Jornada Pantaneira

Taunay e o Piano (Robson Vilalba)

Taunay e o Piano

[…] Tomado Peribebuí, e abafada qualquer resistência, houve o seu saquezinho, apesar dos esforços para reprimi-lo. Os soldados, porém, entravam nas casas e saíam com muitos objetos, que iam tomando violentamente ou apanhando pelo chão. Das moradas ocupadas antes pelo ditador López e por Mme. Lynch tiraram não pequena quantidade de prata amoedada, peças espanholas do valor de 2$000, das chamadas colunares, por terem as armas de Castela e Aragão gravadas entre duas colunas. Depois víamos muito esse dinheiro girar no comércio. Não poucos soldados, quando penetrei na morada da Lynch, passaram por perto de mim, levando em panos e mantas grande porção dessa prata, quanto podiam carregar.

Eu, avisado pelo Tibúrcio, ia à procura de um anunciado piano. Havia tanto tempo que estava privado desta distração!… Achei, com efeito, o desejado instrumento, bastante bom e afinado, até pus-me logo a tocar nele, embora triste espetáculo ficasse ao lado, o cadáver de um infeliz paraguaio, morto, durante o bombardeio da manhã, por uma granada que furara o teto da casa e lhe arrebentara bem em cima. O desgraçado estava sem cabeça. Fiz remover dali aquele fúnebre diletante, tocando, com grande ardor, talvez mais de duas horas seguidamente. Assim festejei a tomada de Peribebuí.

No quintal daquela habitação, onde havia trastes de luxo moderno e objetos bastante curiosos de antiguidade jesuíticas, restos de grandezas passadas, a custo e à ultima hora trazidas de Assunção, encontrou o Tibúrcio um depósito de vinhos de excedente qualidade, sobretudo caixas de champanhe, de indiscutível e legítima procedência, e das melhores marcas. Nunca o bebemos tão saboroso e perfumado, força é confessar.

Tratava-se em regra a imperiosa e inteligente mulher que teve tão vasta e tão perniciosa influência sobre o espírito de Solano López e tanto concorreu para a desgraça, as loucuras e horrorosos desmandos de seu amante e para as calamidades do valente e mal-aventurado povo paraguaio. Bem curiosa deve ser a história ainda imperfeitamente conhecida dessa Mme. Lynch! […]

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 18.08.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. Recordações de Guerra e de Viagem ‒ Brasil ‒ Brasília, DF ‒ Edições do Senado Federal, Vol. 99, 2008.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;    

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

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