Jornada Pantaneira

O Canoeiro Hiram Reis e Silva

Mulheres Guerreiras – Parte XV

Valquírias Americanas

A Regeneração n° 218
Desterro, SC – Domingo, 23.10.1870
À Pedido

Sr. Redator da Regeneração.

[…] Sr. Redator, quando se escreve por informações sem atender a fonte, quando não há o necessário critério, é fácil cair em erro, tal sucedeu ao corres­pondente de Montevidéu. Retificarei o fato:

Chegada Lynch a Humaitá, fui a bordo, cumprindo ordens que tinha a respeito, e pediu-me ela para desembarcar no meu escaler, ao que acedi. Mandei-lhe proporcionar uma casa, que se achava desocu­pada, e, depois, ela hospedou-se em um quarto no comércio, onde ficou até as 3 horas da manhã se­guinte quando partiu para Buenos Aires em um va­por Argentino. No exército, onde sou bem conhecido, dispensar-me-ia de fazer semelhante declaração; aqui, porém, corre-me o dever de contestar expli­cando o fato.

Publicando estas linhas prestará V. Sª um seu serviço ao Brigadeiro Salustiano J. dos Reis.

Desterro, 22.10.1870. (A REGENERAÇÃO N° 218)

O Despertador n° 1.330
Desterro, SC – Terça-feira, 16.10.1875
Exterior – Rio da Prata

Notícias do Paraguai dão detalhes do fato anunciado pelo telégrafo de Corrientes, isto é, a expulsão da inglesa Eliza Lynch de Assunção.

Diz o correspondente do “Telegrapho Marítimo”:

“Logo que nesta cidade se soube que no dia 22 ela havia desembarcado, reuniram-se em casa da Sr.ª Machani de Haedo mais de 50 famílias paraguaias das mais distintas, com o fim de formular uma peti­ção ao governo para se dar execução à pena já infli­gida à mencionada Elisa Lynch.

Transcrevemos esse documento, que consideramos notável, e o único desse gênero que temos visto na América. Ei-lo”:

Exm° Sr. Presidente da República.

Senhor, há legados de sangue e de vergonha, dos quais o coração mais magnânimo não prescindirá jamais. Não há sentimento humanitário capaz de fa­zer calar no coração o horror e a indignação naturais que nele produz a presença do verdugo, mais do que do verdugo, da sua instigadora insaciável.

Senhor, procurávamos fechar os olhos com horror da recordação do desesperado fim do nossos pais, esposos, irmãos e filhos.

Buscávamos na resignação cristã o bálsamo para as feridas de nossa alma, impossíveis de cicatrizar, quando a presença de uma mulher odiosa, crimino­sa, acusada pela opinião pública como a instigadora e cúmplice de crueldade incríveis, apresenta-se au­dazmente entre nós abrindo-as e as fazendo verter sangue novamente, como o que mancha as mãos dela não fosse suficiente à sua cobiça e maldade infernais.

Senhor, um milhão de paraguaios estremeceram de indignação nos seus túmulos ignorados, quando Lynch pisou hoje a terra que os cobre.

Senhor, tanta audácia, tantos crimes, clamam a vindicta ([1]) que a lei nos deve.

Senhor, em nome das vítimas que na opinião pública sacrificou a mulher Elisa A. Lynch, nós, suas filhas, esposas, mães ou irmãs, usando dos direitos que nos concede a constituição, vimos pedir que seja imediata e ignominiosamente expulsa do País ou que o Fiscal Geral acuse a essa criminosa perante a justiça do Estado, de conformidade com o Decreto de 04.05.1870, aprovado pelo Congresso.

Assunção, 23.10.1875.

O presidente Gill acompanhado de seus ministros acolheram benignamente a comissão de senhoras que lhes apresentaram a petição, e no mesmo dia 23 à noite, Lynch recebeu ordem de sair imediatamente do território paraguaio. (O DESPERTADOR N° 1.330)

Diário de Notícias n° 469
Rio de Janeiro, RJ – Segunda-feira, 20.09.1886
Elisa Lynch
Loucuras, Grandezas e Desditas

A recente notícia de haver falecido na Europa a célebre Madame Lynch, cuja passagem por esta cidade a imprensa nestes últimos anos várias vezes assinalara, causou no Rio da Prata uma impressão bastante forte, o que aliás era natural, pois a mulher que compartiu das grandezas e desditas do ditador López, ali se demorou tempo bastante para tornar-se uma conhecida íntima. Os jornais dedicaram-lhe artigos, e a “Illustração Argentina” publicou-lhe o retrato, e ao retrato acrescentou algumas notas que, por nos parecerem muito curiosas e sensíveis, trasla­damos para aqui:

Convite para o Enterro de Lynch

Acaba de morrer em Paris, Elisa Lynch, cujo retrato autêntico tomamos do que foi tirado em Constan­tinopla, quando ela visitou as margens do Bósforo.

Pôde Elisa ser contada entre as mais célebres aven­tureiras do século XIX e quiçá de todos os tempos, porém oferece em sua vida rasgos que se ligam aos fastos de um povo americano, e suas desgraças incomparáveis, como ela própria dizia em uma carta a uma amiga, inspiram simpatia até aos mais intran­sigentes censores.

Nasceu em Londres em 1835, sendo seus país modestos, porém honrados. Recebeu elementos de instrução que ampliou com perspicácia genial. Casou-se com um jovem muito benquisto, porém o seu casamento não estava destinado a celebrar ao menos as bodas de prata e assim ela desprendeu-se dessas cadeias sem o mínimo escrúpulo.

