A relevância da foz do Amazonas na Defesa Nacional
Em um país de dimensões continentais com variadas e complexas demandas na área da Defesa, destacam-se 7.500 km de um riquíssimo litoral onde a Estratégia Nacional de Defesa, a documentação de mais alto nível nos assuntos de Defesa, aponta para duas áreas merecedoras de especial atenção ao longo desse litoral, a faixa entre Santos (SP) e Vitória (ES) e a foz do rio Amazonas.
A Diretriz do Comandante do Exército Brasileiro para 2023–2026 reforça a importância do assunto ao considerar a faixa de fronteira, a região amazônica e a costa do Atlântico Sul como áreas de interesse prioritário na defesa dos interesses nacionais.
No que concerne à faixa litorânea de Santos (SP) até Vitória (ES), é de fácil compreensão o motivo do olhar atento à Defesa do Estado brasileiro naquela área. As bacias petrolíferas de Campos e Santos estão localizadas nessa faixa e juntas combinam grande volume de reservas e expressivo potencial de geração de valor ao Brasil.
Além disso, debruçado sobre a faixa litorânea destacada, encontra-se o centro nervoso econômico e tecnológico nacional. No eixo Rio-São Paulo localizam-se destacadas instituições tecnológicas do país, aliado a um vasto complexo industrial, no qual se vale dos portos dessa região para importar insumos e exportar seus produtos.
Não obstante, o mesmo cuidado existe na foz do rio Amazonas. A importância estratégica dada à região é o objetivo deste artigo.
Antes de tudo, uma ação militar na foz do Amazonas pode ter dois objetivos, o primeiro é de conquistar algum pedaço do território amazônico e trata-se da principal Direção Tática de Ataque (DTA) capaz de conduzir uma Força Oponente até os principais acidentes capitais que controlam a região. O segundo objetivo seria de um embargo, negando o uso comercial dessa região. Esse último objetivo é justificável sobre a narrativa de uma incapacidade brasileira em combater o narcotráfico, madeireiras ilegais, garimpos e crimes ambientais.
Nesse contexto, vale ressaltar o peso midiático da região amazônica. As repercussões de eventos que ocorrem nesse ambiente ultrapassam o cenário nacional e reverberam opiniões de celebridades mundiais, com capacidade de impactar na imagem do Brasil no sistema internacional, reforçando as narrativas citadas anteriormente.
Para qualquer um dos objetivos militares acima elencados, consideramos que a negação de uso não seria somente sobre o canal que limita as embarcações, mas no litoral que se alonga no entorno do estuário. Isso porque para atender o princípio da surpresa e da segurança, a Força Oponente – aqui julgada com uma capacidade militar superior à brasileira – não nos permitiria o lançamento de ações táticas na sua proximidade. Desta feita, ao desvelar um estudo sobre sua importância, parece coerente verificar o impacto no litoral desde o Oiapoque (450 Km à Norte do estuário) até São Luís (470 Km à Sudeste do estuário). Essa faixa litorânea teria alto valor para a proteção da esquadra que estivesse realizando a negação do uso da foz do Amazonas.
Por essa faixa litorânea, escoa mais da metade dos produtos do agronegócio brasileiro. Obras recentes de melhoria das infraestruturas estão norteando o escoamento da produção agrícola, via os portos de Porto Velho (RO), Miritituba (PA), Santarém (PA) e Belém (PA). Cabe destacar que todos esses portos citados se comunicam com os principais mercados consumidores por meio da passagem na foz do Amazonas favorecida pela proximidade geográfica com os principais parceiros comerciais do Brasil.
Na área de interesse regional, ressalta-se que o Porto de Itaqui é o principal local das importações de fertilizantes que se originam da Europa. Proporcionalmente, mais de 50% do insumo utilizado na produção agrícola nacional entra no País por São Luís, confirmando a importância estratégica regional.
