Jornada Pantaneira

A Medicina na Guerra do Paraguai – Parte III 

A MEDICINA NA GUERRA DO PARAGUAI
(Mato Grosso)

LUIZ DE CASTRO SOUZA
Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Membro titular do Instituto Brasileiro de História da Medicina. 

III

A INVASÃO DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO

O Presidente da Província de Mato Grosso, Brigadeiro Alexandre Manuel Albino de Carvalho, recebia a 10.10.1864, dois ofícios reservados, trazidos pelo comandante do vapor “Corumbá”: um, do Ministro brasileiro em Assunção, César Sauvan Viana de Lima, futuro barão de Jauru, e o outro do Almirante Barão de Tamandaré, Chefe da Esquadra Brasileira no Prata. Ambos se reportavam às ameaças feitas pelo ditador Solano López, em nota de 30 de agosto passado, contra o Império do Brasil e lembravam estes dois ilustres brasileiros, a conveniência de encontrar-se a Província de Mato Grosso de sobreaviso contra uma possível agressão que poderia surgir da fronteira paraguaia.

Imediatamente, determina o Presidente Albino de Carvalho, a partida do Comandante das Armas da Província, Cel Carlos Augusto de Oliveira, para a fronteira do Baixo Paraguai, a 13 do referido mês, levando os escassos elementos disponíveis para a defesa do Sul de Mato Grosso. Era uma diminuta Força de 600 homens que com grande sacrifício pode ser deslocada para a fronteira, acompanhada pelos médicos militares. O Quartel-General do Comandante das Armas ficou instalado em Corumbá, depois do envio de reforços para a Vila de Miranda e Forte de Coimbra, e de ter o Cel Oliveira entrado em contato com o Tenente-Coronel José Dias da Silva, Comandante do Corpo de Cavalaria e da Fronteira de Miranda. Após a captura ostensiva do navio brasileiro “Marquês de Olinda” antes da declaração de guerra, determinou o Marechal Solano López o envio de três colunas e uma flotilha sob o comando geral do Coronel Vicente Barrios, seu cunhado, para invadir a Província de Mato Grosso que sabia se encontrar precariamente armada. O plano se estabelecia por dois eixos de operações: uma, fluvial pelo Rio Paraguai e a outra, terrestre, passando a fronteira em Bela Vista e em Ponta Porã.

Era a concretização da suspeita do Ministro do Brasil em Assunção, cuja previsão não viria surtir efeito porque era calamitoso o abandono da Província brasileira, onde o efetivo de sua guarnição tornava-se irrisório para defender um território tão vasto. A primeira coluna paraguaia parte da capital guarani, por via fluvial, a 14.12.1864, sob o comando do Coronel Barrios e auxiliada pelo Capitão-de-Fragata Pedro Inácio Meza, comandando a Força Naval que se compunha de dez vapores e embarcações, com um total de 39 canhões, e levando a bordo, a tropa terrestre constituída de 2.500 soldados das três armas e demais serviços.

A segunda e terceira colunas seguem por terra, a 29 de dezembro, partindo da Vila Concepção sob os comandos do Coronel Francisco Isidoro Resquin e Capitão Martin Urbieta, cuja tropa se compunha de vários Regimentos de Cavalaria, um Batalhão de Infantaria, a cavalo, e demais serviços, correspondendo a 1.450 e 365 soldados para a segunda e terceira colunas, respectivamente.

Resquin penetra no território brasileiro por Bela Vista e seu objetivo seria a colônia de Miranda atingindo Nioaque e a Vila Miranda, enquanto Urbieta passa a fronteira, em Ponta Porã, dirigindo-se à Colônia de Dourados, conforme instruções firmadas pelo ditador López, que acrescentava que Urbieta depois de realizar a sua missão, deveria se reunir a Resquin, se este chefe assim o determinasse.

As Forças paraguaias eram constituídas pelos melhores Batalhões, bem treinadas e aguerridas, pois o Paraguai de Solano López de há muito vinha se preparando para a guerra, fortalecendo-se sobre a miséria e o sofrimento do seu povo.

