auxiliem na projeção de mudanças futuras. Queremos entender a evolução da floresta amazônica e rios”, diz Camila.
“Para entender como conseguimos ‘ler’ o passado a partir das rochas do testemunho, utilizamos o exemplo do Rio Juruá, ao qual os estudantes têm acesso. Fizemos uma observação sobre as marcas onduladas que podem ser vistas na beira do rio devido ao fluxo da água e interação com a areia do leito. Estas marcas ficam registradas nas rochas, e a partir de um conjunto de marcas é possível identificar o ambiente no qual elas foram formadas no passado e entender, junto de outras informações, o que ocorria na área.”
Como o contato com a Amazônia é a realidade do dia a dia dos 20.000 habitantes do município de Rodrigues Alves, os pesquisadores destacaram a importância da floresta como um bioma rico em biodiversidade e fundamental para as questões climáticas do mundo, por isso a necessidade de estudar e cuidar. “O que pude perceber é que os alunos têm muita instrução sobre a Amazônia recebida na escola com relação ao perigo de queimadas, por exemplo, que tem que ter cuidado e conversar com os pais”, comenta Althaus.
“Foi uma experiência muito legal porque tivemos uma integração muito boa com os alunos. Eles participaram bastante e estavam bem atentos à atividade”, diz o geotecnólogo e doutorando da USP Leonardo Henrique Silva, que atua no campo de geoprocessamento no TADP. “Acho importante as crianças e os adolescentes terem essa conexão com a gente para desmistificar um pouco a ideia de os pesquisadores serem ‘superiores’ e também propagar mais o nosso conhecimento”.
Ao final, réplicas de fósseis e amostras de minerais do Brasil foram sorteadas aos participantes e todos reuniram-se em frente à escola para tirar uma foto com um drone. A iniciativa contou com o apoio da Secretaria de Meio Ambiente de Rodrigues Alves, que destacou a necessidade de uma comunicação efetiva com a comunidade tendo em vista a curiosidade gerada na população em entender a finalidade do projeto com a chegada dos pesquisadores no Acre.
“O TADP vem desenvolvendo um trabalho de interação e comunicação de forma positiva”, diz a secretária Márcia Queiroz. “Educadores, educandos e equipe gestora vem recebendo informações sobre o objetivo da pesquisa e seu desenvolvimento por meio de uma metodologia diversificada e criativa”.
Completa o time do projeto científico que participou do evento educativo Carlos D’Apolito Júnior, biólogo, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac) e paleontólogo no TADP; Fernanda Costa Gonçalves Rodrigues, geóloga, pesquisadora de pós-doutorado na USP, atua no campo de luminescência do programa; Pedro Victor Oliveira Gomes, geólogo, doutorando da USP, trabalha na área de sedimentologia; Tacio Cordeiro Bicudo, geofísico do projeto e pesquisador de pós-doutorado da USP; e Roney Azevedo Junior, geólogo, mestrando na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), atua com análise de água de poros.
Legado para a comunidade local
Ao pensar no impacto do projeto na comunidade local, o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo do Instituto de Geociências da USP, o GeoHereditas, realizou em maio, durante 14 dias, uma expedição de esclarecimento do projeto científico, com oficinas e workshops de educação ambiental, nos municípios de Rodrigues Alves, Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima. O grupo também promoveu divulgação científica sobre o patrimônio geológico do Parque Nacional da Serra do Divisor. A iniciativa ocorreu antes mesmo da praça de sondagem terminar de ser montada na região.
O público-alvo das ações foram os replicadores de conhecimentos, como educadores e professores, que levaram estudantes da rede pública de ensino às atividades, além de servidores públicos das prefeituras, secretarias locais e membros do ICMBio.
“O imaginário popular das pessoas ali associa sondagem com busca por petróleo, ou acham que o projeto pode ter ligação com a construção de uma ponte que eles querem de travessia entre os municípios de Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves”, diz o pós-graduando do Instituto de Geociências da USP e especialista em geotecnologias do GeoHereditas, Carlos Mazoca. “Então, o nosso trabalho foi também de esclarecimento à população de um projeto com fins científicos.”