Além disso, a Zona Franca de Manaus (ZFM) é um exemplo de política pública que permitiu reduzir o êxodo populacional de Manaus – a maior densidade da Região Norte – implantando empresas que geram empregos diretos e indiretos. Nesse sentido, a foz do Amazonas é responsável pela importação de insumos que sustentam a ZFM e da exportação da mercadoria produzida. Portanto, a decadência da ZFM pode gerar graves crises sociais na principal cidade amazônica.
A médio prazo, a perspectiva é, ainda, incrementar a importância regional devido aos estudos de prospecção conduzidos pela PETROBRAS na margem equatorial Norte. O litoral do Amapá e do Pará tendem a receber plataformas de exploração de petróleo offshore. Ainda em nível de expectativa, a produção petrolífera no entorno da foz ultrapassaria as bacias já destacadas anteriormente.
O porto Ponta da Madeira, também em São Luís, é responsável pelo escoamento do minério de ferro produzido pela VALE em Carajás (PA). O Brasil é líder mundial na exportação de minério de ferro e sua principal reserva situa-se no complexo Carajás que possui toda a logística de escoamento apontada para São Luís.
No campo científico, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) situa-se na faixa litorânea considerada nesse estudo. Mais uma vez, por razões de segurança, a Força Oponente negaria a utilização do Centro, seja por meio cinético ou não cinético, interferindo na capacidade de manobra brasileira.
Portanto, além da flagrante interferência na soberania nacional, no caso de uma intervenção sobre a foz do Amazonas, pode-se citar os seguintes impactos ao Brasil: (i) a relevância da Amazônia no contexto nacional e internacional; (ii) a principal porta de entrada de importação da ZFM e de fertilizantes para o agronegócio; (iii) a rota de escoamento dos grãos produzidos no Centro-Oeste do País e do minério de ferro oriundo de Carajás(PA); (iv) potencialidade petrolífera na expectativa da bacia offshore.
Coerente com a importância estratégica, o Exército Brasileiro tem articulado a Força Terrestre à altura das exigências regionais. Em 2013, a criação do Comando Militar do Norte (CMN), sediado em Belém (PA), apontou para uma clássica divisão do território amazônico. A Amazônia Oriental, com uma predominância marítima, e a Amazônia Ocidental, com maior influência continental.
Seguindo esse ínterim, em 2017, foi criada a 22ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Macapá (AP), aumentando a capacidade de desdobramento da Força Terrestre ao longo do litoral da foz do Amazonas, particularmente com área de responsabilidade coincidente com os limites aqui apresentados para a defesa do principal estuário do Brasil.
A incipiência dessas Organizações Militares ainda não permitiu alcançar com eficiência todas as capacidades desejadas. Contudo, é nítido o esforço dispensado a fim de se buscar Doutrina, Organização, Adestramento, Material, Educação, Pessoal e Infraestrutura (DOAMEPI) utilizando-se de experimentações doutrinárias, simpósios acadêmicos, exercícios no terreno e um projeto interdisciplinar conduzido pela ECEME, tudo voltado para essa singular faixa litorânea.
Desse modo, é imperioso destacar o planejamento para confecção, pelo Ministério da Defesa, do Plano Estratégico de Emprego Conjunto das Forças Armadas (PEECFA) voltado para a defesa da foz do Amazonas, por meio do qual será possível definir as capacidades necessárias à complexa e desafiadora missão de defender a foz do maior rio do mundo. Isso intensifica as ações conjuntas seja de preparo ou emprego nesse cenário de demandas específicas.
Por fim, o Comando Militar do Norte e a 22ª Brigada de Infantaria de Selva são as frações da Força Terrestre responsáveis por contribuir com os interesses da Nação quanto à soberania de nosso território e respeito às nossas decisões.
Autor: Maj Carlos Henrique Arantes de Moraes
PUBLICADO POR: EBLOG BLOG DO EXÉRCITO BRASILEIRO – A relevância da foz do Amazonas na Defesa Nacional – EBlog do Exército Brasileiro