O Corpo de Saúde das colunas de Barrios e de Resquin, se compunha cada uma, de 4 médicos e cirurgiões e de 16 “assistentes de hospital”. No dia 26 de dezembro, a Força Naval paraguaia sob o comando de Meza que transportava a coluna de Barrios, tem à vista o Forte de Coimbra, obstáculo principal da evolução guerreira do invasor, que é intimado à rendição. Esta é repelida altivamente pelo valoroso Tenente-Coronel Hermenegildo de Albu­querque Porto Carrero, antigo instrutor do exército inimigo. Efetua, então, o Coronel Barrios, o desembarque nas margens do Rio Paraguai e inicia o bombardeamento e o ataque contra o Forte brasileiro, com o apoio da flotilha, durante o dia 27, sem êxito e com numerosas baixas.

Após esta investida encontravam-se os bravos 115 soldados e 40 paisanos defensores do Forte, sem munição pronta, porém, as 70 mulheres abrigadas na modesta fortaleza, filhas espirituais das heroínas de Casa Forte e Tejucupapo, passam toda a noite refazendo o arsenal, confeccionando cartuchos de carabina com pedaços de suas próprias roupas, amolgando com os dentes os cartuchos de calibre superior às nossas armas, e, assim, torna-se possível a continuação da denodada resistência. No dia seguinte, prosseguia o ataque, mais intenso, quando a infantaria paraguaia chegava até os parapeitos e era repelida, permanecendo irredutível a posição brasileira. Cessando a luta, o comandante Porto Carrero determina a saída de duas patrulhas para reconhecimento como, também,

a fim de recolherem todos os corpos semivivos para serem tratados com a humanidade que nos cumpre, 

conforme afirma em sua parte oficial, datada de Corumbá, em 30.12.1864. Realmente, estas patrulhas, além de recolherem material bélico do inimigo, trazem 18 soldados feridos, que foram atendidos pelo médico militar, Tenente 2° Cirurgião, Doutor Benvenuto Pereira do Lago. Necessitava um deles, uma amputação, que é praticada no braço esquerdo e outro vem a falecer após os primeiros socorros. Todos, por igual, são curados com huma­nidade e desvelo, e recolhidos à enfermaria do Forte. Diante da falta de munição, o Cel Porto Carrero, após ouvir o conselho de oficiais, ordena a evacuação, o que se realiza na noite de 28 para 29, seguindo para Corumbá, a fim de continuar a luta. A retirada só é possível graças ao auxílio da canhoneira Anhambhay, pequeno navio da flotilha que, sozinho, havia impedi­do o avanço da considerável Força Naval invasora. Como a canhoneira viajava superlotada de soldados, mulheres e crianças, o Cel Porto Carrero determinou o desembarque de uma parte da guarnição no local denominado Albuquerque, com instrução de prosse­guir por terra e alcançar a vila de Corumbá.

Depois da épica resistência que é uma página notável da história militar brasileira, só ficaram no Forte os 17 soldados paraguaios feridos, que foram curados pelo Doutor Pereira do Lago, e um operário brasileiro, torneiro de profissão, natural de Pernambuco e chamado Amaro Francisco dos Santos, que alcoolizado, não fora visto na ocasião do embarque. O tratamento dispensado ao soldado prisioneiro por iniciativa do comandante Porto Carrero, vem situá-lo no mais alto conceito de soldado e cidadão, sobretudo, porque só posteriormente surgiu a circular baixada pelo Ministro da Guerra regulando “a direção, guarda, tratamento, disciplina e emprego dos prisioneiros de guerra”. Essa circular publicada na “Ordem do Dia do Exército” n° 493, de 10.01.1866, por inspiração do então Ministro da Guerra, Ângelo Moniz da Silva Ferraz, Barão com honras de grandeza ([1]), de Uruguaiana, em 09.10.1866, reveste-se, no dizer do Brigadeiro Médico, Dr. Oriovaldo Benites de Carvalho Lima, do mais louvável descortino por destinar-se à aplicação a estrangeiros e não a conterrâneos, como foi o escopo da “Lei da boa guerra”, de autoria de Francis Lieber e aprovada por Abraham Lincoln.

Assim, a circular de Ângelo Ferraz, veio colocar o Brasil numa posição de pioneirismo no mundo, pois, trata-se da primeira codificação sobre feridos e prisioneiros de guerra, numa luta entre nações, após a Primeira Convenção de Genebra, realizada a 22.08.1864, sem a presença e adesão do Império do Brasil, o que a torna mais significativa.

