MANAUS – O cacique Raoni e 54 lideranças indígenas divulgaram, nesta semana, um manifesto que alerta sobre os impactos da mudança climática e cita os riscos da aprovação do Marco Temporal. O documento foi entregue à ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, no evento “Chamado do Cacique Raoni”, que reuniu mais de mil pessoas na aldeia Piaraçu, em São José do Xingu, Mato Grosso, entre os dias 24 e 28 de julho.
O manifesto cita estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) que revela que, com o Marco Temporal, mais de 55 milhões de hectares de áreas nativas serão destruídas e 20 bilhões de toneladas de CO2 serão emitidos.
O Marco Temporal é a tese jurídica que pode redefinir os critérios para demarcação de terras indígenas no País. Segundo ela, os povos indígenas só têm direito àqueles territórios que eles já ocupavam — ou reivindicavam — no dia 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a atual Constituição Federal do Brasil.
O manifesto do cacique Raoni afirma que a aplicação da tese promoveria a exclusão de milhares de indígenas, além de abrir precedentes para a invasão e exploração das terras por interesses econômicos. O documento alerta, ainda, que o Marco Temporal desconsidera a história e cultura dos povos indígenas, além de violar tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração dos Povos Indígenas da ONU, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Ao restringir a demarcação apenas as Terras Indígenas que estavam estabelecidas antes de 5 de outubro de 1988, ignora nossa memória e história por ações de colonizadores, latifundiários e empreendimentos econômicos de deslocamentos forçados, violências, massacres e expulsões vividos em nossos territórios tradicionais o que resultou em perdas irreparáveis para nossas culturas e modo de vida“, consta no documento.
Exigências
O manifesto do cacique Raoni exige, entre outras coisas, que o Ministério da Justiça o papel de demarcar as terras indígenas, dando prioridade aos territórios judicializados e em situação de risco, assim como garanta a desintrusão “imediata”, assim como proteção, monitoramento e fiscalização, de todas as terras indígenas já demarcadas e homologadas.
Ainda pede que o governo respeite e cumpra o direito a Consulta Prévia, Livre e Informada conforme os Protocolos Autônomos dos Povos Indígenas sobre todos os empreendimentos que afetam seus territórios. “Queremos ser consultados em todas as suas fases, desde o planejamento para evitar assédios, cooptação e geração de conflitos de interesses entre as comunidades indígenas e que como o Belo Monte, tenham suas condicionantes cumpridas com os povos impactados“, acrescenta.
O documento também exige ao fortalecimento e estruturação institucional para os órgãos: Ministério do Povos Indígenas (MPI); Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai); Instituto de Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama); Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio); Defensoria Pública da União (DPU); Ministério Público Federal (MPF); Secretaria de Especial de Saúde Indígena (Sesai); e a criação da Secretaria Especial de Educação Escolar Indígena no Ministério da Educação (MEC).
Leia a íntegra do manifesto do cacique Raoni:
Nós, lideranças indígenas, representantes de 54 Povos Indígenas dos seis biomas brasileiros, atendendo o Chamado do Cacique Raoni Metuktire, na aldeia Piaraçu Terra Indígena Kapot-Jarina, MT entre os dias 24 a 28 de julho de 2023, exigimos do Estado Brasileiro uma posição concreta sobre o Recurso Extraordinário 10.17365/SC popularmente chamado “Marco Temporal”, Estamos muito preocupados com a situação territorial não somente dos povos indígenas que habitam a região amazônica, mas também das demais regiões do Brasil e do mundo.
O Marco Temporal tem uma interpretação que desconsidera nossa realidade histórica e cultural, além de violar tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração dos Povos Indígenas da ONU, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a consulta livre prévia e informada, além de afirmar a obrigação do governo em reconhecer e proteger os valores e práticas tradicionais, culturais e espirituais próprias dos Povos Indígenas. Ao restringir a demarcação apenas as Terras Indígenas que estavam estabelecidas antes de 5 de outubro de 1988, ignora nossa memória e história por ações de colonizadores, latifundiários e empreendimentos econômicos de deslocamentos forçados, violências, massacres e expulsões vividos em nossos territórios tradicionais o que resultou em perdas irreparáveis para nossas culturas e modo de vida.
Por tempos imemoráveis, nós Povos Indígenas, temos sido guardiões e guardiãs das florestas, dos rios, do ar e dos animais das terras por onde nossos ancestrais caminharam. Essas terras representam não apenas nosso lar, mas também nossa identidade cultural, nossas tradições, ciência que sempre existiram de forma conjunta e equilibrada com a natureza. É fundamental compreender que a posse dessas terras não se trata apenas de um aspecto material, mas de um elemento essencial para a nossa existência.
A aplicação do Marco Temporal teria como consequência a exclusão de milhares de indígenas de nossos territórios tradicionais, comprometendo nossa subsistência, nosso modo de ser e nossa autodeterminação como Povos Indígenas violando nossos direitos já garantidos . Além disso, abriria precedentes para a invasão e exploração de nossas terras por interesses econômicos que afetam não apenas nós, mas que de acordo com pesquisa feita pelo Ipam, 55 milhões de hectares de áreas nativas serão destruidos e que 20 bilhões de toneladas de CO2 serão emitidos.