Além de explicar detalhes do projeto do TADP, o grupo promoveu uma série de atividades de geologia básica com conhecimentos sobre o ciclo das rochas, com doação de uma série de kits da USP, noções sobre o tempo geológico e experiências com uso de microscópio com amostras de areias dos diferentes rios da Amazônia, como o Solimões, Japurá, Tapajós, Amazonas, Negro, Xingu, entre outros. “Montamos um varal da linha do tempo das épocas geológicas com comprimento de 4,6 metros, que é correspondente à idade da Terra, de 4,6 bilhões de anos”, diz a coordenadora do GeoHereditas, Maria da Glória Motta Garcia, e professora do Instituto de Geociência da USP. “A ideia disso é que eles percebam a dimensão da história da Terra em comparação com o surgimento do homem, um evento bem mais recente.”
“A missão é deixar um legado para a comunidade local na área de desenvolvimento sustentável, conscientização sobre mudanças climáticas, geodiversidade e patrimônio geológico”, diz a geocientista e educadora ambiental Raquel Romão. “Além de divulgar conhecimento, estabelecer contatos e criar redes, fomos ouvir essas pessoas para saber se além desse conhecimento que está sendo passado existia um interesse também na criação de produtos personalizados para eles utilizarem tanto na educação quanto no turismo.”
Pesquisa sobre a biodiversidade da Amazônia
O TADP é o mais amplo programa internacional de pesquisa científica já estruturado para entender a origem e a evolução da biodiversidade da Amazônia e sua relação com o ambiente, a fim de compreender a história do planeta Terra na região centro-norte da América do Sul e os impactos das mudanças climáticas.
Após dez anos de planejamento e uma pandemia, as operações de sondagem se iniciaram com a primeira perfuração de subsolo em 16 de junho de 2023, no município de Rodrigues Alves, às margens do Rio Juruá, próximo à fronteira com o Peru, no Acre. A praça de sondagem foi montada em um terreno particular, que recebeu uma estrutura com cerca de dez caminhões com toneladas de equipamentos da empresa Geosol e a presença de ao menos 25 profissionais que se revezam trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana.
Os pesquisadores pretendem alcançar 2.000 metros de profundidade (atingiram até o momento 730 metros) em rochas e sedimentos para coletar testemunhos, que são amostras cilíndricas de até 3 metros de comprimento, da era Cenozoica. O período compreende os últimos 66 milhões de anos, se iniciando com a extinção dos dinossauros e o desenvolvimento das florestas tropicais atuais. O projeto envolve ainda uma segunda perfuração a 1.200 metros de profundidade na bacia do Marajó, no Pará, prevista para ocorrer até o final de 2023.
Nessas amostras, os pesquisadores vão estudar os microfósseis, minerais e material orgânico para reconstituir a diversidade de como eram essas florestas no passado e o seu ambiente. Os sedimentos acumulados ao longo do tempo estão organizados em camadas, que funcionam como um arquivo do passado da Amazônia.
O TADP envolve 60 pesquisadores de doze instituições nacionais e internacionais, como geólogos, geofísicos, geógrafos, oceanógrafos, paleoclimatólogos e biólogos, entre outros profissionais. O comitê executivo é composto com os brasileiros André Sawakuchi, do IGc, e Cleverson Silva, da Universidade Federal Fluminense, e os norte-americanos Paul Baker (Universidade de Duke), Sherilyn Fritz (Universidade de Nebraska) e Anders Noren (Universidade de Minnesota).
O investimento da sondagem é de cerca de US$ 3,9 milhões. Desse total US$ 1,1 milhão é financiado pelo International Continental Drilling Program (ICDP), US$ 1,1 milhão pela National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, US$ 700 mil do Smithsonian Tropical Research Institute (STRI), com sede no Panamá, e US$ 1 milhão da Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que também contribuiu com mais um investimento de R$ 1 milhão em bolsas de pesquisa e outros recursos e despesas do projeto.
Texto: Adriana Farias*
*Jornalista do programa de jornalismo científico da Fapesp integrado ao TADP
PUBLICADO POR: JORNAL DA USP – Ações educativas explicam projeto científico de perfuração da Amazônia para comunidades locais – Jornal da USP
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