Essas normas de respeito ao inimigo, tinham profundas raízes em nosso país, desde os tempos coloniais, como muito bem acentua o Gen Dr. Waldemiro Pimentel, em seu valioso trabalho apresentado ao 1° Congresso Brasileiro de Direito Penal Militar, principalmente evidenciada na Restauração Pernambucana, quando, após uma luta longa e renhida, fora respeitado, na capitulação dos holandeses, o inimigo mercenário e usurpador.

O Doutor Benvenuto Pereira do Lago era natural da cidade do Salvador [BA], e filho do casal Antônio Pereira do Lago e de D. Josefina Carlota do Lago. Médico pela Faculdade de sua Província, após defender tese, a 12.05.1857. Ele a dedicou a vários colegas médicos e entre estes se encontravam os doutores Manoel de Aragão Gesteira e Francisco Mendes de Amorim. Ingressou o Dr. Pereira do Lago no Corpo de Saúde do Exército, pelo Decreto de 09.01.1858, no posto de Tenente 2° Cirurgião e se encontrava servindo como 2° Cirurgião do Hospital Militar de Mato Grosso, quando fora deslocado para servir no Forte de Coimbra, possivelmente em fins de outubro ou começo de novembro de 1864, diante das notícias alarmantes chegadas ao conhecimento do Presidente da Província que, depois, infelizmente, se confirmaram. Ficou adido ao Corpo de Artilharia de Mato Grosso. Este médico militar, não menos bravo e herói da denodada resistência do Forte de Coimbra, foi aprisionado nos pantanais de São Lourenço e pelo “El Semanario” tomamos conhecimento de sua chegada em Assunção com outros brasileiros. No “Mapa do Corpo de Artilharia de Mato Grosso” assinado pelo seu comandante, o Tenente-Coronel Porto Carrero, em 12.02.1866, Quartel em Cuiabá, figura o nome do Tenente 2° Cirurgião, Dr. Benvenuto Pereira do Lago, na relação das praças e adidos do mesmo Corpo que

são considerados extraviados por ocasião da invasão paraguaia nesta Província

e reza a respeito deste médico militar, a seguinte observação:

Achava-se a bordo do vapor “Anhambhay” quando este foi aprisionado pelos paraguaios. Consta ter saltado para a barranca e caminhado até que exaus­to de forças se deixou ficar. Nada mais consta até a presente ([2]).

Não conseguimos descobrir o fim que tivera no Paraguai, se foi fuzilado pelo inimigo, ou não resistira aos padecimentos do cativeiro cruel. Jamais voltou ao seio da Pátria, cuja integridade soubera honra­damente defender. O Doutor Pereira do Lago é mencionado na obra atribuída ao Cirurgião da Armada, Dr. Francisco Felix Pereira da Costa, como um dos médicos falecidos na guerra, em consequência de moléstias adquiridas em campanha. Por Decreto n° 3.492, de 08.071865, referendado pelo Ministro da Guerra Ângelo Muniz da Silva Ferraz, o Imperador Dom Pedro II concedeu o uso de uma medalha a todos os bravos defensores do Forte de Coimbra. A medalha pendia do lado esquerdo do peito por uma fita da largura de dois dedos, com três listas iguais, preta a do centro e vermelhas as dos extremos. Apresentava no anverso, entre dois ramos de louro a legenda: “Valor e Lealdade”. No reverso, em sete linhas, os dizeres: “26, 27, 28 de Dezembro, Forte de Coimbra, 1864”.

Seguindo as instruções baixadas pelo ditador Solano López que determinavam uma ação simultânea para todas as suas colunas em operações, Resquín penetrava, a 26 de dezembro, em Mato Grosso atravessando o Apa em Bela Vista, enquanto a coluna do Capitão Urbieta avançava no território mato-grossense em Ponta Porã e se dirigia para a Colônia de Dourados, sob o comando do Tenente de Cavalaria Antônio João Ribeiro, natural daquela província. A 28 de dezembro, tendo notícias da invasão paraguaia, Antônio João, determina aos colonos que abandonem o local, pois estava resoluto a resistir até mesmo sozinho. Comunica, imediatamente, a invasão inimiga ao seu comandante Dias da Silva, por um dos seus soldados que levava, também, uma mensagem de despedida, escrita a lápis, dizendo: “Sei que morro; mas o meu sangue e o de meus companheiros servirão de solene protesto contra a invasão do solo de minha Pátria”.

