Jornada Pantaneira

O Canoeiro

Quarta Carta à Tia Chica
(João Nicodemos)

Tia Chica

Maldito mil vezes seja
Solano López Francisco!
Danado o perro se veja
Até morrer sobre o cisco
Ou em fogo de carqueja!

Seja seu nome notado
Como o de febre maligna,
Como o de lobo esfaimado.
Como o de ave de rapina,
Como o de tigre assanhado!

Cego de negra ambição
Quis ostentar de valente,
Perdido em tanta ilusão,
Julgou-se, pobre demente! ‒
Igual a Napoleão.

Não lhe bastou ter atado
Ao equileo (*) da tortura
O peso seu desgraçado;
Na sua feroz loucura
Inda mas quis o malvado.

Seu futuro é um presente
Jogando ao azar da sorte,
Mandou a mesquinha gente
A certeira crua morte
Da guerra na luta ardente.

Ah! minha tia e senhora,
É lei de verdade eterna –
Que do mau chegando a hora
O sizo mais não governa:
Mais que nunca vê-se agora.

López no mal, que sofrer,
De si se queixe somente
Se na forca padecer,
Foi sua mão imprudente,
Que quis a corda tecer.

Não pode encontrar piedade
Quem tem gosto em ser cruel
Indulgência, humanidade,
Mercê, guarida, quartel
Pode esperar, na verdade?

Com Solano, compassivo
Não pode ser o Brasil:
Provém dele o nosso dano;
Os nossos desgostos mil
Provém do feroz tirano.

Ai! minha tia, esta guerra
É penosa provação,
Se a minha razão não erra,
Em tão crua entalação ([1])
Nunca se viu nossa terra.

Já o País caminhando,
A passo lento, é verdade
De um Rei justo sob o mando,
Podia a prosperidade
Ir pouco a pouco alcançando.

Dos anos no rodear,
Não muito longo, podia
Os altos cimos galgar,
Onde as nações, minha tia,
Mais possantes tem lugar.

Dessa vereda formosa
Foi de súbito afastado:
Na porfia gloriosa
Infelizmente estorvado,
Cessa-lhe a ação poderosa.

As forças, que ele aplicava
Da paz às belas feituras;
O vigor, com que arrostava
Revezes e desventuras
E, vencedor, os domava:

De seu destino fecundo
Transviados de repente
Se vão sorver no profundo
Abismo, que a mão furente ([2])
Abriu de López Segundo.

Eu bem sei, tia e senhora,
Que em breve da punição
Soará tremenda hora
Para o tigre de Assunção,
Por quem tanto a forca chora;

Eu bem sei que a Pátria nossa
Possui recursos bastantes
Para que de novo possa
Tornar ao que era de antes,
Sem dos golpes ficar mossa.

(SEMANA ILLUSTRADA N° 257)

Equileo (O Jardim Litterario, 1949)

(*) Equileo
(O Jardim Literário)

A estampa que hoje apresentamos dá uma sucinta ideia do horroroso suplício que em Roma-pagã se infligia aos considerados criminosos, especialmente sectários da sólida e verdadeira doutrina cristã.

Era uma espécie de cavalete de pau, a que os roma­nos bárbaros, adoradores das falsas divindades, deram o nome de Equileo. Só em o imaginar conce­bemos terror.

Ao padecente, deitado sobre duas traves unidas, com a cara voltada para cima, e as pernas cruzadas, eram ligados os braços e pernas com cordas, a que chamavam Fidiculœ, e puxando-as por meio de roldanas, ou serilhos, as apertavam de sorte que lhe torciam ou deslocavam os membros, esmagavam-lhe os pés e mãos, e pelo cruel apertão, até lhes saltavam muitas vezes fora as unhas dos dedos; para depois lhes rasgarem os lados com ganchos do ferro, e curarem suas feridas com fachos acesos. (O JARDIM LITTERARIO, 1949)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 29.05.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia   

O JARDIM LITTERARIO, 1949. Equileo – Portugal – Lisboa – O Jardim Litterario, 2° Semestre de 1949.

SEMANA ILLUSTRADA N° 257. Quarta Carta à Tia Chica – João Nicodemos – Brasil – Rio de Janeiro, RJ ‒ Semana Illustrada n° 257, 12.11.1865.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].

[1]    Entalação: situação crítica, embaraço. (Hiram Reis)

[2]    Furente: enfurecida. (Hiram Reis)

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