Pesquisadores investigam a morfologia e as funções desses insetos nos diferentes estratos que ocupam na Amazônia
Agência Museu Goeldi – Cooperação, trabalho árduo, e vida em comunidade, são algumas ideias comuns no imaginário popular quando falamos dos insetos tema dessa pesquisa. As formigas são insetos sociais encontrados em quase todos os lugares do mundo. Elas são conhecidas por sua habilidade em construir complexos sistemas de túneis e montar formigueiros impressionantes. As formigas também desempenham papéis importantes na ecologia, como controlar populações de outros insetos e ajudar na dispersão de sementes.
Apesar de serem populares, a ciência sabia pouco sobre quem são as formigas que vivem em diferentes estratos da floresta. Será que existem diferenças entre as formigas que estão no solo e aquelas do alto das árvores? Essa foi uma das perguntas que pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, em parceria com a Universidade Federal de Goiás, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal de Mato Grosso e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia tentaram responder no estudo “The role of morphological traits in predicting the functional ecology of arboreal and ground ants in the Cerrado–Amazon transition”
Os autores do estudo – Rony Almeida (Museu Goeldi), Fabrício Teresa (UEG), Flávio Camarota (UFMG ), Thiago Izzo (UFMT), Rogério Silva (Museu Goeldi), Joudellys Andrade-Silva (Museu Goeldi) e Filipe Arruda (IPAM) – investigaram as relações entre as características morfológicas das formigas (medidas das partes de seu corpo) e as funções que esses animais desempenham nos locais da floresta onde ocorrem. Os pesquisadores procuraram saber as diferenças na morfologia entre as formigas que vivem nas árvores e aquelas que vivem no solo de uma região de grande diversidade biológica e que sofre muitas pressões ambientais. O local pesquisado foi o município de Conceição do Araguaia, situado no sudeste do Pará, bem na transição entre os biomas Cerrado e Amazônia.
O estudo – Para analisar as formigas e suas estratégias ecológicas, os pesquisadores selecionaram seis áreas de Conceição do Araguaia, cada qual distante entre 4 e 12 quilômetros umas das outras. As formigas foram coletadas através de pequenas armadilhas, em excursões realizadas durante as estações seca e chuvosa. As armadilhas foram colocadas proporcionalmente no solo e no alto das árvores, já que a ideia era conferir a estratificação vertical, ou seja, a distribuição de organismos ao longo do eixo vertical de uma floresta. Isso porque, de acordo com a distância do solo na qual um animal vive, características e comportamentos diferentes podem ocorrer.
As formigas coletadas foram levadas para o Laboratório de Morfologia e Ecologia Funcional de Formigas (AntMor/Museu Goeldi) e identificadas. O estudo considerou quase 500 formigas de 173 espécies, que foram medidas e tiveram suas características morfológicas, como tamanho corporal, comprimento de perna e morfologia da cabeça, analisadas.
Diferenças – Os resultados mostraram que as formigas terrestres são menores e tem as mandíbulas proporcionalmente maiores para seu tamanho corporal, em comparação com as formigas arborícolas. Ter o corpo pequeno confere vantagens para passar em espaços menores, sobretudo as formigas de solo que precisam andar entre as folhas e raízes. Além disso, uma mandíbula maior facilita a captura de presas.
Uma outra característica interessante são os olhos das formigas que vivem nesses dois estratos. Enquanto as formigas terrestres têm olhos menores e mais na frente da cabeça, as formigas arborícolas apresentam olhos bem maiores e posicionados nas laterais da cabeça. Em um local mais aberto e com luz como é a vegetação, é importante ter uma visão mais ampla de todo ambiente.
Rony Almeida, o autor principal, explica um pouco mais sobre o resultado obtido. “Dentre as principais descobertas, encontramos que o estrato de solo apresenta duas vezes mais espécies de formigas e bem mais funções sendo realizadas por essas formigas. No caso dessas formigas, é uma relação direta: são mais espécies e essas espécies são morfologicamente diferentes, o que proporciona serviços diferentes”, ressalta Rony.
Ecologia funcional – Segundo os autores, esses resultados mostram como as características morfológicas podem influenciar a ecologia funcional das formigas em diferentes habitats – trocando em miúdos, ecologia funcional trata das funções que cada espécie realiza no ambiente, é como ela percebe, como busca alimento e como interage com outras espécies.
Na floresta, o relevo, a incidência de luz e a presença de vegetais e animais em diferentes estágios de vida poderia ser comparado às diferenças que existem dentro de uma grande cidade, com ruas mais ou menos largas, e prédios mais altos ou mais baixos, próximos de morros, rios ou de praças. Assim como essas características da cidade influenciam na vida dos habitantes, nas florestas essas diferenças levam a variações ainda mais profundas, com diferentes espécies, ao longo de milhões de anos, se tornando especialistas em diferentes partes desse rico e complexo ecossistema.
Os resultados da pesquisa também têm implicações importantes para a conservação desses ecossistemas, já que a degradação dos habitats em áreas de transição entre Amazônia e o Cerrado pode afetar diferentes grupos de formigas de maneira desigual. O estudo contribui para a compreensão da diversidade ecológica de formigas em habitats tropicais e pode fornecer informações valiosas para a conservação desses ecossistemas.
Acesse a revista científica Oecologia para ler o artigo na íntegra de Rony Almeida, Fabrício Teresa, Flávio Camarota, Thiago Izzo, Rogério Silva, Joudellys Andrade-Silva e Filipe Arruda.
Texto: Nina Dacier e Uriel Pinho
Edição: Joice Santos
PUBLICADO POR: MUSEU GOELDI – A vida secreta das formigas: estudo revela diferenças entre formigas terrestres e arborícolas da Amazônia — Museu Paraense Emílio Goeldi (www.gov.br)