Em 29 de dezembro, as Forças do Capitão Urbieta se aproximam da Colônia de Dourados e o Tenente Manuel Martínez é encarregado de levar o ataque e intima a Antônio João a render-se, mas, este deste­mido oficial brasileiro responde altiva e arrogante­mente que, se lhe apresentassem

ordem do Governo Imperial, se renderia, mas sem ela não o faria de modo algum (BARÃO DO RIO BRANCO).

Trava-se o combate e sucumbem aos primeiros tiros o Tenente Antônio João Ribeiro e dois de seus comandados; os demais soldados, alguns, mesmo feridos, vendo a falta do seu chefe, refugiam-se no mato do arroio, mas são aprisionados e enviados para as prisões paraguaias, onde todos morrem antes de terminada a guerra.

O inimigo afirma que do combate, resultaram feridos em suas Forças, o Tenente Benigno Díaz e um soldado. Antônio João tombou gloriosamente cumprindo seu dever de soldado e de brasileiro, como símbolo autêntico do patriotismo. Para o General Genserico de Vasconcellos,

ele é o exemplo vivo do Brasil grande, generoso, descuidado, mas cavaleiro andante de todos os ideais de justiça, de beleza e de heroísmo.

O inimigo, cuja bravura não podemos contestar, fica atônito diante daquela cena espartana que se esculpe no bronze da História e faz respeitar os despojos do intrépido comandante brasileiro, fazendo sepultá-los condignamente, num belo gesto comove­dor e dignificante. Na Colônia de Dourados não se encontrava destacado médico militar da guarnição de Mato Grosso. Mais adiante e ao mesmo tempo, as Forças de Resquín entravam na Colônia de Miranda. O Tenente-Coronel José Antônio Dias da Silva, do Corpo de Cavalaria de Mato Grosso e Comandante Geral do Distrito Militar de Miranda, encontrava-se em Nioaque e tomava conhecimento da marcha das Forças paraguaias.

Determina providências e expede ordens, e a 31 de dezembro parte em direção às Forças de Resquín, levando o efetivo, que pôde reunir, de 130 homens.

No Rio Feio defronta-se com a coluna inimiga e protesta contra a invasão do território brasileiro. Os paraguaios iniciam o fogo com Forças nume­ricamente superiores; o que provoca o recuo de nossos soldados, embora continuassem sempre com­batendo, para o rio Desbarrancado que transpõem e em seguida é destruída a ponte sobre este rio. Avalia, então, Dias da Silva, o poderio e superio­ridade da coluna de Resquín em dois mil homens. A perseguição inimiga se estende a três léguas, entre­tanto, os brasileiros continuam a provocar baixas e a retardar o avanço dos invasores.

Retrai-se o Ten Cel Dias da Silva para Nioaque e depois em direção à vila Miranda, onde se achava o casco do Batalhão de Caçadores sob o comando do Capitão Manuel Alves Pereira da Mota, cujo efetivo era constituído de 89 praças. Determina Dias da Silva a próxima evacuação da vila e a transferência dos arquivos e bagagens das Forças para o lugar denominado Salobra, juntamente com o Corpo de Cavalaria. Vai tentar contato com o Comandante das Armas da Província, porém, em caminho, é notificado do ataque de Coimbra e da evacuação de Corumbá. Retorna à vila Miranda e reconhece a impossibilidade de qualquer resistência ao inimigo pelos reduzidos meios de que dispunha. Determina a evacuação da vila a 04.01.1865 e a retirada do Batalhão de Caçadores para o passo de Aquidauana, quando deveria se juntar com o Corpo de Cavalaria que se achava em Salobra. Daquele local, o Ten Cel Dias da Silva se encaminhou para Santana do Paranaíba.