Principiou a viajar com um Lord inglês, fez um gran­de sucesso na coroada cidade do Madrid, e larga brecha nos cofres de um rico banqueiro inglês, po­rém por sua vez não pôde imperar no coração de um jovem sevilhano que lhe inspirou uma extravagante paixão.

Seria fatigante acompanhá-la nesse caminho, sempre semeado de espinhos e rosas desde Aspásia em Athenas ([2]) até aos nossos dias prosaicos.

Um filho da América do Sul subjugou essa vontade versátil, rendendo também a sua à fascinação de que era dotada a estrangeira e de que outros tinham sido tributários.

Francisco Solano, filho do ditador do Paraguai, Carlos Antonio López, viajava a Europa com o fausto de um príncipe e a petulância de sua idade, índole e jerarquia ([3]). O destino uniu o mancebo americano à Elisa, que havia cruzado as alegrias da antiga Lutécia, ou da moderna Babilônia, como já chama­ram Paris.

Elisa coloriu com o prisma de uma imaginação roma­nesca, um horizonte maravilhoso no Novo Mundo.

Veio à Assunção, e o velho déspota que amava o seu primogênito, a quem por testamento legou a potes­tade suprema ([4]), tolerou ou dissimulou aquela ilegítima união.

Quando o general Francisco Solano ocupou o sólio ([5]) de seu progenitor, Elisa assumiu os ares e a ascendência de uma soberana. Não lhe faltaram lisonjeiros entre ministros diplomáticos, que os monarcas europeus acreditaram na capital para­guaia.

Chegou entretanto um momento em que a situação e o caráter de Madame Lynch sujeitaram-se a terríveis provas. Foi quando a Tríplice Aliança da Republica Argentina, Uruguai e Brasil, aceitou o repto de guer­ra lançado por López. A história dessa contenda colossal oferece o terror da tragédia e a solenidade da Bíblia.

Duas gerações foram exterminadas nesses campos defendidos pelo fanatismo pátrio, com obediência muçulmana ao chefe de povos quase primitivos. Não é presumível que Elisa aconselhasse algumas das desesperadas e cruéis resoluções de López, porém, é indubitável que participou de seus perigos. Por último o autocrata paraguaio caiu combatendo, defendido pelo braço de seu inocente filho de 15 anos, que também sucumbiu nas misteriosas mar­gens do Aquidaban.

Elisa Lynch regou com suas lágrimas estas relíquias e até cavou com suas mãos a humilde sepultura dos seres amados. Teve esta mulher os atrativos que aprisionaram até a alguns filósofos antigos e dotes singulares de Engenho. Chegou a acariciar o sonho de um diadema para seu companheiro, e a esperança de que a púrpura cobriria os seus próprios erros. Ella sabia que Teodora, depois de haver feito as delicias do teatro bizantino, sentou-se com o imperador Justiniano no trono do Oriente. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS N° 469)

O Economista n° 1.525
Lisboa, Portugal – Quinta-feira, 30.09.1886
Correspondências
Brasil, RJ, 08.09.1886

Os periódicos do Rio da Prata trouxeram a nova de haver falecido na Europa a célebre Elisa Lynch, que tão extraordinário e nefasto papel desempenhou ao lado do ditador López, da República do Paraguai. A respeito desta mulher, escreve uma folha daquela parte da América do Sul o seguinte:

Mulher inteligente, de uma educação esmerada e de uma beleza peregrina ([6]), entregou-se bem jovem à uma vida dissoluta de cortesã ([7]) festejada, passando de mão em mão nas principais cidades da Europa, em Paris, em Londres, em Roma e em Madri. Foi no meio das suas orgias que o general López a viu e ficou dominado pelo seus encantos. […] (O ECONOMISTA N° 1.525)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 14.07.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia     

A REGENERAÇÃO N° 218. À Pedido – Brasil – Desterro, SC – A Regeneração n° 218, 23.10.1870.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS N° 469. Elisa Lynch Loucuras, Grandezas e Desditas – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Diário de Notícias n° 469, 20.09.1886.

O DESPERTADOR N° 1.330. Exterior – Rio da Prata – Brasil – Desterro, SC – O Despertador n° 1.330, 16.10.1875.

O ECONOMISTA N° 1.525. Correspondências – Lisboa – Portugal – O Economista n° 1.525, 30.09.1886.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Vindicta: vingança. (Hiram Reis)

[2]    Aspásia de Mileto: O nome Aspásia significa “a bem-vinda”. Foi uma grega do século V a.C. nascida em Mileto que, com 20 anos, mudou-se para Atenas. Mulher bonita e inteligente dizem que foi iniciada na prostituição por seu pai para atender aos desejos dos homens mais ricos e poderosos. (Hiram Reis)

[3]    Jerarquia: hierarquia. (Hiram Reis)

[4]    Potestade suprema: força suprema, poder supremo. (Hiram Reis)

[5]    Sólio: trono. (Hiram Reis)

[6]    Peregrina: singular. (Hiram Reis)

[7]    Cortesã: mulher de costumes libertinos, devassos e vida luxuosa. (Hiram Reis)   

Nota – A equipe do EcoAmazônia esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nas postagens são de responsabilidade do (s) autor (es) e não refletem, necessariamente, a opinião deste ‘site”, são postados em respeito a pluralidade de ideias