Pesquisa expõe como a contribuição e os sentidos sociais de mulheres africanas são desconfigurados por discurso eurocêntrico, patriarcal e racista desde o processo colonizador

Capa da edição traz a Casa de Yemanyá, em Salvador, Bahia, Brasil. Foto: Liliana Parra-Valencia (2019).

Por meio de análise de obras de arte, notadamente, esculturas, e outras fontes de conhecimento, a pesquisadora Liliana Parra-Valencia, da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto (SP), e Universidad Cooperativa de Colombia, em Bogotá, na Colômbia, discute o processo de desconstrução da imagem e da contribuição social e histórica da mulher africana no processo colonizador eurocêntrico e patriarcal.

O artigo de Liliana Parra-Valencia, intitulado “Mulheres e artes: força espiritual e sabedoria ancestral africana”, está publicado na segunda edição do ano do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Nele, a autora expõe e referenda os sentidos da figura feminina na cultura de povos com riqueza de detalhes e dados acerca da relação da mulher com a fertilidade, a maternidade e a espiritualidade.

Em contraposição ao patriarcalismo, entendido como sistema articulado ao capitalismo, o colonialismo e o racismo, Parra-Valencia demonstra como a construção eurocêntrica está distante da compreensão do feminino em diversas culturas africanas. Nelas, a mulher aparece expressamente relacionada à vida, à vida em sociedade, ou seja, à fertilidade, maternidade, espiritualidade (vida-morte-vida). Na mitologia iorubá, por exemplo, a força feminina está presente na criação do universo.

A partir da análise, particularmente, de obras de arte, a autora promove debate, sempre atual, acerca do desconhecimento de culturas únicas. Dessa maneira, a autora aborda os significados das pombagiras da religiosidade afro-brasileira da umbanda e do candomblé elementos de questionamento de preconceitos e estereótipos do feminino de acordo com a moral ocidental.

Parra-Valencia explica que “as obras de arte são uma forma de nos aproximarmos do lugar da mulher nas cosmogonias africanas, a partir de uma perspectiva decolonial”. Assim, entre outros exemplos, a pesquisadora mostra que divindades femininas estão atreladas à água, na cosmogonia africana. Nas culturas Ambo e Nyaneka, as bonecas são vistas como futuros filhos, e, então, precisam ser cuidadosa e prioritariamente preservadas por meninas. Até porque o direito à posse da boneca (símbolo de proteção aos descendentes da família) era herdado no sistema matrilinear.

Para ressaltar a relação entre as mulheres e a ancestralidade e espiritualidade, pode-se observar a figura de um banco de madeira, do povo Songo, na província de Malange, em Angola, de uma mulher sentada cujos órgãos genitais tocam a terra. Dessa forma, ela está conectada com a terra e o subsolo, simbolicamente associado ao local onde residem os ancestrais.

Banco real. Songo, Angola. Arte de los Tchokwe y pueblos emparentados. Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. Número de Inventário: 06172 TC. Altura 34,5 cm. Madera. Foto: José Pessoa, 1993. Copyright: © DGPC. Fuente: MatrizPix (s. d.e).

Outras leituras

A mais recente edição da revista traz também artigos sobre a ciência indígena Guarani-Kaiowá em “Memórias bioculturais dos Guarani-Kaiowá sobre a floresta e os seres que a coabitam: ecologia cosmopolítica na perspectiva da etnoconservação”, de autoria de Sônia Pavão e Laura Gisloti. De Gabriel Gurián, “Bebidas fermentadas brasileiras: considerações histórico-semânticas sobre aluás” é outra contribuição trata das bebidas fermentadas produzidas a partir do milho, do arroz ou do abacaxi, que, em seus sabor e modos de preparo distintos, entraram para o cardápio nacional histórico sob um mesmo nome: aluá.

Já Noemi Porro e seus coautores escrevem artigo intitulado “A ‘mãe palmeira’ ante a privatização de terras sob uso comum: desafios para a conservação do babaçu por quilombolas no vale do Mearim, Brasil”, onde expõem as relações e os significados construídos a partir dessa palmeira conhecida como ‘mãe do povo’, em territórios tradicionais como quilombos no Vale do Mearim, no Maranhão. Na seção memória, Felipe Milanez apresenta a resistência histórica de sujeitos de lutas coletivas em conflitos fundiários na Amazônia brasileira centrado nos defensores ambientais José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, assassinados em 2011. Para o autor de “Ousadia e luta: o pensamento de defensores da floresta na Amazônia”, a coragem de agir diante do terror . . . impulsiona a formação de sujeitos na luta coletiva pela floresta e pela vida”.

A íntegra do artigo “Mulheres e artes: força espiritual e sabedoria ancestral africana“ está disponível em: mujeres(valencia).pdf (museu-goeldi.br) – http://editora.museu-goeldi.br/bh/artigos/chv18n2_2023/mujeres(valencia).pdf

Para download gratuito da edição: http://editora.museu-goeldi.br/humanas/

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TEXTO: Eduardo Rocha 

Jimena Felipe Beltrão
Editora Científica
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas

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