A 31.01.1865, os remanescentes das Forças do Distrito Militar de Miranda se encontravam acampadas em Camapuã, num total de 99 praças e aos 17 de fevereiro chegavam à fazenda Campo Alegre, a oeste de Santana do Paranaíba. O pânico fez maiores estragos e desorientou as tropas, sobretudo porque não foram cumpridas as instruções do comandante Dias da Silva. Muitos tomaram direções diversas e o fizeram desordenadamente, provocando, por isso, perda de pessoal. Assim, Resquín foi invadindo e ocupando todos os povoados mato-grossenses do Distrito Militar de Miranda, embora em marcha demorada e cautelosa. Na vila Miranda houve junção das duas colunas que prosseguiram na ação destruidora. Finalmente, Coxim foi atingida e ocupada em abril de 1865, e, desse modo, toda a região Meridional da Província de Mato Grosso ficou sob o domínio dos paraguaios. Dos encontros e retiradas das Forças brasileiras, desapareceram dois médicos militares: um, que se encontrava com o casco do Batalhão de Caçadores, na vila Miranda, e o outro, no Rio Feio, com o Corpo de Cavalaria.

A parte oficial do Ten Cel Dias da Silva, datada de 31.01.1865, do acampamento volante de Camapuã ([3]) diz que o Tenente 2° Cirurgião, Dr. Manuel João dos Reis, que se encontrava em Salôbra com o Corpo de Cavalaria, havia deixado de se juntar com as demais Forças e o Capitão 1° Cirurgião, Dr. Cirilo Pereira de Albuquerque, adido ao Batalhão de Caçadores, também ficara “sem razão plausível na vila de Miranda”. Este, consegue atingir Cuiabá e continuou a prestar seus serviços profissionais durante todo o período da ocupação paraguaia. Sabemos pela relação de prisioneiros, de 14.06.1865, e assinada por um tal de Juan Gómez, que no Quartel da Ribeira, Paraguai, estiveram nesta prisão, o Capitão 1° Cirurgião, Dr. Teófilo Clemente Moreira [sic] e o Tenente 2° Cirurgião, Dr. Manuel João dos Reis (BARRETO). O periódico “El Semanario”, órgão oficial do ditador, ao divulgar os nomes dos prisioneiros, menciona o Dr. Teófilo Clemente Jobim e não Moreira como escreveu o carcereiro do Quartel da Ribeira. O Dr. Jobim foi aprisionado no Rio Miranda e levado para o Paraguai. Quando as nossas Forças se deslocaram para o Sul da Província, em outubro de 1864, este médico militar, que se encontrava em Cuiabá, as acompanhou e parece-nos que, posteriormente, havia sido designado para servir no Distrito Militar de Miranda. Antes de atingir o destino, deu-se a invasão e foi capturado pelo inimigo.

O Dr. Teófilo Clemente Jobim nasceu em Paris, a 08.10.1828, e era filho do Professor Dr. José Martins da Cruz Jobim. Diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde seu pai era Diretor e lente da matéria de Medicina Legal, aos 20.12.1851. Ao matricular-se no primeiro ano do curso médico, em 04.02.1846, declarou ter 16 anos de idade. Ingressara no Serviço de Saúde do Exército, em 03.05.1852, no posto de Alferes 2° Cirurgião, tendo sido promovido a Tenente 2° Cirurgião, a 02.12.1854 e a Capitão 1° Cirurgião em 02.12.1860. Tomara parte na Campanha contra Rosas e Oribe, sob o comando geral do então Tenente-General Luís Alves de Lima, Marquês e futuro Duque de Caxias, Patrono do Exército Brasileiro. Antes da invasão encontrava-se servindo junto ao Batalhão de Caçadores, em Vila Maria, como responsável pela enfermaria militar, quando foi substituído pelo seu colega, Tenente 2° Cirurgião, Dr. José Antônio Dourado, que havia chegado a 13.09.1864, acompanhando o Cel Carlos Augusto de Oliveira, Comandante das Armas. Essa súbita viagem de inspeção do chefe militar fora determinada pelo Presidente da Província, após o falecimento do Comandante do Batalhão de Caçadores, Cel João Nepomuceno da Silva Portela e com o fim de serem tomadas certas providências. Todos os oficiais se apresentaram, imediatamente, ao Comandante das Armas, exceto o Capitão 1° Cirurgião, Dr. Teófilo Clemente Jobim, que depois de muito procurado e já com ordem de prisão, apresentou-se à paisana, pelo que teria de responder a Conselho de Investigação.