Diante dessa realidade, exigimos dos três poderes da República que:
- O Ministério da Justiça cumpra com o seu papel de demarcar as Terras Indígenas, dando prioridade às Terras Indígenas judicializadas e em situação de risco, como por exemplo no caso dos territórios dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul;
- A desintrusão imediata de todas as Terras Indígenas já demarcadas e homologadas, não se restringindo apenas aquelas que se encontram na DPF 709, como por exemplo a T.I Urubu Branco, T.I Rio dos Índios e tantas outras que se encontram na mesma situação. Demandamos que os órgãos competentes cumpram a legislação garantindo sua proteção, monitoramento e fiscalização;
- Proteção permanente de nossos direitos que estão previstos em lei e tratados internacionais, de todas as Terras Indígenas independente do governo que esteja a frente do Estado;
- Respeite e cumpra o direito a Consulta Prévia, Livre e Informada conforme os Protocolos Autônomos dos Povos Indígenas sobre todos os empreendimentos que afetam seus territórios. Queremos ser consultados em todas as suas fases, desde o planejamento para evitar assédios, cooptação e geração de conflitos de interesses entre as comunidades indígenas e que como o Belo Monte, tenham suas condicionantes cumpridas com os povos impactados;
- Que a mineração no entorno e dentro dos nossos territórios respeitem todos os direitos dos Povos Indígenas e não sejam licenciados antes da construção e aprovação do Plano Base Ambiental do Componente Indígena. Exigimos que os empreendimentos que atropelaram os processos legais de licenciamento, sejam embargados e nos casos de PBA autorizados, as organizações indígenas devem ser as executoras desses recursos. Exigimos que sejam destruídos todas as formas de garimpo, expulsos os invasores e responsabilizados seus financiadores. Que seja garantido aos Povos Indígenas impactados pela exposição ao mercúrio a testagem em massa, o acesso ao tratamento da saúde e a segurança alimentar;
- Que todo e qualquer arrendamento ou parceria agrícola dentro de nossas Terras Indígenas seja condenado por ser inconstitucional e foge do modelo de sustentabilidade cultural, fortalecendo o agronegócio que causa destruição dos nossos territórios, conflitos internos, expulsões e mortes do nosso povo. Exigimos que o arrendatário, o maior responsável pela destruição de nossos territórios, seja punido de acordo com todos os crimes praticados;
- Seja assegurado aos povos indígenas o conhecimento e entendimento sobre o que é o Mercado de Carbono no Estado Brasileiro e os impactos aos nossos territórios. As atuais negociações existente no mercado de carbono devem ser anuladas, pois não respeitam a especificidade e os direitos dos povos indígenas e a biodiversidade de seus territórios. É necessário à garantia da participação dos povos indígenas dos seis biomas brasileiros na construção de uma legislação justa, obedecendo nossos direitos originários, constitucionais e internacionais;
- Fortaleçam e estruturem institucionalmente, garantindo a ampliação do orçamento para o Ministério do Povos Indígenas – MPI, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI, o Instituto de Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA; o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade – ICMBio; a Defensoria Pública da União – DPU; o Ministério Público Federal – MPF, a Secretaria de Especial de Saúde Indígena – SESAI, e que seja criada a Secretaria Especial de Educação Escolar Indígena no Ministério da Educação – MEC;
- Seja realizado de caráter de urgência concursos para servidores da FUNAI e SESAI para uma reestruturação da equipe que realmente atue a favor dos direitos dos povos indígenas, garantindo vagas para indígenas;
- Seja revogado as portarias que afetam os nossos direitos e que não tiveram a consulta devida, como por exemplo a 60/2015;
- Seja destinada para os Povos Indígenas as florestas públicas não destinadas, de acordo com uso e costumes de cada povo.
Concordamos em parte com o Ministro Alexandre de Moraes que reconhece os direitos indígenas constitucionais sobre os nossos territórios, mas discordamos do argumento de indenização pela terra nua. Não consideramos justo compensar pessoas e empresas que são responsáveis pelo assassinato de nossas lideranças e massacre do nosso povo que historicamente lutam pelo nosso território. Nós é que deveríamos ser indenizados pelos anos de violências vividos e por receber uma terra devastada. Vale destacar que os povos indígenas não se opõem ao desenvolvimento da nação brasileira, pelo contrário, estamos dispostos a contribuir com nossas perspectivas, ciência e saberes para o desenvolvimento do Brasil, desde que sejamos convidados, consultados, ouvidos e respeitados, especialmente quando o Estado pretender implementar obras que afetem nossas terras e nosso modo de vida tradicional.
Exigimos que o Estado brasileiro nos responda até dia 09 de agosto de 2023, como marco do dia internacional dos povos indígenas. Nossos ancestrais há muitos anos veem avisando que a saúde da terra não é responsabilidade só nossa, ela é responsabilidade de todos, se o céu cair, a terra incendiar e as águas subirem, todos nós iremos morrer, não há dinheiro que compre outro planeta.
Os espíritos da terra estão ficando furiosos. Quantos manifestos, cartas e protestos serão necessários para que vocês tomem uma atitude humana para proteger o planeta e as futuras gerações? Não estamos apenas falando da vida de nossos povos estamos também falando de suas vidas e de seus herdeiros, vocês não se importam?
O Cacique Raoni já atendeu o seu chamado e vocês quando irão atender o nosso?
Marcela Leiros – Da Agência Amazônia – Agência Cenarium Amazônia (aamazonia.com.br)
Deixe um comentário