Jornada Pantaneira 

Batalha do Avaí (Pedro Américo) – Copia

A Cólera do Império
(Machado de Assis)

DE PÉ! – Quando o inimigo o solo invade
Ergue-se o povo inteiro; e a espada em punho
É como um raio vingador dos livres!

*   *   *

Que espetáculo é este! – Um grito apenas
Bastou para acordar do sono o império!
Era o grito das vítimas. No leito,
Em que a pusera Deus, o vasto corpo
Ergue a imensa nação. Fulmíneos ([1]) olhos
Lança em torno de si: – lúgubre aspecto
A terra patenteia; o sangue puro,
O sangue de seus filhos corre em ondas
Que dos rios gigantes da floresta
Tingem as turvas, assustadas águas.
Talam seus campos legiões de ingratos.
Como um cortejo fúnebre, a desonra
E a morte as vão seguindo, e as vão guiando,
Ante a espada dos bárbaros, não vale
A coroa dos velhos; a inocência
Debalde aperta ao seio as vestes brancas…
É preciso cair. Pudor, velhice,
Não nos conhecem eles. Nos altares
Daquele gente, imola-se a virtude!

*   *   *

O Império estremeceu. A liberdade
Passou-lhe às mãos o gládio sacrossanto,
O gládio de Camilo. O novo Breno
Já pisa o chão da Pátria. Avante! avante!
Leva de um golpe aquela turba infrene!
É preciso vencer! Manda a justiça,
Manda a honra lavar com sangue as culpas
De um punhado de escravos. Ai daquele
Que a face maculou da terra livre!
Cada palmo do chão vomita um homem!
E do Norte, e do Sul, como esses rios
Que vão, sulcando a terra, encher os mares,
À falange comum os bravos correm!

*   *   *

Então [nobre espetáculo, só próprio
De almas livres!] então rompem-se os elos
De homens a homens. Coração, família,
Abafam-se, aniquilam-se: perdura
Uma ideia, a da Pátria. As mães sorrindo
Armam os filhos, beijam-nos; outrora
Não faziam melhor as mães de Esparta.
Deixa o tálamo o esposo; a própria esposa
É quem lhe cinge a espada vingadora.
Tu, brioso mancebo, às aras foges,
Onde himeneu te espera; a noiva aguarda
Cingir mais tarde na virgínea fronte
Rosas de esposa ou crepe de viúva.

*   *   *

E vão todos, não pérfidos soldados
Como esses que a traição lançou nos campos;
Vão como homens. A flama que os alenta
É o ideal esplêndido da Pátria.
Não os move um senhor; a veneranda
Imagem do dever é que os domina.
Esta bandeira é símbolo; não cobre,
Como a deles, um túmulo de vivos.
Hão de vencer! Atônito, confuso,
O covarde inimigo há de abater-se;
E da opressa Assunção transpondo os muros
Terá por prêmio a sorte dos vencidos.

*   *   *

Basta isso? Ainda não. Se o império é fogo,
Também é luz: abrasa, mas aclara.
Onde levar a flama da justiça,
Deixa um raio de nova liberdade.
Não lhe basta escrever uma vitória,
Lá, onde a tirania oprime um povo;
Outra, tão grande, lhe desperta os brios;
Vença uma vez no campo, outra nas almas;
Quebre as duras algemas que roxeiam
Pulsos de escravos. Faça-os homens.

*   *   *

Treme, opressor, da cólera do Império!
Longo há que às tuas mãos a liberdade
Sufocada soluça. A escura noite
Cobre de há muito o teu domínio estreito;
Tu mesmo abriste as portas do Oriente;
Rompe a luz; foge ao dia! O Deus dos justos
Os soluços ouviu dos teus escravos,
E os olhos te cegou para perder-te!

*   *   *

O povo um dia cobrirá de flores,
A imagem do Brasil. A liberdade
Unirá como um elo estes duos povos.
A mão, que a audácia castigou de ingratos,
Apertará somente a mão de amigos.
E a túnica farpada do tirano,
Que inda os quebrados ânimos assusta,
Será, aos olhos da nação remida,
A severa lição de extintos tempos!

*   *   *

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 21.08.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;   

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Fulmíneos: brilhantes como o próprio raio. (Hiram Reis)     

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