Na Vila Maria permaneceram 101 praças sob o comando do Capitão Antônio José da Costa, retornando a capital da Província, o Comandante das Armas, levando uma força de 54 praças, tendo seguido, também, o Capitão 1° Cirurgião, Dr. Teófilo C. Jobim, adido ao Estado Maior, quando todos chegam a Cuiabá, em 29.09.1864 ([4]). O Dr. Jobim é relacionado pelo historiador Emílio Carlos Jourdan, no seu quadro de Mártires da Pátria e dado como desaparecido na invasão de Mato Grosso (JOURDAN). O Capitão 1° Cirurgião, Dr. Teófilo Clemente Jobim foi, realmente, mártir e herói da medicina militar brasileira, cujo martirológio teve fim no mês de fevereiro de 1868, vitimado pela cólera e sepultado no cemitério de Lomas, perto de Paso Pucú ([5]). O Dr. Manuel João dos Reis era natural da cidade de Salvador [BA], e filho do Dr. Fernando Maria dos Reis e de D. Guilhermina Maria Fróes dos Reis. Doutor em medicina pela faculdade de sua Província natal, quando em 27.11.1857, apresentou e sustentou tese. Após sua formatura empreendeu viagem à Europa, com o fim de aperfeiçoar os seus conhecimentos profissionais. Assentou praça no posto de Tenente 2° Cirurgião do Exército, a 02.04.1862. Este médico militar sofreu os horrores do cativeiro, como os demais colegas, privações e torturas, humilhações de toda espécie, cujos padecimentos terminam no mês de janeiro de 1868, quando foi fuzilado pelos carrascos paraguaios, no acampamento de Cêrro-Léon, com outros prisionei­ros brasileiros ([6]).

Eles foram legítimos heróis e mártires, porém, tão esquecidos por tantas gerações de brasileiros. […] (SOUZA)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 28.08.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia

SOUZA, Luiz de Castro. A Medicina na Guerra do Paraguai (I a V) – Brasil – São Paulo, SP – USP, Revista de História, 1968, 1969 e 1970.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  1. Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  2. Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  3. Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  4. Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  5. Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  6. Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  7. Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  8. Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  9. Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  10. Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  11. Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  12. Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  13. Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  14. E-mail: [email protected].

[1]    A honraria “com grandeza” permitia que um nobre usasse no seu Brasão de Armas um título imediatamente superior. (Hiram Reis)

[2]    Arquivo Nacional, IG 1-242, Doc. 201. (SOUZA)

[3]    Arquivo Nacional. Cód. 547, Guerra do Paraguai Volume 3 [pg. 198-200]. (SOUZA)

[4]    Arquivo Nacional. Cód. 547, Guerra do Paraguai Volume I [pg. 88, 89, 95, 96 e 102] e Volume II [pg. 130]. (SOUZA)

[5]    “Diário do Exército em Operações” do Marechal Marquês de Caxias, do dia 15.07.1868, diz: “Um dos últimos prisioneiros do inimigo declarou, que dias antes de retirar-se López das suas posições abandonadas, tinham falecido, vítimas da cholera-morbus, o Coronel Frederico Carneiro de Campos e o Dr. Jobim, cujos cadáveres haviam sido por ele sepultados no cemitério de Lomas [perto de Paso Pucú], indo ali mostrar, as respectivas sepulturas, que foram por S. Exª mandadas assinalar”. Segundo Thompson e os prisioneiros do “Marquês de Olinda”, o Cel Frederico de Campos faleceu a 03.11.1867. (SOUZA)

[6]    Diz José Mesquita acerca do Dr. Manoel João dos Reis, que “em 1870 procedeu-se, no juízo eclesiástico de Cuiabá, a uma justificação para prova do seu óbito, na qual se afirmou haverem sido ele e mais companheiros mortos na ponta Caraguati” [Gente e cousas de antanho – Mato Grosso na Guerra do Paraguai. In “Revista do IHG de Mato Grosso”, Tomos LV a LVIII]. Os outros brasileiros fuzilados na mesma ocasião, foram o 1° Piloto José Israel Alves Guimarães, comandante interino da Anhambai e o 1° Tenente de Artilharia, José Maria de Oliveira Barbosa. [Firmo J. Rodrigues – Herói no Sofrimento. In “Revista do IHG de Mato Grosso”, Tomos XXIX a XXX]. (SOUZA)

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